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Benefícios na compra de eletrodomésticos: quem paga a conta?

Lula quer lançar um programa para vender geladeiras, fogões e máquinas de lavar roupa com facilidades, mas Haddad ainda precisa saber de onde vai tirar o dinheiro para bancar a benesse

Crédito: Agência Brasil

Alckmin e Lula debatem sobre a criação de novo benefício (Crédito: Agência Brasil)

Por Regina Pitoscia

A concessão de incentivos ao setor de eletrodomésticos é para Lula um atalho que vai ativar um pedaço da economia. Ao pretender subsidiar a venda de geladeiras, fogões e máquinas de lavar roupas, por exemplo, o mandatário deseja repetir a estratégia de redução de impostos na compra de automóveis, o que resultou em queda superior a 10% nos preços finais.

O problema, desta vez, é como Fernando Haddad vai encontrar recursos que venham compensar os gastos inesperados. Quando o presidente lançou a ideia do programa há dez dias, inspirado pelo vice-presidente Geraldo Alckmin, que é também ministro da Indústria e Comércio, o ministro da Fazenda tentou desconversar, dizendo que não havia recebido “nenhuma encomenda do presidente”, mas a ISTOÉ apurou que o programa será mesmo lançado em breve. “Haddad vai falar não para o presidente?”, questionou uma alta fonte do governo.

Na verdade, o governo quer alavancar as vendas de um setor importante da economia e ajudar as pessoas mais pobres a adquirirem eletrodomésticos indispensáveis em suas casas. O programa vem em linha com o programa Desenrola, recém-criado e destinado à renegociação de dívidas para que a população volte a consumir.

Com ele, a expectativa é de que 40 milhões de pessoas possam ser beneficiadas em uma primeira etapa. O setor de eletrodomésticos, segundo empresários, submerge este ano de tempos bicudos, após fechar 18 meses no vermelho (desde setembro de 2021).

Governo pretende oferecer subsídios para alavancar vendas de eletrodomésticos (Crédito:Divulgação)

Só no ano passado, a queda foi de 15%, mas exibe uma recuperação de 13% no primeiro semestre deste ano, com a comercialização de 44,02 milhões de unidades.

De acordo com o presidente da Associação Nacional de Fabricantes de Produtos Eletroeletrônicos (Eletros), Jorge Júnior, o setor tende a fechar 2023 com um crescimento entre 4 e 6%, o que pode melhorar ainda mais com o programa de subsídios que estão sendo estudados pelo governo.

Entre os economistas, há consenso de que medidas pontuais são paliativas, um remendo. Embora possam dar um fôlego ao setor enquanto os juros estiverem em níveis elevados, o que inibe o consumo e trava a atividade econômica, há quem entenda que não vale a pena enveredar por caminhos que coloquem em risco o controle fiscal.

Não se sabe ainda em que formato seriam embaladas as benesses, se por redução de impostos ou facilidades no crédito. De todo modo, a questão central recai sobre quem vai pagar mais essa conta trazida pela distribuição de subsídios.

Plano mais amplo

O setor de eletroeletrônicos se mobiliza e se antecipa na arquitetura de uma proposta mais abrangente e duradoura, com mais opções de estímulos, incluindo redução no Imposto de renda, que será apresentada no prazo de 30 a 40 dias ao governo.

Um dos pilares de apoio à proposta refere-se aos ganhos de eficiência com a renovação dos produtos no mercado, redução no consumo de água e energia nos produtos fabricados no Brasil e, por tabela, de despesas para o consumidor.

“Nas próprias palavras do presidente, as pessoas precisam trocar de geladeira, fogão e tudo o mais, e não seria de surpreender se mais à frente viesse algum benefício também para a construção civil”, pondera Carlos Honorato, professor da FIA Business School.

Os benefícios poderiam trazer algum sustento para empresas do setor, além de permitir o acesso de consumidores aos produtos, acredita o professor.

Jorge Junior, presidente da Eletros: “Crédito subsidiado, redução de impostos e dedução no Imposto de Renda estão entre as sugestões da Eletros para incentivar o setor”  (Crédito:Divulgação)

Para o economista-chefe da Valor Investimentos, Piter Carvalho, são ações necessárias frente aos juros salgados, têm o objetivo de evitar que a máquina produtiva pare, gere desemprego e desencadeie um colapso na economia. “São vários incentivos visando aumentar o nível de emprego e fazer a economia girar”.

Carvalho pontua que o Brasil tem um dos maiores juros do mundo, o que prejudica em especial o setor de varejo e deixa 70 milhões de pessoas endividadas. Mesmo que o processo de corte dos juros seja iniciado em agosto pelo Banco Central (BC), como espera o mercado financeiro, os efeitos demoram para se cristalizar na ponta do consumo.

Mas nem todo impacto tende a ser positivo nesse processo.

“Não tem orçamento que comporte a concessão de benefícios fiscais”
Gabriel Quintanilha, professor da FGV Direito Rio.

Em sua opinião, não faz sentido o esforço todo para montar e aprovar o arcabouço fiscal para depois não seguir o que foi por ele determinado.

“É uma contradição o governo vir agora e abrir a caixa de pandora. Isso contradiz o que ele mesmo prega”. Além de questionar a eficiência dos subsídios na economia, Quitanilha explica que a medida “pode ajudar pontualmente a aquecer o setor, uns dois ou três meses, mas não é estrutural. É uma atitude política para ajudar um setor que não precisa de intervenção”.

Ele mostra que os efeitos seriam algo parecido com o que aconteceu com os incentivos concedidos na compra de carros. “Não houve aceleração da economia nem resolveu o problema das montadoras”, diz o professor da FGV, referindo-se à mais recente decisão da Volkswagen de suspender temporariamente 800 contratos (layoff) em sua unidade de Taubaté.

Para o economista, a solução está em trabalhar as reformas estruturais, como a administrativa, que está parada, e promover a redução de gastos públicos que possibilitem a concessão de subsídios.

“Não sabemos quanto isso vai custar, como isso vai acontecer, mas adotar medidas para ajudar esse setor é algo extremamente relevante, dado que a gente ainda tem taxa de juros muito elevada”, afirma Ricardo Jorge, educador financeiro, especialista em renda fixa e sócio da Quantzed.

“O governo tenta incentivar esse setor que tem sido um dos mais afetados por esse nível de juros, e todo o processo de desaceleração que a gente viu”.