Comportamento

Moda: tamanho é documento (de liberdade)

Muito além do aumento de tamanho, roupas volumosas trazem novas silhuetas; volta da tendência tem a ver com conforto e versatilidade

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Marina Dalgalarrondo preza por criar volumes extracorporais (Crédito: Divulgação)

Por Ana Mosqueira

Não há motivos para esconder o volume no momento de liberdade e democratização que a moda vive. No cabelo, no corpo ou nas próprias roupas, a tendência até já foi associada ao alto clero, quando a imagem do papa de casaco branco acolchoado ganhou as mídias graças à Inteligência Artificial, numa foto fake que rodou o mundo.

Na moda, a opção pelo volume extra é real. Mesmo a Semana de Alta-Costura de Paris abriu espaço para vestidos abaloados, golas, capas e capuzes ostensivos, plumas e tules esvoaçantes. Fendi, Balenciaga e Viktor&Rolf foram algumas das grifes mundiais que investiram nos visuais avantajados do evento de relevância mundial. Looks espalhafatosos também tomaram os espectadores, e a rapper Cardi B apareceu com um vestido de pluma branca em um dos dias de desfile.

Lúdico: a estilista Erica Rosa investe em materiais tecnológicos especiais para obter visual extravagante (Crédito:Divulgação)

No Brasil, marcas autorais apostam em tecidos e outros recursos que garantem os formatos excessivos, e bebem de referências artísticas e históricas para proporcionar coleções mais confortáveis, versáteis e para todos os gêneros. “Peças com volume podem ser usadas de várias formas e contextos. O conforto está ligado à liberdade”, diz a estilista carioca Erica Rosa.

Do público: estilo ganha as ruas da capital francesa em meio ao evento de haute couture (Crédito:Divulgação)

Ela confessa que sua paixão pelo volume está ligada ao amor por “um bom drama”. “Eu estudei muito a era renascentista e a vitoriana. Sou fascinada pelos looks, histórias, extravagâncias, rufos, tecidos, transparências e detalhes dessas épocas”, conta. Materiais flutuantes, bordados, aplicações, recortes diferenciados integram a identidade, dela e da marca própria de mesmo nome. “Gosto do efeito bailarina, que faz flutuar e transformar o momento em algo lúdico, único e divertido.”

ALTERAÇÃO DA SILHUETA
“A gente vê muito essa influência do street style, que traz a questão do oversized, que preza pelo conforto, e que também brinca com esses signos que são muito usados na rua”, fala Monayma Pinheiro, professora de planejamento e desenvolvimento de coleções na FAAP.

Bufante: desfile da Schiaparelli traz diversas referências ao estilo, mostrando que excesso também é chique (Crédito:Pascal Le Segretain)

Ela vê a tendência ainda tímida no Brasil, por conta de uma preocupação em manter o equilíbrio na silhueta. Na população em geral, acredita que a ousadia está mais presente no uso de combinações casuais, como jeans e moletons. “Quando a gente vai para o universo de alfaiataria, ainda é um pouco mais controlado, no sentido de ter um blazer oversized e uma calça um pouco mais justa.”

No caso dos mais dispostos a experimentar, o excesso de tecido de um lado pode ser compensado com a falta dele de outro. “Se vai ter de volume, pode ter um pouco de pele e ter esse equilíbrio”, sugere a especialista. É o encontro do conforto com a liberdade de explorar o corpo, que não precisa mais estar contido dentro de uma silhueta pré-estabelecida. “Eu entendo o corpo como base para a experimentação dessas imagens e formas que podem comunicar algo maior”, diz Marina Dalgalarrondo, diretora criativa da ÃO.

Street style: peças acolchoadas integram guarda-roupa do DJ Pedro Sampaio (Crédito:Divulgação)

É que a ideia de criar vestimentas que ocupem espaço ampliado vai além do aumento no manequim. “São peças que trabalham o volume de maneira variada, não só com o conceito de oversized, mas com um desejo de alterar a silhueta, de criar volumes extracorporais”, diz a idealizadora da marca que leva a expansão até no nome. Ex-figurinista de teatro, sempre mergulhou muito na estética ocidental dos séculos XVIII, XIX e XX em seus estudos de moda.

Hoje, os desenhos de algumas peças da ÃO são inspirados nos vestidos luxuosos da corte francesa, que chegavam a ter mais de três metros de amplitude lateral, como rememora. “Havia uma modificação extrema do corpo com intenção de formar uma tela plena na parte frontal para melhorar a apreciação dos enfeites, justamente para legitimar a nobreza das figuras”, explica. Inspirada nas artes e no cinema, ela vê o corpo como um veículo de experimentação. “O corpo pode ser usado como superfície e a gente pode trabalhar uma escultura sobre ele, que vai trazer outras informações sobre a personalidade.”