Índia é a bola da vez
O Ocidente aposta cada vez mais no país de Narendra Modi para frear a ascensão chinesa e a ameaça russa. Com a maior população, o gigante asiático pode se tornar a segunda potência econômica do planeta
Por Denise Mirás
De acordo com previsões da Goldman Sachs, um dos maiores bancos de investimento do mundo, a Índia será a segunda potência econômica do planeta em 2075, atrás apenas da China e à frente dos EUA. Atualmente na quinta posição, o avanço para o terceiro lugar se dará já em 2030, pelas avaliações da S&P Global, agência de classificação de risco, e do Morgan Stanley, outro banco de investimento.
Não por acaso, portanto, a Índia se torna uma parceira cada vez mais cobiçada por líderes globais como Joe Biden e Emmanuel Macron, o sheik Mohamed bin Zayed Al Nahyan (Emirados Árabes Unidos), o primeiro-ministro Fumio Kishida (Japão), e mesmo o presidente Lula.
Todos se encontraram com Narendra Modi entre maio e julho. O primeiro-ministro já havia conversado pessoalmente com o líder chinês Xi Jinping em Bali, no G20 de novembro passado, e todos devem se reencontrar na próxima reunião do grupo em setembro, dessa vez na “casa” do indiano, em Delhi.
Maiores economias em 2023 (PIB em trilhões de dólares)
25,4 EUA
18,1 China
4,2 Japão
4 Alemanha
3,4 Índia
Projeção para 2075*
57 China
52,5 Índia
51,5 EUA
30,3 Zona do Euro
7,5 Japão
*Fonte: Goldman Sachs
A Índia aumentou sua importância geopolítica após se tornar o país mais populoso do mundo, ampliar sua capacidade bélica (tem armas nucleares) e exibir uma economia em forte ascensão. Mas foi a guerra da Ucrânia que tornou o país uma peça fundamental na geopolítica mundial.
O Ocidente quer reforçar o papel do gigante asiático como contraponto à influência chinesa (as duas nações são rivais e já estiveram em guerra) e para isolar Vladimir Putin (Modi se afastou do russo após a tentativa de golpe do grupo Wagner). Em junho, Biden recebeu Modi em Washington para uma recepção histórica.
Os cuidados envolveram até a devolução de 105 itens de antiguidades dos séculos II e III, de imenso valor cultural e religioso para os indianos.
Em Paris, Modi foi o convidado de honra para as festividades do 14 de Julho ao lado de Macron, emendando passagem pelos Emirados Árabes, onde recebeu uma refeição vegetariana no palácio presidencial, como deferência do sheik Zayed al Nahyan — além da promessa de alcançarem US$ 100 bilhões em comércio bilateral antes do G20 de setembro, onde todas essas lideranças irão se reencontrar.
Modi esteve com Kishida (e Lula) em maio, na reunião do G7 em Hiroshima, um ano depois do anúncio de US$ 42 bilhões de investimentos japoneses em seu país.
Para o economista Roberto Uebel, professor de Relações Internacionais da ESPM, o salto que levará a Índia de quinta para segunda economia do planeta tem alicerce no 1,5 bilhão de habitantes, com a transição de classes econômicas.
Uma das propostas do primeiro-ministro é tirar a população em situação de miséria — a maior do mundo, proporcionalmente – e fazer dela uma grande classe média. “Para isso, o governo coloca grandes aportes financeiros em universidades, que estão se internacionalizando com professores estrangeiros e programas de intercâmbio. O desenvolvimento econômico se dá com o governo investindo muito em educação, ensino superior e pesquisa científica.”
Com a classe média crescendo, elevam-se os indicadores econômicos, como poder de compra, população economicamente ativa e inovação.
Hoje a Índia já é a terceira maior produtora de tecnologia do mundo, tanto em produtos para indústria como também para o comércio. E avança em outros setores, como o farmacêutico e de produtos para saúde no geral (caso das vacinas), além da engenharia e infraestrutura no geral.
Objeto de desejo
Uebel destaca que a Índia se tornou um país muito importante na geopolítica mundial, no patamar de Rússia, Irã, Turquia, Arábia Saudita e mesmo Brasil, e já se coloca ao lado de chineses, russos e mesmo americanos na exploração espacial, por exemplo.
“É uma gigante em vários setores, o que caracteriza uma potência regional que ambiciona ser global. E esse é o objetivo de Narendra Modi que, mesmo flertando com o autoritarismo, ainda mantém a maior democracia do mundo.”
Modi vem ampliando as relações comerciais da Índia porque é pragmático. “Mas o país também se tornou estratégico na zona hoje chamada de ÁsiaPacífico porque pode se tornar o maior mercado consumidor do mundo até 2075, com sua população ascendendo e ganhando poder de compra. Além disso, a Índia abre novas oportunidades de mercado e pode ser porta para investidores adentrarem em outros países”, diz Uebel.
Sobre o Brasil nesse jogo geopolítico, o analista lembra que os dois países são similares em alguns aspectos, ainda que em tecnologia a Índia esteja bem à frente. “Há mais de 70 anos são próximos, mesmo com relações comerciais tímidas. Mas estão no IBAS, fórum que também conta com a África do Sul. E os três também fazem parte do BRICS, com Rússia e China”, diz Uebel.
“A questão da distância geográfica ainda é um entrave, mas o potencial de comércio é muito grande, principalmente no setor farmacêutico e de infra-estrutura pelo lado da Índia e, do Brasil, no coureiro-calçadista, além das commodities de grãos e carne de aves.”
Neste terceiro governo de Lula, observa o professor, a intenção do brasileiro é pela reaproximação, transpondo barreiras como a geográfica, cultural e mesmo de idiomas.