Threads: como Zuckerberg quer combater o Twitter de Musk
Threads bate recordes de usuários e quer superar o rival como o maior aplicativo de conversa, mesmo desprezando conteúdo de política e notícias
Por Thales de Menezes
Lançado com alarme pela Meta para ser um rival do Twitter, Threads é a plataforma online a atingir mais rapidamente marcas estratosféricas. Chegou a 100 milhões de inscritos após cinco dias e pode dobrar esse número em ainda menos tempo. Para se ter uma ideia da façanha, o recorde anterior era do Chat GPT, ferramenta de Inteligência Artificial que abalou as estruturas do mundo digital no início deste ano, mas que levou dois meses para chegar a 100 milhões de usuários.
O tamanho do fenômeno é mais surpreendente quando se constata que o aplicativo ainda não disponibilizou ferramentas básicas que compõem o pacote de funcionalidades do Twitter. Desde a liberação ao público, no último dia 5, alterações puderam ser observadas a cada nova sessão no aplicativo. Trata-se de uma construção em progresso.
Definido pela Meta como “o aplicativo de conversa do Instagram”, o Threads só pode ser acessado por quem tem cadastro nessa que é outra rede social da empresa, algo que o mercado trata como uma incrível jogada comercial de Mark Zuckerberg.
O dono da Meta consegue lançar um produto de extremo sucesso ao mesmo tempo que potencializa uma de suas plataformas já consolidada no cenário digital e que no final do ano passado alcançou dois bilhões de usuários ativos.
A esperteza do empresário ainda está sendo destacada por promover o Threads em um momento de muita dificuldade para o Twitter.
Desde que foi comprado pelo bilionário Elon Musk, em outubro do ano passado, inúmeros erros administrativos fizeram o valor do aplicativo cair pela metade e provocaram uma debandada de pessoas e empresas muito populares entre seus usuários, de estrelas pop como a cantora Beyoncé a grandes montadoras de automóveis.
Carlos Henrique Bismarck, brasileiro que coordena pesquisas de impacto tecnológico para o MIT (Massachusetts Institute of Technology), diz que é cedo para confirmar a durabilidade do sucesso do Threads, mesmo diante de números superlativos. Basta ver o fracasso do Metaverso. Mas ele admira a visão de Zuckerberg.
“Ele lançou um produto de massa aproveitando um momento ruim do principal concorrente e fez isso alavancando outro de seus aplicativos, o Instagram”, afirma. “Mas é difícil apostar que o Threads vai matar o Twitter, porque existem diferenças significativas de conteúdo.”
Segundo Bismarck, é preciso ter em mente a avaliação que as pessoas têm dos aplicativos. O Twitter não é acessado pelos usuários jovens, que o classificam como “sisudo” e, “sem graça”. Já o público maduro rejeita o TikTok, para muitos um depósito de dancinhas e vídeos de humor infantilizado.
O Threads surge atraindo possíveis usuários de ambas as faixas etárias. “Os maduros estão ouvindo falar de um ‘novo’ Twitter, então vão conferir como é. E os jovens também estão entrando, claro, porque novidade é com eles mesmos. Enquanto o maduro pode ser seduzido por uma espécie de Twitter um pouco mais descontraído e até engraçado, o mais novo pode não achar o Threads tão sem graça”, diz o pesquisador.
Política x entretenimento
Em seu lançamento, em 2006, o Twitter foi saudado por um público que encontrou ali um espaço para discussões e reflexões, agregando usuários preocupados em discutir questões políticas, sociais e culturais.
Outras plataformas passaram a atrair quem procurava por entretenimento leve. O perfil do Facebook, para citar outro sucesso da Meta, passou a ser cada vez mais de diversão cotidiana, e esse nicho logo depois recebeu a companhia do TikTok, este o aplicativo que provocou uma febre mundial de vídeos supostamente engraçados, adorado por milhões, mas também muito criticado por apresentar um conteúdo infantilizado.
Enquanto isso, o Twitter foi praticamente confiscado pela direita mundial.
Mostrando-se muito mais apta a utilizar as ferramentas digitais do que seus antagonistas, as ações dessa corrente ideológica criaram uma vasta legião de esquerdistas decepcionados com o ambiente na plataforma.
Assim, o lançamento do tal “novo Twitter” está naturalmente atraindo esse público, mas a direita está se mostrando novamente mais organizada para ocupar o espaço.
Numa observação de uma amostra brasileira, os perfis ligados a Lula e a Bolsonaro crescem diariamente no Threads, numa proporção de cinco vezes mais seguidores do ex-presidente em relação ao atual.
Lula foi ágil para publicar rapidamente seu primeiro post em um perfil pessoal, um singelo “Cheguei”, enquanto Bolsonaro é carregado no novo aplicativo por seus filhos e apoiadores, que já criaram quase 200 perfis.
Mas quem se arriscar no Threads em busca de campo para discussão política pode ter uma decepção muito grande.
Adam Mosseri, ex-chefe do Instagram e agora CEO do Threads, declarou que o objetivo não é substituir o rival, mas sim “criar um espaço que receba comunidades do Instagram que nunca abraçaram o Twitter e também usuários de outras plataformas que estejam buscando um lugar menos agressivo.”
Para isso, ele foi enfático ao defender que conteúdos de política e notícias não serão incentivados dentro do Threads, embora não tenha feito menção à proibição de posts.
“Não vale a pena entrar nessa área para aumentar o engajamento das pessoas ou a nossa receita. Encorajar posts sobre política e notícias que possam ferir sensibilidades pode levar a julgamentos públicos, negatividade e riscos à integridade da plataforma. Há muitas comunidades incríveis, como esportes, música, moda, beleza e entretenimento, capazes de criar uma plataforma vibrante, sem precisar recorrer à política e às notícias”.
Em sua conta no Threads, Mosseri prometeu algumas mudanças. “O verdadeiro teste não é se podemos criar muita badalação em torno do aplicativo, mas fazer com que todos encontrem valor suficiente ali para continuar usando-o ao longo do tempo. E faltam muitos itens básicos: hashtags, pesquisa, um feed só de pessoas que o usuário segue, sincronização de gráficos, suporte, talvez mensagens”, admitiu ele. “Nós estamos trabalhando muito nisso e temos uma equipe incrível na tarefa. Mas levará tempo”, afirmou.
Dentro de sua forte semelhança com o Twitter, o Threads larga nessa disputa com recursos ampliados. O aplicativo permite postagens com até 500 caracteres e suporta links, fotos e vídeos de até 5 minutos, capacidades muito maiores do que as do concorrente.
Fica evidente a urgência da empresa em conceder aos usuários todas as características que consagraram o Twitter, principalmente organizar a linha do tempo para visualizar apenas o conteúdo de pessoas seguidas pelo usuário e a criação de hashtags.
NÚMEROS DO THREADS
30 milhões
é a média de novos usários da rede a cada dia
500
É o número de caracteres permitido nas mensagens
5 minutos
É o tempo máximo para cada vídeo postado
Embora não seja uma prioridade destacada, já que o foco do aplicativo está nos dispositivos móveis, a criação de uma versão para desktop está na pauta.
Mas a mudança mais revolucionária, que pode levar um pouco mais de tempo, é permitir que usuários do Threads tenham contato com os de outras plataformas de conversa, como a rede Mastodon ou o próprio Twitter. Aí a mudança será mesmo radical.
Enquanto isso, as estrelas emergentes do novo aplicativo são as mesmas que monopolizam as atenções em todas as redes, como a cantora Anitta, o jogador Cristiano Ronaldo, a atriz Sarah Jessica Parker e a família Kardashian, com conteúdo longe de qualquer profundidade ou reflexão. Na largada, a força do Threads ainda se sustenta em celebridades.