Comportamento

Surto incomum no Peru chama a atenção do mundo

País vizinho declara emergência nacional por alta da síndrome de Guillain-Barré, doença rara que ataca o sistema nervoso. No Brasil, ministério da Saúde monitora postos de atendimento da fronteira

Crédito: Martin Mejia

Peru: distúrbio em que o sistema imunológico afeta os nervos vira emergência sanitária no país (Crédito: Martin Mejia)

Por Elba Kriss

A declaração do ministro da Saúde do Peru foi direta. “Tivemos um aumento nas últimas semanas, o que nos obriga a tomar ações para proteger a saúde e vida da população.” César Vásquez decretou estado de emergência no país diante de um surto da Síndrome de Guillain-Barré (SGB). Foram registrados 182 casos desde o começo do ano. Atualmente, há 31 pacientes internados, 147 tiveram alta e quatro morreram.

A tensão tomou conta da população e da comunidade médica local — e por consequência no mundo. A questão agora é entender o motivo das ocorrências recentes no território vizinho, e, principalmente, conscientizar a respeito da enfermidade.

“Quando se fala de surto, remete a algo contagioso. A SGB é um quadro inflamatório e não passa de uma pessoa para outra. É desencadeado pela exposição a uma infecção bacteriana ou viral”, reforça a neurologista Natália de Castro Fim, da Faculdade de Medicina de Botucatu.

SINTOMAS

Em qualquer um desses casos, procure um médico com urgência para avaliação

• Sensação de dormência ou queimação nas extremidades: membros inferiores e, em seguida, superiores

• Dor neuropática lombar ou nas pernas pode ser vista em pelo menos 50% das situações

• Fraqueza progressiva é o sinal mais perceptível, nessa ordem: membros inferiores, braços, tronco, cabeça e pescoço

COMO TRATAR

Não há necessidade de tratamento de manutenção fora da fase aguda

• Medicamento: imunoglobulina

• Plasmaférese: técnica de transfusão que permite retirar plasma sanguíneo de um doador ou de um doente

• 50% dos pacientes se recuperam totalmente em até seis meses

A doença que mobiliza o Peru é um distúrbio autoimune, ou seja, o sistema imunológico do próprio corpo ataca parte do sistema nervoso. “Não se sabe bem porque alguns apresentam essa propensão e outros não”, observa Natália.

Diversos fatores podem desencadear a síndrome. Cerca de 75% dos casos ocorrem devido a um processo infeccioso, causado por bactérias e outros agentes, como os vírus da dengue, Zika, chikungunya, citomegalovírus, Epstein-Barr, sarampo, influenza A, enterovírus D68, hepatite A, B e C, e HIV, entre outros.

“A síndrome é uma inflamação depois da evolução de uma infecção bacteriana ou viral. Não é contagioso.”
Natália de Castro Fim, neurologista da Faculdade de Medicina da Unesp

Por isso, o desespero no Peru. Se a pessoa teve alguma dessas infecções no passado, não significa que desenvolverá a Guillain-Barré agora. “O típico é: o indivíduo sara da infecção original e duas a três semanas depois inicia o quadro neurológico”, esclarece Marcondes Cavalcante França Junior, professor de Neurologia da Faculdade de Ciências Médicas, da Unicamp.

“Não afeta o cérebro e, sim, os nervos periféricos. É uma inflamação que acomete esses nervos, que possuem capa de proteção chamada de mielina — ela é como o isolante dos fios elétricos. A síndrome faz com que os nervos fiquem ‘desencapados’ e eles passam a não funcionar bem”, explica França Junior.

Brasil: Ministério da Saúde informa que a vacinação da Covid-19 não afeta o número de ocorrências da doença; não é transmissível (Crédito:Istockphoto)

Por isso, os sintomas iniciais são fraqueza e formigamento nos pés e nas pernas que se espalham para a parte superior do corpo. “Nos casos mais graves, pode haver paralisia dos nervos que comandam a fala e respiração”, acrescenta o professor.

A Guillain-Barré é considerada rara, a incidência anual é de uma a quatro ocorrências por 100 mil habitantes. O tratamento se dá por meio da plasmaférese — técnica que permite filtrar o plasma do sangue do paciente — e imunoglobulina.

Este último é um medicamento de valor elevado. No Brasil, um frasco do remédio custa em média R$ 3.500.

“É caro porque o processo de obtenção é trabalhoso, obtido a partir da filtragem de imunoglobulina humana. A obtenção é difícil, pois deve ter padrão de qualidade”, comenta Henrique Freitas, coordenador de neurologia do hospital Mater Dei Santo Agostinho.

Agora, peruanos precisam identificar quais infecções recentes acometeram a população e que podem ser o gatilho para a Guillain-Barré. Em 2019, o país sofreu do mesmo mal. Na época, a bactéria Campylobacter jejuni foi identificada como agente causador.

O Brasil já teve episódios da doença, justamente nos períodos de alta da Zika e chikungunya.

O alerta atual do Peru repercutiu no nosso Ministério da Saúde, que tem “monitorado o cenário por se tratar de um país de fronteira”.

“A pasta está enviando às secretarias estaduais de Saúde nota técnica reforçando que a situação até o momento é de baixo risco para o país. A avaliação aponta que não há necessidade de restrição de turismo, comércio ou circulação de pessoas”, informou o órgão à ISTOÉ, em nota.

A comunidade médica aprova a ação efetiva. “A vigilância é importante sem alarmismo. Monitorar nos faz ficar dentro de diagnósticos diferenciais e precoces”, prossegue o neurologista do Mater Dei. Também ajuda na conscientização o combate às fake news que tentam associar a vacinação da Covid-19 ao surto de SGB.