A Semana

Sexta-feira, 14 de julho. Dez anos de um grito de socorro parado no ar

Crédito: Hermes de Paula

Anderson, na comunidade da Rocinha, e Amarildo (detalhe): “Não pude enterrar meu pai” (Crédito: Hermes de Paula)

Por Antonio Carlos Prado

Nessa sexta-feira, dia 14 de julho, faz dez anos que quatro crimes foram cometidos por policiais militares do Rio de Janeiro envolvendo uma vítima — sequestro, tortura, morte e ocultação do corpo do pedreiro Amarildo Dias de Souza. Franzino fisicamente aos 43 anos, ele era órfão de defesa social, feito todo pingente de andaime.

Há datas que precisam ser lembradas porque alimentam a lembrança e fortalecem a esperança de que não mais se repitam situações similares em nenhum pedaço do País onde faltem pão e trabalho e sobrem preconceito e brutalidade de agentes da lei. O que um grupo de PMs da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) fez na comunidade da Rocinha, a maior favela da América Latina com cerca de 80 mil moradores, envilece a corporação. Viu-se em pleno Brasil politicamente democrático a ausência da democracia social.

E assistiu-se ao mesmo modus operandi da ditadura militar: o operário foi jogado em uma viatura e transportado até a sede da UPP. Aí foi aprisionado em um container da própria polícia no qual foi torturado — há quem diga ter ouvido seus últimos gritos de socorro (“assim não, pelo amor de Deus, isso não!”). Grito parado no ar, tal qual o nome da peça de Gianfrancesco Guarnieri, ainda nos anos de chumbo.

O corpo não foi localizado até hoje, e tanto no Brasil quanto em diversos países nos quais a barbaridade repercutiu ainda se faz a mesma pergunta: “onde está Amarildo?”. Todos os envolvidos, após seis anos de cadeia, estão em liberdade — dentre eles, dois oficiais que continuam na PM. “Não tive chance de enterrar meu pai”, declarou ao O Globo Anderson Gomes Dias de Souza, filho de Amarildo.

É a mesma fala de familiares, já de gerações distantes, das vítimas do regime ditatorial que sangrou o Brasil entre 1964 e 1985. De Amarildo suspeitou-se, sem o menor indício, ser ele guardador de armas e drogas de traficantes da Rocinha. É mentira mas, ainda que fosse verdade, em nada atenuaria a selvageria do crime cometido.

E a indenização?

A família de Amarildo não recebeu um centavo de indenização. Os dois oficiais, ainda quando trancafiados, seguiram a ganhar salários que somados resultam em R$ 2,5 milhões. Dinheiro público. Dinheiro nosso.

Mar, morros e corpos não localizados

 

A geografia do Rio de Janeiro (mar e morros) facilita o sumiço de corpos. Assim ocorreu em 1961 com a milionária Dana
de Teffé (foto), assassinada; assim ocorreu com o pedreiro Amarildo, assassinado em 2013; assim ocorreu com a vereadora Marielle Franco (foto), assassinada em 2018.

Morre o escritor da “Primavera de Praga”

Kundera: perseguição por ser contra o comunismo (Crédito:Divulgação)

Autor de um dos romances mais lidos do século XX, intitulado A Insustentável Leveza do Ser, o escritor theco Milan Kundera morreu em Paris, onde vivia desde 1975, quando se exilou na França devido à perseguição que lhe era feita, na então Tchecoslováquia, pelo regime comunista da ex-URSS.

Kundera estava com 94 anos e a notícia de seu falecimento foi dada na quarta-feira 12 pela Editora Gallimar. Ele foi um dos principais articuladores do que ficou conhecido, em 1968, como “Primavera de Praga”: a Tchecoslováquia, tendo Alexander Dubcek à frente do Partido Comunista, tentou abrandar a dominação da URSS, mas o movimento viu-se esmagado pelos tanques do Pacto de Varsóvia.

Em 1983 Kundera lançou A Insustentável Leveza do Ser, obra em que defende o “socialismo humano” com reflexões filosóficas a partir de pré-socráticos, Friedrich Nietzsche e Jean-Paul Sartre. Em abril passado ele publicou Kidnapped West: The Tragedy of Central Europe (sem tradução em português).

O mundo morre de fome

Um brasileiro, entre 21 milhões, em insegurança alimentar (Crédito:Itawi Albuquerque)

Novo relatório da ONU sobre a fome em todo o mundo, abrangendo os anos de 2020 a 2022, dimensiona a tragédia em que se encontra a espécie humana: 29% da população global, equivalente a 2,4 bilhões de pessoas, não têm acesso garantido à alimentação – desse total, a insegurança alimentar grave atinge 900 milhões de seres humanos.
Agora, detalhadamente, o Brasil: na situação de insegurança alimentar severa sobrevivem 21 milhões de pessoas.
Sabemos que muito dessa situação deve-se à pandemia. Mas, ainda atendo-se ao Brasil, é sabido que Jair Bolsonaro, ao contrário das gestões de Lula, não privilegiava o fato de que brasileiro pobre tem direito de comer.