Que papel restou a Bolsonaro?
Inelegível, o ex-presidente tenta se firmar como líder da oposição, mas, em meio ao cerco judicial para que responda pelos crimes cometidos em seu governo, fracassa em sua tentativa de comandar a extrema direita contra as reformas econômicas
Por Gabriela Rölke
Condenado por abuso de poder político a oito anos de inelegibilidade, Jair Bolsonaro não terá o nome na urna eletrônica na eleição presidencial em 2026. Esperava-se, então, que o dono de um capital político que resultou em 51 milhões de votos nas últimas eleições, pudesse se firmar como a principal liderança da oposição ao governo Lula e, como a maior estrela da direita brasileira, tivesse papel relevante nas discussões sobre os rumos do País.
Mas seu poder de fogo no cenário político parece esvair-se em meio ao cerco judicial para que seja responsabilizado pelos crimes cometidos durante o período em que ocupou o Palácio do Planalto.
“O grupo do ex-presidente é muito personalista, mas na família Bolsonaro não há hoje ninguém que possa fazer sombra ao governador Tarcísio de Freitas em termos de projeção.”
André Borges, cientista político da UnB
E, a despeito do sucesso que ainda mantém em sua bolha, o tamanho político de Bolsonaro diminui a cada dia. No início do mês, ele amargou o que avaliou como “traição” de parcela do PL na votação da reforma tributária.
Não conseguiu, portanto, unificar nem mesmo a posição do próprio partido. Ainda se desentendeu com o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) seu apadrinhado político, que hoje é o principal nome da direita para a próxima eleição presidencial.
Para tentar desqualificá-lo por defender a reforma, chamou-o de “inexperiente”. Recuou logo em seguida, diante da crescente estatura política do seu ex-ministro, que dá sinais de que a criatura engoliu o criador.
Sem sombra
“Bolsonaro tenta demonstrar força, mas há um certo jogo de ‘morde e assopra’, porque o governador Tarcísio hoje tem mais força política por ser detentor da caneta de nomeações e dsitribuição de verbas no estado mais importante do País”, diz André Borges, cientista político da UnB.
“O grupo do ex-presidente é muito personalista, mas na família Bolsonaro não há hoje ninguém que possa fazer sombra ao governador de São Paulo em termos de projeção”, avalia o pesquisador. “Michelle não ocupa cargo público, enquanto os filhos Flávio, Carlos e Eduardo estão no Legislativo, com menos visibilidade”.
Por outro lado, entre 20% e 25% dos eleitores brasileiros se identificam como bolsonaristas, o que é um percentual considerável, a ponto de fazer do ex-presidente um cabo eleitoral relevante para as eleições municipais de 2024.
Mas o fato de ele estar inelegível para a próxima eleição presidencial, em 2026, resulta desde já em uma disputa pelo seu espólio, o que provoca rachaduras em seu dividido grupo político.
“Vai ser uma guerra de foice a disputa pelo espólio de Bolsonaro. Pode ser que ninguém saia dessa batalha com força para enfrentar um governo com um candidato forte à reeleição”
Emerson Cervi, cientista político da UFPR
Há hoje três governadores bolsonaristas na bolsa de apostas:
* Tarcísio de Freitas (São Paulo),
* Romeu Zema (Minas Gerais),
* Ratinho Junior (Paraná).
Os dois últimos já se colocam como pré-candidatos para a sucessão de Lula.
“Mas esses são só os nomes mais visíveis”, explica Cervi. “Tem muito bolsonarista no Congresso que pode, ao final desta legislatura, se apresentar como candidato à presidência – em especial os que se elegeram em 2022 para o Senado e que vão estar em meio do mandato de oito anos, e que, portanto, não teriam muito a perder”.
O fato é que o grande desafio para 2026 será unir a direita, que ficou dividida após a derrocada de Bolsonaro. “O projeto político que elegeu Bolsonaro em 2018 se apoiou um uma aliança muito heterogênea: o Centrão, formado por partidos de uma direita mais pragmática, e a ala bolsonarista, mais radical, ideológica”, explica André Borges, que está escrevendo um livro sobre a nova direita brasileira, com lançamento previsto para outubro.
“A grande questão é se será possível unir essas diferentes forças de direita em torno de uma única candidatura. Acho que vai ser difícil”, diz.
A existência das duas vertentes explica inclusive o recente imbróglio dentro do PL, quando parlamentares trocaram ofensas em um grupo de WhatsApp por causa de divergências em relação à votação da Reforma Tributária.
O conflito dentro do PL não se deve exclusivamente à presença de Bolsonaro.
“(Bolsonaro) não é uma liderança capaz de agregar, de construir consensos.”
Emerson Cervi, cientista político da UFPR
À ISTOÉ, um deputado do PL que esteve no centro da confusão com os colegas se disse “decepcionado” com a forma como o ex-presidente tentou encaminhar a posição do partido em relação à votação da reforma. “Bolsonaro se apequenou”, define.
“Entendo que, até para garantir sua sobrevivência política, ele precisava se posicionar. A estratégia dele está errada. Optou por ir para a guerra a qualquer custo, quando deveria tentar sobreviver sendo construtivo. Está se afogando”.
Ainda no calor da derrota diante da aprovação da Reforma Tributária, Bolsonaro resolveu apelar para a estratégia que foi utilizada ao longo dos seus quatro anos de mandato.
Em busca de apoio, lembrou o episódio da facada, que por pouco não lhe ceifou a vida durante a campanha presidencial de 2018. Surgiu sem camisa, cicatriz à mostra, em fotografia publicada nas redes sociais por Fabio Wajngarten, advogado e assessor do ex-presidente.
A iniciativa enfureceu a cúpula do PL, já que o efeito foi o oposto ao pretendido ao mostrar o ex-presidente fragilizado.
Acostumado a espalhar a cizânia por onde passa, aparentemente Bolsonaro primeiro vai ter que mostrar capacidade de arrumar a própria casa se quiser se manter relevante no cenário político.