OTAN diz ‘não’ à Ucrânia e deixa Zelensky indignado
Com os países-membros divididos, a entrada do país deve ser avaliada somente após o fim da guerra, para irritação do presidente ucraniano
Por Denise Mirás
Um encontro como a cúpula da OTAN, realizado na terça e quarta-feira, 11 e 12, em Vilna, na Lituânia, vai muito além da agenda oficial. Volodymyr Zelensky, por exemplo, se mostrou enfurecido porque a inclusão da Ucrânia na OTAN ficou para “o futuro”, por razões estritamente apontadas pelo presidente Joe Biden, apoiado em regras estabelecidas pelo Tratado de Washington de 1949: o país não pode estar em guerra, precisa atestar democracia e combate à corrupção e, principalmente, ter dinheiro suficiente para arcar com a “cota” do financiamento que garante a defesa do bloco.
O ucraniano provocou antipatias por sua insistência ao rebater que “é sem precedentes e absurdo não se ter um prazo definido, nem para o convite nem para a adesão, e ainda adicionarem palavras vagas sobre ‘condições’ até para o convite”.
Mas teve de engolir que seu país “não está pronto”, segundo os EUA, e ainda a reafirmação da Alemanha de que a Ucrânia não será membro da OTAN — “por enquanto”.
Para Moises de Souza, coordenador do bacharelado de Relações Internacionais da Universidade Central de Lancashire, no Reino Unido, apesar da guerra na Ucrânia reforçar o senso de coesão europeu também revela visões distintas dos países-membros, de acordo com suas necessidades. O professor explica que, na questão sobre a inclusão da Ucrânia, formaram-se quatro grupos.
O primeiro tem Estados Unidos e Alemanha, que votam contra porque, nesse caso, a OTAN estaria diretamente envolvida no conflito contra a Rússia, aumentando o risco de uso de armas nucleares. “Eles preferem manter a ambiguidade e a distância estratégica, deixando o apoio como está, a partir de dois centros independentes: a Coordenação Internacional de Doadores e o Contato de Defesa da Ucrânia, responsável pela articulação de equipes e treinamentos.”
Um segundo grupo, dos nórdicos, como Suécia e Finlândia, mais alguns países do Leste Europeu, considera que o conflito já está caracterizado como OTAN versus Rússia na prática e defende a inclusão imediata da Ucrânia.
NÚMEROS DA GUERRA
€ 128 bilhões aportados por EUA e Europa na Ucrânia
€ 1 trilhão estimado para reconstrução do país
Um terceiro grupo, que prefere não tomar partido (mas também não bloquearia a entrada dos ucranianos), é formado pelos bálticos Estônia, Letônia e Lituânia, e outros países do Leste Europeu, mais próximos geograficamente da Rússia.
Por último, Turquia e Hungria são o bloco dos “imprevisíveis”, como observa Moises, “jogando de maneira meio descontrolada” porque dependentes da Rússia em algumas questões e porque procuram se aproveitar de outras para barganhar em negociações paralelas” (a aprovação da Suécia pelo presidente turco Recep Erdogan, por exemplo, valeu ao país a reabertura para compra de armas dos suecos).
“Aliás, a entrada da Suécia como 42º membro adiciona capacidade de dissuasão à OTAN. Militarmente e também porque o país dá profundidade logística de território, com espaço mais próximo [da Rússia] para abastecimento de reforços e suprimentos e mais facilidade para melhorar a defesa dos bálticos, se houvesse invasão. Além disso, os suecos têm experiência em lidar com os russos e compreendem mais rapidamente alguns movimentos estratégicos deles na região.”
Como parte do morde-e-assopra com a Ucrânia, França e Alemanha adiantaram promessas de mais armamentos, como:
* mísseis de longo alcance (franceses),
* blindados e defesa aérea (alemães).
E Biden anunciou outros US$ 800 milhões a Zelensky, que empacotam bombas de fragmentação proibidas em mais de 100 países.
Segundo o Kiel Institute, que atualiza a ajuda à Ucrânia, a Europa já somou cerca de € 55 bilhões e os EUA, € 73 bilhões. A União Europeia ainda se comprometeu a enviar € 1,5 bilhão/mês, durante um ano.
“A Rússia unificou a Europa, o que seus países não conseguiam
por si mesmos.”
Moises de Souza, da Universidade de Lancashire
Por isso, participantes do encontro em Vilna reagiram à impertinência de Zelensky que, pelo Twitter, declarou: “Valorizamos nossos aliados, mas a Ucrânia merece respeito”.
Moises de Souza observa que o presidente ucraniano “enlouqueceu todo mundo com o tuíte dele” reclamando da falta de prazos para inclusão de seu país na OTAN, porque o encontro deveria passar coesão, o que não aconteceu.
“O Zelensky leva em conta que militarmente a Rússia só entende manifestações de força. E a OTAN não aceitar a Ucrânia neste momento seria visto como hesitação, sinal de fraqueza. Existe uma certa lógica na irritação dele.”
Fora de hora
Outra divergência exposta em Vilna: a proposta dos EUA de abrir “filial” da OTAN (que é uma aliança “do Atlântico Norte”, como seu próprio nome diz) em Tóquio, no Japão.
Emmanuel Macron se mostrou firme na oposição, dizendo que o foco do grupo ficaria muito longe do original.
Segundo o professor Moises, o presidente francês demonstra bom senso, porque no momento a realidade é a invasão da Rússia e não faria sentido abrir duas frentes de batalha, ainda mais provocando hostilidade aberta contra a China.
Para ele, “já existe uma mini-OTAN na área do Pacífico”, com o programa de desenvolvimento de submarinos nucleares dos EUA, Reino Unido, Austrália e Nova Zelândia, mais a possível inclusão do Japão.
“A França sempre faz o contraponto dos EUA, tentando desvincular a Europa de questões extrabloco que os americanos querem inserir no contexto de OTAN, como seria o caso desse envolvimento automático no triângulo EUA-China-Taiwan.”