Editorial

O vento a favor de Lula

Crédito: Gabriela Biló

Carlos José Marques: "Dando sinais claros de um pragmatismo que faltou na administração passada, Lula pode ter-se cacifado inclusive para a tentativa de uma eventual reeleição em 2026" (Crédito: Gabriela Biló)

Por Carlos José Marques

Salvo alguns pequenos incidentes de caminho, vem tudo dando certo nesse início de governo. Melhor que o esperado, avaliam os convivas da coxia palaciana. A aprovação da reforma tributária consagrou a fase de conquistas estratégicas para Lula e lhe forneceu quase um laissez-passer para outras ousadias econômicas.

O demiurgo de Garanhuns, na prática, estabeleceu bases sólidas no relacionamento com o Congresso, por meio das quais a aprovação de demandas e projetos de Estado poderá fluir de maneira ágil e positiva. Até os opositores de plantão estão, em parte, se bandeando para as hostes do Planalto e prometendo votar a favor de futuras ideias. É um passo e tanto para o presidente submeter antigos fiéis de Bolsonaro ao seu plano de gestão.

Com o suporte de Arthur Lira e, numa dimensão equivalente na área técnica, do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, Lula colhe vitórias que se somam a outros nada desprezíveis resultados no plano monetário. O câmbio na cotação cada dia mais favorável ao real, a inflação controlada e em baixa – podendo ser negativa nesse mês – e a perspectiva de queda dos juros compõem a tríplice coroa dos indicadores que estimulam a praça a voos maiores e a novos investimentos. Palmas para Lula, outra vez. Não há de que reclamar nem mesmo no mercado de trabalho que acaba de cravar o menor índice de desemprego dos últimos seis anos. Sendo realista: nem nos mais alvissareiros sonhos da turma que tomou posse em 1º de janeiro seria possível prever um contexto de tamanha estabilidade em um intervalo de apenas seis meses. O êxito e celeridade da PEC tributária representou um marco histórico por si só.

Foram quase três décadas de espera até acontecer uma virada nesse campo e coube a Lula – ele, novamente – estar à frente da reviravolta. Com todos os louros. O mundo reconhece e o saúda pelo desempenho. Dando sinais claros de um pragmatismo que faltou na administração passada, Lula pode ter-se cacifado inclusive para a tentativa de uma eventual reeleição em 2026. É assunto, por enquanto, ainda tabu entre os frequentadores do poder, proibido de tratar, mas poucos agora duvidam dessa possibilidade. Até mesmo a improvável adesão de um dos mais fervorosos representantes do bolsonarismo, o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, entrou na coluna de feitos do petista — o que irritou profundamente o capitão “mito” Messias, a ponto de ele quase romper com o pupilo. Os ventos sopram a favor de Lula, alguns dizem, por pura sorte, independentemente de suas ações.

Para quem conhece seu modo de agir sabe que não é bem assim. Nos bastidores o mandatário está articulando ativamente, recebendo parlamentares e concedendo, é claro, emendas e postos para atrair os interessados, na velha e surrada política do compadrio. Não há dúvida de que o diálogo institucional foi restabelecido, e eis aí o maior dos trunfos. O ministro Fernando Haddad também credenciou-se como um elo importante da corrente e diz que o cenário mais otimista de suas perspectivas acabou por se concretizar. Não é para menos que ele caiu nas graças da banca e do próprio Lula, transformado em interlocutor privilegiado da corte palaciana. No cômputo geral da verdadeira odisseia dos últimos tempos, as reformas econômicas seguem em andamento e devem avançar com o patrocínio de Lula e a execução efetiva de Haddad, que busca colher outros dividendos com as mudanças no CARF e no Marco de Garantias.

O presidente Lula, por sua vez, para não perder tração nas transformações que almeja e protagonismo no plano pessoal, trata com carinho o Centrão, esteio maior dessa temporada de sucessos. O valor do tíquete para a parceria com o “baixo clero” do Congresso encarece a cada dia, o que, no entender dos aliados, não é algo relevante, digno sequer de nota ante o retorno alcançado para o Brasil. Ficaria, por assim dizer, na categoria do “preço a pagar” pelas conquistas imensuráveis. Ministérios, nomeações e cargos entram na conta. O que se mira no momento é a vigência de um período de racionalidade tributária e modernização econômica.

A conferir a sobrevida que terá. Decerto, não existirá nunca uma reforma tributária perfeita. O simples fato do alcance de consenso em torno de um esboço de proposta (qualquer que fosse) já catapultou Lula ao patamar mais elevado, pelo mérito de ter feito algo que muitos antes tentaram e nunca conseguiram. O processo final dessa virada de chave ainda não aconteceu. Porém Lula, “negociando com todo mundo”, como diz, arrebatou quase unanimidade de reconhecimento. E melhor: escancarou o esvaziamento do principal opositor, Jair Bolsonaro.

Com a inevitável melhora da imagem junto aos eleitores, devido a tantos triunfos, busca agora atrair ainda sua atenção, dividindo com eles os méritos. “O Congresso precisa saber que tem o dedo do povo em tudo do orçamento”, bradou aos quatro cantos e ainda dividiu responsabilidades com os congressistas por eventuais erros, sugerindo que eles tragam as próprias sugestões às rodas de debates. “Amanhã vocês vão me criticar, mas, não, companheiro, não me critique, você teve a chance de participar e não participou”. Habilidoso, o presidente demonstra saber navegar como ninguém com a maré e os ventos a favor.