Mercado imobiliário nas regiões centrais das metrópoles desaba
Os centros históricos de São Paulo e do Rio de Janeiro são verdadeiros tesouros culturais e arquitetônicos, repletos de prédios tombados, mas ao redor desses imóveis centenários, o cenário de abandono e descaso do poder público é visível e assustador
Por Mirela Luiz
Acrise habitacional nas grandes metrópoles brasileiras tem se agravado nos últimos anos, especialmente no Rio de Janeiro e em São Paulo. De acordo com dados do IBGE, o número de residências vazias duplicou nas capitais dos dois mais importantes estados brasileiros, sendo que no Rio esse estado de abandono ocorreu nos últimos 12 anos. A alta da violência, a multiplicação dos moradores sem teto e o espalhamento da cracolândia, no caso da capital paulista, têm contribuído para a expansão no volume de moradias vazias, ampliando o clima de decadência na região.
A crise nas grandes cidades é um problema complexo que envolve diversos fatores. O aumento no número de moradias vazias reflete a falta de políticas públicas efetivas para o setor, a especulação imobiliária e a crise econômica.
A pandemia também contribuiu para agravar esse quadro, com o crescimento nas taxas de desemprego, a queda na renda familiar e o êxodo das famílias mais estruturadas para cidades do interior.
“Durante a pandemia de Covid-19, houve um êxodo enorme de pessoas que moravam na capital paulista e optaram por viver nas cidades do interior, mais próximas da capital”, avalia Jonas Moital, engenheiro e empresário do setor de construção civil e mercado imobiliário.
Em São Paulo, a situação é semelhante à da capital fluminense, mas com particularidades. Há quinze anos, houve uma iniciativa do governo de São Paulo oferecendo incentivos a empresários para levarem seus escritórios para o centro velho da cidade, com a promessa de revitalização e retirada da cracolândia, o que não aconteceu.
“Não foi feito absolutamente nada do que foi prometido”, diz o empresário e dono de restaurantes Olivier Anquier.
Hoje, movimentos como o Basílio 177 tentam reativar os prédios “retrofits”, numa das regiões mais violentas desse centro histórico: a Praça da República. O empreendimento pretende revitalizar o prédio da antiga Telesp, mantendo o valor arquitetônico de um edifício histórico, transformando-o em um condomínio residencial.
“Não é fácil vender um imóvel nessa região. Quem compra, faz a aquisição pelo valor histórico e não leva em consideração o definhamento do entorno. Alias, muitas vezes não vendo o apartamento porque analiso o perfil da pessoa e sei que ela não suportará morar na região”, explica Marcos Sena, corretor de imóveis.
Há mais de 20 anos, Sena tem seu escritório no histórico edifício Glória, construído pelo famoso arquiteto Ramos de Azevedo, em 1928, com estilo Luís XVI. O prédio fica defronte o Theatro Municipal, onde se constata um clima desolador, com centenas de usuários de drogas. “Aqui estava um breu só. Falta investimentos em iluminação pública”, reclama o empresário.
Insegurança
Marcos Sena conta que durante a pandemia chegou a vender um bom volume de apartamentos no centro, pelo fato da região central possuir valores mais baixos do metro quadrado da cidade e porque seus cômodos são mais amplos em razão desse ser o padrão imobiliário da época em que foram construídos.
Mas, isso, segundo ele, durou pouco. “Muitos desses compradores acabaram desistindo de viver no centro, em função da insegurança. De cada 18 imóveis que vendi durante a pandemia, três estão à venda novamente”, explica Sena.
Apesar do abandono que caracteriza o centro e seus prédios históricos de São Paulo e Rio de Janeiro, ainda há um bom número de pessoas que optam por morar nessas áreas atraídas:
* pelo charme,
* pela história desses locais
* e pela oportunidade de contribuírem para a revitalização desses locais.
Por essas razões, esses moradores enfrentam até mesmo os desafios de conviver com a violência e descaso das autoridades.
“Ao final da pandemia, optei por sair do interior e vir para o centro. Estava me sentido preso lá. Gosto do centro da capital e queria que meu filho conhecesse a região, mas não se pode negar que o centro violento é um grande obstáculo a quem quer morar aqui”, conta o cineasta Drico Mello, que mora na Avenida São Luís, no edifício Louvre, projetado na década de 1950.
Drico explica que, mesmo dominando todo o ‘manual’ de segurança para se transitar pelo entorno de seu apartamento, foi assaltado duas vezes e seu filho de quinze anos também sofreu com a ação dos bandidos, um dos motivos que o fez colocar o seu charmoso apartamento à venda.
“Não dá só para não falar que o centro está abandonado pelo poder público e que falta segurança. Quero me mudar daqui. Vamos mudar de país. Tenho a cidadania portuguesa e quero que meu filho tenha a vivência de morar fora. Nosso objetivo é ter tranquilidade para educá-lo melhor no exterior”, diz o cineasta.
Apesar dessas adversidades, a resistência dos amantes dos centros velhos de São Paulo e do Rio de Janeiro é fundamental para garantir a preservação desses locais e valorização da história e da cultura das cidades.
Olivier Anquier se considera resiliente e diz que gosta da região central de São Paulo, mesmo diante do abandono do poder público, e avalia que o problema do fechamento de imóveis comerciais é uma questão das grandes metrópoles.
“Acabei de voltar de Paris e lá também está como aqui, com muitos imóveis fechados”, argumenta.
É preciso que o poder público reconheça a importância dessas áreas e invista em sua revitalização, para que elas possam voltar a encantar moradores e turistas como acontecia no passado.