Ciro e Cid Gomes: uma guerra fratricida
Seguem brigados os dois principais expoentes dos Ferreira Gomes, tradicional família de políticos do Ceará. A desavença, que começou no ano passado, tem a ver com os rumos que cada um defende para o PDT
Por Gabriela Rölke
Não é de hoje que os dois mais ilustres integrantes da família Ferreira Gomes, do Ceará, andam se estranhando. Também não há perspectiva no horizonte para uma reconciliação entre o ex- governador e ex-presidenciável Ciro Gomes e o irmão, o senador Cid Gomes. O pano de fundo tem sido sempre o mesmo: eles não se entendem sobre o caminho a ser seguido pelo PDT.
Cid acha que o partido, que emplacou o presidente licenciado, Carlos Lupi, no Ministério da Previdência Social, deve se reaproximar localmente do PT do governador cearense Elmano de Freitas com vistas às eleições municipais do ano que vem. Ressentido com o partido do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Ciro é contra e defende que a legenda vá para a oposição.
A crise da vez entre os dois irmãos, que passava pelo comando local do PDT, foi momentaneamente resolvida. Cid vai presidir a executiva estadual até dezembro, em substituição ao deputado federal André Figueiredo, aliado de Ciro, que segue interinamente na chefia nacional do partido no lugar de Lupi.
“A facada ainda está doendo muito. A ferida está aberta, está sangrando nesse momento, dói para valer.”
Ciro Gomes, ex-presidenciável
Na contramão de Ciro, que defende a independência do PDT e candidatura própria à Prefeitura de Fortaleza em 2024, Cid promete aproximar o partido de um arco de alianças do qual fazem parte PSB, PSD e PP, além do PT.
O pote de mágoas dos irmãos Gomes foi destampado ainda antes do primeiro turno da eleição presidencial de 2026, quando Ciro, aborrecido com a ausência de Cid em seu palanque, se disse vítima de “facada nas costas”.
O então candidato do PDT à Presidência chegou a dizer que, em razão do que classificou como “traição” de “aliados locais”, não faria campanha em seu berço político. A referência seria não apenas a Cid, mas também a outro irmão, Ivo Gomes, prefeito do município de Sobral.
Ciro Gomes disputou sem sucesso quatro eleições presidenciais. Nos pleitos de 1998, 2002 e 2018, foi o mais votado no Ceará. Em 2022, amargou a terceira posição, atrás de Lula e de Jair Bolsonaro (PL). Obteve 369.222 votos no estado, o que representa apenas 6,8% do eleitorado.
“Traição é algo que você faz e não avisa. Eu avisei que não me manifestaria sobre a eleição estadual.”
Cid Gomes, senador
A tensão entre os irmãos começou no ano passado, quando, a contragosto de Cid, o PDT cearense rompeu a aliança local que tinha com o PT havia mais de vinte anos — Ciro insistiu para que os trabalhistas lançassem candidato próprio ao governo estadual. Deu errado: o pedetista Roberto Cláudio ficou em terceiro lugar na disputa, da qual o petista Elmano de Freitas saiu vitorioso, com 53% dos votos.
Em entrevista à Folha de S. Paulo, Cid negou que tenha traído o irmão. “Traição é algo que você faz e não avisa. Eu avisei que não me manifestaria sobre a eleição estadual”, disse.
Voluntarioso, devolveu a provocação durante reunião da Executiva Nacional do PDT realizada no início do mês, da qual o irmão participava remota e diretamente de uma estação de esqui em Bariloche, na Argentina.
O senador disse que aceitaria abrir mão da reeleição em 2026 em benefício da candidatura de Ciro “para que ele e a esposa pudessem, pelo menos, ter um plano de saúde”, e para que o ex-presidenciável conseguisse “pagar suas dívidas”.
À flor da pele
Os Ferreira Gomes mais famosos da família são assim — irascíveis como todos “coronéis” do Nordeste. Em 2020, durante greve da Polícia Militar no Ceará, Cid subiu em uma retroescavadeira e tentou avançar contra os policiais que bloqueavam a entrada do batalhão em Sobral.
Acabou baleado. Por sua vez, Ciro já teve contas bancárias bloqueadas e imóveis leiloados em razão de condenações por danos morais a adversários políticos. Foi processado, entre outros, por quatro ex-presidentes: Fernando Collor de Mello, Fernando Henrique Cardoso, Michael Temer e Jair Bolsonaro. Enfrenta uma fila de credores — só para José Serra, foi condenado a pagar uma indenização de R$ 800 mil.
Recentemente, esteve impedido de licenciar um carro por causa das dívidas. Coincidência ou não, acaba de lançar um boletim informativo pago com análises políticas e econômicas “fora da propaganda, fora da torcida”, conforme ele próprio afirma. Trata-se da newsletter “O Brasil desvendado”, cuja assinatura custa R$ 20 por mês.
O racha interno no PDT do Ceará parece ter sido pacificado a partir do acordo que garante a Cid Gomes o comando da legenda. Mas na guerra fratricida entre os Ferreira Gomes, pelo menos por ora, não parece haver chance de cessar-fogo.