Ficar inelegível é pouco
Por Rachel Sheherazade
Nem vingança nem complacência. Foi justiça o que fez o Tribunal Superior Eleitoral ao condenar Jair Bolsonaro por abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação. O processo que levou à inelegibilidade o ícone da extrema-direita foi movido pelo PDT, e é uma das 16 ações impetradas no TSE contra o ex-presidente.
O que deu causa à inelegibilidade foi uma live ocorrida em julho de 2022 no Palácio da Alvorada com a participação de embaixadores, em que Bolsonaro divulgou informações falsas sobre o sistema eleitoral, fazendo acusações de que as urnas eletrônicas eram fraudadas, mas sem apresentar provas. Durante o evento, o ex-presidente também atacou ministros do TSE e do Supremo Tribunal Federal.
O evento foi transmitido pela estatal Empresa Brasileira de Comunicação e teria custado aos cofres públicos pelo menos
R$ 32.700,00. Para a maioria dos juízes eleitorais, ficou clara a culpa do ex-presidente, que, além de atacar o sistema democrático, usou o aparato público para fins eleitoreiros.
No voto que formou maioria para a condenação, a ministra Carmem Lúcia explicou: “Estamos julgando (a ação de inelegibilidade) para cumprir um dever constitucional. Não se escolhe, não se quer, não é boa nem fácil a função de julgar. Ela é necessária.” Nesse caso, em particular, ela foi crucial para a reafirmação da democracia contra o abuso de poder, as fake news e a tentativa de golpe — estratégias do ex-presidente para se perpetuar no poder.
A decisão da corte eleitoral impede Bolsonaro de se candidatar a cargos municipais em 2024, e estaduais e federais em 2026,
e pode selar seu destino político. Fora da corrida eleitoral, a influência do ex-presidente pode minguar e, como na política não existe vácuo, o lugar de Bolsonaro seria rapidamente ocupado por outra figura do mesmo espectro político.
Mas a inelegibilidade não é, nem de longe, o maior desafio para Jair Bolsonaro. O ex-mandatário tem batalhas muito mais árduas pela frente. Sua luta agora é para evitar a cadeia. Entre os muitos eventuais crimes que podem levá-lo direto para a Papuda estão a gestão criminosa da pandemia de Covid-19 (que já rendeu denúncias até ao Tribunal Internacional de Haia), e a participação na trama golpista que eclodiu em violência no dia 08 de janeiro.
Inelegibilidade é pouco para quem, sob o manto do poder, passou quatro anos cometendo crimes sucessiva e impunemente, protegido pelo procurador-geral, acobertado por sua grei e respaldado pela imprensa de ocasião.