Estou em paz com Lula
Editora Três
Edição 14/07/2023 - nº 2789
Por Marcos Strecker
Uma das estrelas do terceiro governo Lula, a ministra Marina Silva não teve vida fácil desde janeiro. Mesmo com o apoio do presidente, sua pasta quase foi desmanchada pelo Congresso, que ainda tem forte influência bolsonarista.
Ela protestou, o governo reagiu e Lula reverteu parcialmente o estrago restituindo poderes do Ministério do Meio Ambiente. Depois, o veto do Ibama à exploração de petróleo na margem equatorial do Amapá causou a fúria de ministros e da estatal. De novo, ela precisou mostrar firmeza. E venceu. Agora, comemora a queda de 33,6% na área sob alertas de desmatamento na Amazônia registrados pelo Deter, do Inpe, no dia 6.
A notícia virou manchete no exterior. O anúncio de que a COP30, evento climático da ONU, em 2025, com cerca de 200 países, ocorrerá em Belém, também deu mais otimismo à agenda ambiental no governo. Ao lado de Marina, Lula se prepara para receber todos os presidentes da região amazônica numa cúpula preparatória em agosto.
E ela acha que ainda colherá mais frutos na volta à Esplanada, depois do afastamento com Lula em 2008 e de 15 anos na oposição. Antecipa que o governo prepara um ambicioso programa para a produção de hidrogênio verde. “É uma aposta de não ficar onde a bola está, mas de caminhar na direção em que a bola estará.”
Os dados de desmatamento divulgados no dia 6 mostraram uma grande queda no número de alertas em 2023. Acabou a desconfiança ambiental no exterior após o governo Bolsonaro?
O governo Bolsonaro produzia uma péssima imagem do País. Era o reflexo do que acontecia: desmonte das políticas ambientais, falta de orçamento e interferência indevida do governo nas ações de fiscalização, monitoramento e gestão ambiental do Ibama, ICMBio e Inpe. Com o governo do presidente Lula, desde a transição, priorizamos uma agenda estratégica que se refletiu nos primeiros decretos feitos. Em 10 decretos assinados, cinco eram para a área ambiental. O presidente colocou a questão ambiental no mais alto nível de prioridade. Isso trouxe uma mudança de perspectiva em relação ao Brasil. Nos primeiros seis meses, segundo o monitoramento em tempo real, tivemos queda de 33,6% na área sob alertas de desmatamento na Amazônia. O Ibama teve aumento de quase 200% das ações de fiscalização. Elevamos a nossa capacidade de aplicação de autos de infração em 166%. Tivemos um crescimento da capacidade de aplicação de multas na ordem de 167%, ou seja, aplicamos R$ 2,3 bilhões em multas. Os embargos foram 2.086, aumento de 111%. E ainda temos os embargos remotos, inovação que aplicamos com força, inclusive suprindo as deficiências em termos de pessoal.
Esses números tiveram grande repercussão na imprensa internacional. Está havendo o reconhecimento internacional sobre esse esforço?
A chave de inserção do Brasil no mundo tem a ver com a posição que ele ocupa de ser uma potência florestal. Quando se tem uma política pública que funcionou no passado e conseguiu reduzir desmatamento por quase uma década em 83%. Quando se tem um abandono dessa política e o desmatamento volta a aumentar. Quando ela é retomada 15 anos depois e, em seis meses, tem-se esse resultado, é claro que o mundo passa a ter um olhar de que há coerência e consistência. Em seis meses, demos uma resposta. Fizemos o Plano de Prevenção e Controle do Desmatamento da Amazônia. Retomamos o Fundo Amazônia e conseguimos um processo significativo de captação de recursos. Tudo isso faz com que se tenha um olhar para o Brasil de políticas consistentes.
Como estão os preparativos para a COP 30 no Pará, em 2025?
O presidente Lula fez a convocação da reunião preparatória de cúpula da OTCA (Organização do Tratado de Cooperação Amazônica) para o início de agosto em Belém. Tivemos um processo preparatório em Letícia (Colômbia) no dia 8 com o presidente Lula e o presidente da Colômbia para chegar em Belém de forma negociada com o que será a declaração dos presidentes dos países amazônicos. Mas com uma clareza: queremos interromper e substituir essa fase de grandes eventos que não têm desdobramentos. Desejamos um processo de tomada de decisão e implementação dos anúncios feitos. É importante que os países amazônicos tenham um olhar para as suas fronteiras, mas também de como a região se articula para o enfrentamento do controle do desmatamento.
O estranhamento com o presidente Gustavo Petro foi superado? Ele desejava que a reunião preparatória fosse na Colômbia.
É legítimo que cada governante se proponha a liderar processos. É bom que tenhamos proatividade em relação a tratar do tema da proteção da Amazônia. O presidente Lula fez a convocação da cúpula para Belém, e o presidente Petro está nesse processo. Houve ali um entendimento de que o preparatório seria essa reunião que tivemos em Letícia com contribuições à cúpula de Belém. Não vejo que tenha havido uma contradição.
O Brasil e a União Europeia têm como prioridade fechar o acordo de livre comércio, e a questão ambiental passou a ser vital por causa das novas cláusulas antidesmatamento inseridas pelo bloco europeu. Como a senhora vê esse entrave?
Todos os esforços que o Brasil tem feito e os resultados alcançados em seis meses nos credenciam para a finalização do acordo. Essas cláusulas são dialogadas e conversadas entre os dois blocos regionais. Respeitamos o processo e o debate da União Europeia. Mas temos segurança dos compromissos que assumimos e do cumprimento deles no âmbito do Acordo de Paris, a nossa meta de desmatamento zero, a priorização na proteção das populações locais e até nos antecipamos com o Plano Safra 1.0, a transição para a agricultura de baixo carbono. Tudo isso nos credencia para mostrar que não podemos ser tratados como se ainda estivéssemos no governo Bolsonaro. Ainda que a União Europeia possa ter seus próprios mecanismos, a aferição do que é desmatamento legal ou ilegal será do Instituto de Pesquisas Espaciais, que é altamente respeitado no mundo inteiro.
O Fundo Amazônia praticamente dobrou sua captação desde o começo do governo. A senhora acha que essa trajetória vai continuar?
O Fundo Amazônia é uma espécie de pagamento por resultado alcançado na redução do desmatamento. Um mecanismo interessante para os doadores porque não tem perigo de erros. Será doado dinheiro para um resultado que já aconteceu. É um fundo privado dentro de um banco público em que o governo, a sociedade, a comunidade científica e os governos subnacionais apresentam seus projetos e terão que atender às regras de funcionamento para a tomada desses recursos. Fizemos uma primeira captação com a Noruega, em 2008, e depois veio a Alemanha. Agora, no terceiro governo do presidente Lula, temos uma segunda fase de captação. Nesse momento, temos um aporte de recursos da Alemanha, Reino Unido e Suíça, além de recursos dos EUA na ordem de US$ 500 milhões. E os da filantropia, na ordem de US$ 200 milhões.
O agronegócio está mais alinhado com a pauta ambiental depois do governo Bolsonaro?
Existe uma parte do agronegócio que faz essa inflexão na direção da transição para uma agricultura de baixo carbono. O mundo fechará as portas para produtos carbono intensivo. China, EUA, Japão, Canadá, Reino Unido e União Europeia fecharão as portas. Aqueles que têm pensamentos estratégicos, muitos por compromisso ético, sabem que precisamos fazer o dever de casa. Existem aqueles que são negacionistas, que não olham para o que acontece no mundo e para o que a ciência diz. Os que olham farão a transição. Os negacionistas pagarão um preço muito alto. Mas, infelizmente, ainda são uma parte relevante e com força no Congresso. Precisarão mudar urgentemente sob pena de causarem prejuízos a si mesmos.
O Congresso vai mudar sua posição? A Medida Provisória dos Ministérios, aprovada em junho, esvaziou a Pasta do Meio Ambiente.
Na verdade, o que tivemos ali foi uma ação dessa parte que resiste ao que diz a ciência e o bom senso. O presidente Lula reverteu boa parte daquilo, que foram as perdas ambientais para o Ministério. Pelo veto do presidente, a gestão de recursos hídricos e os processos de regulação continuam com o Ministério do Meio Ambiente. Temos um País que está dividido: uma parte insiste na visão negacionista e uma parte quer avançar em direção a um futuro melhor para nossos filhos, netos, negócios e, enfim, interesses estratégicos.
A sra. se sente plenamente prestigiada? A sra. deixou o segundo governo Lula em 2008 e, após 15 anos de luta, voltou nessa situação tensa de polarização e retrocesso. A sra. está confiante de que vai retomar a trajetória dos anos 2000?
O meu reencontro com o presidente Lula foi um momento em que ficamos em paz. E estamos em paz. Essa paz é acompanhada de todo o aprendizado político, compromisso com a agenda do desenvolvimento sustentável, defesa dos direitos humanos, proteção dos povos indígenas, de um modelo de desenvolvimento que fortaleça a democracia e combata desigualdades, e que faça tudo isso com sustentabilidade. O presidente Lula defende e trabalha pelo desmatamento zero até 2030. É uma meta altamente corajosa. Quando encaramos a política como um serviço, não fazemos só aquilo que gera ou deixa de gerar prestígio. Fazemos aquilo que deixa os melhores vestígios para a humanidade. Agora estou de novo no governo junto com o presidente Lula para que possamos ampliar o Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento, que não é mais só da Amazônia. É do Cerrado, Mata Atlântica, Caatinga, Pampas e Pantanal. A agenda da proteção do meio ambiente é transversal. Nós temos 19 ministérios com ações.
A crise com o veto do Ibama para a exploração da Petrobras na margem equatorial foi superada?
O Ministério do Meio Ambiente tem como prática nunca dificultar qualquer empreendimento. E temos como prática nunca facilitar. A lógica da dificuldade e da facilidade não existe na linguagem do serviço público republicano. O que fazemos é olhar os pedidos de licenciamento no mérito. E nos autos do processo de licenciamento nos pronunciamos. Foi apresentada uma proposta pela iniciativa privada, que foi negada em 2018. Depois, o empreendimento foi assumido pela Petrobras, que apresentou um novo pedido de licença. Foi negado pelo Ibama por achar que o projeto de prospecção na margem equatorial não era suficiente. Agora o Ibama apresentou o que seria a forma correta de encarar um empreendimento que já teve a sua licença negada por duas vezes: fazer avaliação ambiental para a área sedimentar.