Entenda por que o mundo precisa de mais bebês
Com média de vida estendida e mais gastos sociais, governos de Japão e Coréia do Sul lançam programas para tirar jovens de casa e incentivar casais a terem filhos. Mas são necessárias mudanças mais profundas

Governo japonês vai bancar pré-natal e pagamentos de escolas, além de proporcionar mais folgas remuneradas aos pais para terem mais crianças (Crédito: Naoki Maeda )
Por Denise Mirás
Qual o impacto que horas e horas de olhos grudados em smartphones, acessando redes sociais, teria sobre jovens, a ponto de acentuar a baixa da taxa de fecundidade de um país? Ainda não se tem essa resposta, mas o governo japonês, por exemplo, está preocupado: anunciou que a partir de 2024 e durante três anos distribuirá R$ 120 bilhões em benefícios indiretos (como exames de pré-natal e pagamento da escola de crianças), para incentivar casais a terem filhos.
Afinal, o ativo de um país passa pela capacidade de ocupar territórios com produtos e serviços, mas também com pessoas. A Coreia do Sul é mais direta: vai pagar R$ 2,4 mil/mês a jovens de baixa renda, entre 9 e 24 anos, simplesmente para saírem de casa, porque alguns já passam anos trancados, mal saindo de seus quartos, como em Seul.
Na capital sul-coreana, a taxa de fecundidade (número de filhos por mulher em idade de reprodução) caiu para 0,6, muitíssimo abaixo de 2,0, o chamado “número de ouro” que garante a reposição populacional de um país.
Esses países tomam parte de um cenário de redução de crescimento populacional no qual o Brasil, segundo o Censo recém-divulgado, também passa ser integrante.
A natalidade é questão fundamental, porque a população economicamente ativa estimula a guarda de dinheiro no sistema financeiro para gerir políticas sociais que incluem aposentadorias.
Pandemia, guerra e migrações que geram crises econômicas mudam comportamentos, ainda mais com o avanço tecnológico. Relações pessoais se tornaram mais restritas para a geração que “já nasceu na rede”, como observa Luciana Mello, professora do IBMR-RJ, especialista em Relações Internacionais e Comércio Exterior.
“Isolados em casa, a chance desses jovens de procriar é zero. E com a pirâmide invertida — população idosa maior que a jovem —, quem vai trabalhar para manter o contingente de aposentados, que requerem mais gastos?”
Luciana Mello, professora do IBMR-RJ
No Japão, a taxa de fecundidade caiu para 1,3 e, na Coréia do Sul, chegou a um assustador 0,8. Daí os planos de governo para a população ser vista como “valor agregado”, como mão de obra qualificada e que garanta governabilidade.

Restrições culturais
Mas não são apenas as redes sociais que fazem jovens trocarem baladas com amigos e amores pela solidão das telinhas. Parte das causas está no meio cultural.
Na China, a Política do Filho Único vigorou por 35 anos, a partir de 1979, provocou assassinatos de meninas e o desequilíbrio de gênero no país: homens seguiam solteiros porque não havia mulheres suficientes para casar.
“Essa proibição do governo acabou moldando a cultura, a forma de viver dos chineses”, diz a professora. E é vista como responsável pela crise demográfica tipificada em 2021, com queda da taxa de fecundidade para 1,1 e com número de idosos maior do que o nascimentos.
Para um país expansionista como a China, diz Luciana, que pratica “um colonialismo moderno de ocupação”, soou o alerta para inverter a política governamental com o incentivo para três filhos por casal e até produções-solo.
A expectativa média de vida global aumentou de 77,6 anos em 2002 para 80,1 em 2021 e Everton Emanuel Campos Lima, pesquisador no Núcleo de Estudos de População da Unicamp, lembra que no caso do Japão há várias teses sobre o prolongamento de vida, que vão da violência zero ao tipo de alimentação, mas se destaca o pouco estímulo às mulheres em uma sociedade fechada e resistente a imigrantes estrangeiros.
A população “moderna” está com taxa de fecundidade em 1,2, muito aquém das gerações anteriores. “A população em idade mais avançada, inativa, exerce pressão econômica cada vez maior sobre o país”, diz o analista. Para ele, o fator cultural é tão determinante que nos países nórdicos, onde as sociedades são mais igualitárias, a taxa de fecundidade é maior, como a Suécia (1,7).
Taxas de fecundidade
2,31 Global
0,87 Coréia do Sul
1,18 China
1,31 Japão
1,63 Brasil
Japão em armadilha
“O problema do incentivo é ser mais ‘monetário’, afirma o demógrafo Everton Lima. “Pagamentos de estudos, por exemplo, como também tentaram Itália e Portugal, são estímulos temporários. O Estado não pode ficar bancando isso por toda a vida. O Japão se colocou em uma armadilha de onde é muito difícil sair. Precisaria mudar o comportamento de casais e de toda a sociedade.”
Alemanha, Bélgica, Holanda também se valeram de dinheiro para casais (como a bolsa-família alemã para crianças em idade escolar), ou menos tributação. “Essas políticas pró-natalistas de curto prazo precisariam ser apoiadas em mudanças estruturais, com maior diversidade cultural na sociedade, homens participativos em tarefas caseiras, menos machistas.”
No pós-Segunda Guerra, segue o professor, houve declínio da taxa de fecundidade global, principalmente a partir da década de 1970: era de 2,7 em 2000 e agora está em 1,3. Bem abaixo do necessário para um casal manter o tal nível de reposição.
Assim como a China, o Brasil também chegou a ter taxas acima de 6,0 e hoje está próximo do nível europeu e do norte-americano, com 1,6. “O país está envelhecido”, comenta Luciana Mello, e ainda “com perfil demográfico escasso no Norte e Centro-Oeste, enquanto Sudeste e litoral se veem abarrotados”.