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Meus amados submarinos

Meus amados submarinos

Mentor Neto: "Entendo perfeitamente quem decidiu descer 4 quilômetros dentro de uma lata de sardinhas com a desculpa de visitar o Titanic"

Por Mentor  Neto

O décimo primeiro álbum dos Beatles foi Yellow Submarine, lançado no início de 1969, mesmo ano em que o homem pisou na Lua pela primeira vez.

Eu tinha uns 4 anos e, talvez, pela magnitude dos dois eventos, eles são uma das primeiras lembranças que consigo acessar.
Uma aventura no fundo do mar e outra no espaço, compactadas num período de alguns meses.

As duas histórias se misturaram em minha memória como a descoberta instigante de que existem terras, mares e ares
a serem conquistados.

Que maneira melhor para provocar sonhos em uma criança senão com trilha sonora dos Beatles?

Apesar de críticos e da própria banda reconhecerem que Submarino Amarelo não está à altura da obra de seus autores, ainda mais considerando que vinham do antológico Álbum Branco, aquela foi a forma pela qual fui apresentado à banda mais famosa do mundo.

A capa do vinil e as ilustrações psicodélicas de Heinz Edelman são inconfundíveis.

O Yellow Submarine, gorduchinho e colorido, por muitas noites serviu de alimento da imaginação para que eu pegasse no sono.

Lembro de um modelo de plástico do submarininho que ganhei de um tio e que circulou pelas gavetas da minha vida até sumir há alguns anos.

Na minha infância, as novidades não estavam a um Google de distância ou anunciados em redes sociais.

Eram acontecimentos programados, esperados por meses e, quando ocorriam, deixavam marcas indeléveis nos cérebros por onde passavam.

Foi assim com o Submarino Amarelo e, anos depois, com meu segundo submarino, o revolucionário Nautilus, de 20.000 Léguas Submarinas, do livro de Julio Verne.

O Nautilus, criado pelo Capitão Nemo era seguro e confortável como uma casa de campo.

O terceiro submarino da minha vida, foi um menos famoso.

Saiu dos livros de Tintim, o personagem criado pelo belga Hergé, em 1929.

O submarino tubarão, como era conhecido, fazia jus ao nome.

Era mesmo um tubarão, com uma cabine de vidro bem fino, desprezando qualquer risco aos seus tripulantes.

Riscos que Tintim corria e nunca nos decepcionava.

Finalmente veio o SeaView, o submarino atômico americano da série Viagem ao Fundo do Mar, herói perfeito da Guerra Fria, cujos episódios acompanharam, por uns bons cinco anos, meu almoço antes de ir para a escola,.

Todas essas embarcações construíram esse veículo heroico no imaginário da minha geração. Todos esses submarinos navegam pelas nossas fantasias de aventuras e conquistas, que nunca realizaremos.

Por isso entendo perfeitamente quem decidiu descer 4 quilômetros dentro de uma lata de sardinhas com a desculpa de visitar o Titanic.

A cabeça dos tripulantes vitimados nesse trágico acidente deveria ser habitada por esses mesmos submarinos.

Eu sei o que leva alguém a embarcar numa missão suicida no fundo do mar

Durante dias, esse foi o assunto mais importante na mídia mundial.

Aqueles que, como eu, assistiram ao desenrolar da história com a mesma dedicação de um assinante do BBB, hoje sabem tudo sobre o submarinos e submergíveis.

Convertem pés para metros em segundos. Sabem, por exemplo, que o Titanic está dividido ao meio e a popa está com as hélices para cima. E, infelizmente, também sabem que, no caso de um rachadinho de nada no casco, a nave implode numa fração de segundos, sacrificando instantaneamente sua tripulação.

Coisa bem diferente dos submarinos infalíveis que crescemos conhecendo.

Bem diferente daqueles submarinos que sonhamos em um dia embarcar, mesmo sabendo que esse dia nunca chegaria.

Por isso compreendo o que motiva os tripulantes do Titan.

Por umas poucas horas poderiam se transformar em conquistadores como Almirante Nelson, Tintim, Julio Verne ou Beatles.

Essa semana aprendemos da pior maneira que esse sonho nem sempre se realiza.