Coluna

Impressões de viagem

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Bolívar Lamounier: "O que vejo, dia após dia, em São Paulo, é gente se acampando na grama das grandes avenidas" (Crédito: Divulgação)

Por Bolívar Lamounier

Décadas atrás, tive oportunidade de fazer uma viagem à Índia; só a Nova Delhi, não ao resto do país. Dentro da magnífica experiência que a capital indiana proporciona ao visitante, fiquei, porém, chocado com aquela quantidade de gente vivendo em espaços públicos, acampada, literalmente acampada, protegida quando muito por barracas de plástico. E não consegui me livrar de um contraditório sentimento: de um lado, o da compaixão, do outro, um quê de superioridade por não termos nada parecido no Brasil.

Alguns anos mais tarde pude me familiarizar com a África do Sul, onde estive diversas vezes. Logo cedo, fui à recepção do hotel e perguntei onde ficava o banco mais próximo, precisava adquirir moeda local. “Banco? respondeu-me o funcionário. Um momento”. E voltou com um guarda armado, um sujeito enorme, que me lembrou aquela figura de texano que Hollywood exportou para os cinéfilos de todo o mundo.

Aproximaram-se duas bonitas jovens, louras de olhos azuis, trajando bermudas e portando, cada uma, um pouco abaixo do joelho, um coldre com um revólver

O guarda portava um senhor revólver; não entendo disso, mas cogitei que fosse um Colt 45. O guarda iria me acompanhar até o banco. Não exatamente ao banco, mas até o caixa onde eu iria fazer a transação, não se afastando de mim um minuto sequer. Serviços excelentes, culinária esplêndida, estradas modernas, mas também que nunca antes havia visto — casas protegidas por um arame farpado em forma de caracol, enrolado: uma clara advertência aos amigos do alheio que se atrevessem a saltar o muro. E, mais uma vez, a contradição em meu pensamento: “Que sorte a nossa não termos isso no Brasil!”

Anos mais tarde, lá estive outra vez, em companhia dos saudosos amigos Leôncio Martins Rodrigues e Paul Singer, ambos professores da USP. Chegando a Pretória numa linda tarde ensolarada, decidimos que estava na hora de comer alguma coisa. Acomodamo-nos numa mesa ao ar livre enquanto esperávamos o garçom trazer nossos sanduiches. Mas eis senão quando vejo aproximarem-se duas bonitas jovens, louras de olhos azuis, trajando bermudas e portando, cada uma, um pouco abaixo do joelho, um coldre com um revólver. As impressões que narrei acima, como a do arame farpado, já não são coisa nova. Vemo-lo por toda parte, cena corriqueira. O que ainda não vi, e gostaria de não ver, são moçoilas da alta classe média saírem armadas para seu passeio vespertino.

O que vejo, dia após dia, em São Paulo, é gente se acampando na grama das grandes avenidas. Sim, nossa cidade mais rica está sendo decorada por extensas favelas de plástico, como aquelas que anos antes me haviam impressionado em Nova Delhi.