Editorial

A reforma tributária no forno

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Carlos José Marques: "Brasil está tendo pela primeira vez a oportunidade única de realmente transformar o seu complexo cipoal tributário" (Crédito: Divulgação)

Por Carlos José Marques

Foram décadas de idas e vindas, discussões infindáveis, diferenças incontornáveis, mas finalmente parece que um esboço da sonhada Reforma Tributária está para sair do papel. Não que os impasses tenham sido totalmente contornados. Nem é de se imaginar que o projeto em gestação, a ser votado ainda em julho – pela promessa do “capo” da Câmara, deputado Arthur Lira –, contemplará boa parte das demandas e anseios. De todo modo é um passo e tanto o que vem sendo dado.

Tem quem duvide da promessa de não haver aumento da carga sobre os contribuintes. Estados e municípios seguem reclamando que irão perder no modelo desenhado. O setor de serviços iniciou uma grita enorme, convicto de que os ajustes pesarão forte na atividade. Existem exceções sendo avaliadas.

Muito movimento de ajuste, estica e puxa ainda em andamento. Para atender a governadores, por exemplo, alguns parlamentares propõem estender o benefício do ICMS por três anos. Razão para isso? Ao mapearem o risco de contestações de empresas na Justiça, caso o incentivo fosse alterado, notaram que o passivo seria gigantesco e impagável.

O benefício, a princípio, tinha prazo para terminar em 2032. Já será encurtado. A questão é não acontecer de forma abrupta. A intenção de não quebrar contratos permeia a alternativa. Com o surgimento do regime do IVA dual, que unifica tributos municipais, estaduais e federais, a prática da concessão de incentivos na guerra fiscal entre regiões será inevitavelmente reduzida a quase nada. No meio político, o assunto ainda vem sendo digerido e não agrada a maioria.

Restará o Fundo de Desenvolvimento Regional que poderá ser usado para investimentos em infraestrutura e educação, dentre outras áreas. No campo da redução do ICMS pouco ou nada será possível fazer além do acertado. Dentre as principais diretrizes estabelecidas a maior delas é justamente a da unificação de impostos.

IPI, PIS, Cofins, ICMS (estadual) e ISS (municipal) serão todos incluídos dentro do escopo do IVA dual, como ocorre em 170 países. Em outras palavras, estaremos assim em sintonia com parte considerável do mundo civilizado. Já não era sem tempo.

Há ainda a perspectiva de uma modalidade de tributo a incidir apenas no segmento de produtos que afetam diretamente a saúde, como cigarros e bebidas alcoólicas. Será uma espécie de taxação adicional. As eventuais perdas dos entes federativos seriam, por sua vez, compensadas por um fundo a ser criado e a contar, inclusive, com recursos da União. Haverá uma devolução pretendida para as famílias de baixa renda e ela deverá ser contemplada via ferramenta de cash back, em estudo.

O tamanho da contribuição do governo federal para tantos aportes ainda não foi acertado. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, tem dito que esse colchão de compensações será capitalizado com recursos advindos de arrecadações ainda não previstas, como seria o caso da eventual taxação sobre apostas de jogos, e também via diminuição na sonegação. Existe hoje um rombo gigantesco da ordem de R$ 215 bilhões em isenções de impostos que constitui uma verdadeira caixa preta do Fisco a ser alvo de análise. Lá pode estar a fórmula para equalizar as contas.

A equipe de Lula tem buscado, desde já, reduzir considerável porção dessas concessões tributárias como parte do esforço para conter o déficit público. Dados da Unafisco – a associação dos auditores – apontam que o governo federal deve deixar de arrecadar a assombrosa cifra de mais de R$ 568 bilhões em 2023 devido às renúncias ainda em vigor. Há quase um consenso em torno do fato de que muitos dos desarranjos fiscais serão superados a partir da reforma, que está madura e cuja hora chegou.

Apesar de interesses contrariados e de muitos reclamarem do risco de uma aprovação de afogadilho, com a votação às pressas, sem muito tempo para aquilatar as alterações de última hora, o Brasil está tendo pela primeira vez a oportunidade única de realmente transformar o seu complexo cipoal tributário, tido como um dos mais burocráticos e indecifráveis do mundo, fator de atraso na competitividade e eficiência do País.

Para uma maior justiça na arrecadação, em primeiro lugar, e para a arrumação da contabilidade pública, a reforma desponta como fator primordial. É uma ideia cuja hora chegou e que não deve ser protelada.

Carlos José Marques é diretor editorial da Editora Três