Comportamento

A população brasileira vai encolher

Com dois anos de atraso, Censo registra a menor taxa de crescimento da história, migração das metrópoles para o interior e famílias reduzidas — cenário aponta a redução de habitantes já na próxima década

Crédito: Zanone Fraissat

São Paulo: aglomeração de pessoas na 25 de Março, via de intenso comércio na cidade (Crédito: Zanone Fraissat)

Por Thales de Menezes e Elba Kriss

O número de habitantes no Brasil em 2022 chegou a 203.062.512, segundo o Censo divulgado pelo IBGE na quarta-feira (28), um resultado que surpreendeu até mesmo a comunidade de profissionais de demografia. Em agosto de 2021, o instituto chegou a estimar a população em 213 milhões de pessoas. Em dezembro do ano passado, foi divulgada a prévia mais tímida até então, apontando 208 milhões. Mas o total da população é apenas uma das surpresas do levantamento.

O novo Censo mostra uma visão diferente do Brasil: baixa natalidade, famílias menores, aumento de 34% no número de municípios e migração das metrópoles para o interior. Diagnóstico: o Brasil corre o risco de envelhecer antes de conseguir ficar rico e deve apresentar redução na população já na primeira metade da próxima década.

203 milhões
Total registrado pelo IBGE é menor que o esperado: instituto fez prévias com 10 milhões a mais

O IBGE ainda irá apresentar detalhamentos da pesquisa, como, por exemplo, os cortes por gênero e idade. Os dados colhidos serão fundamentais para definições de políticas públicas e balizamento das decisões econômicas, e eles são divulgados com quase dois anos de atraso, em mais uma herança danosa do governo de Jair Bolsonaro.

O ex-presidente impediu o início dos trabalhos em 2020, alegando contenção orçamentária. Ele e o então ministro da Economia Paulo Guedes conduziram movimentação nas redes sociais pela desvalorização da pesquisa.

“O Censo não serve para nada” se tornou o mote de campanha virtual dos bolsonaristas. Os efeitos foram significativos.

Após decisão do Supremo Tribunal Federal pela obrigatoriedade do levantamento, os recenseadores contratados foram para as ruas no ano seguinte e encontraram muita resistência nas pessoas, grande parte demonstrando desprezo pelo trabalho.

Segundo o instituto, em cerca de um milhão de domicílios, os pesquisadores foram recebidos por moradores que se recusaram a participar das entrevistas.

Recenseadora trabalhando na comunidade de Heliópolis, na capital paulistana (Crédito:Carla Carniel )

Com isso, chega com atraso a informação mais contundente do levantamento: a menor taxa média de crescimento anual da população brasileira desde o início da série histórica, há 150 anos.

O aumento do número de habitantes no País foi de apenas 0,52% por ano no período entre 2010 e 2022. O dado segue uma tendência de queda, pois até então o menor crescimento anual tinha sido registrado entre 2002 e 2010 num índice de 1,17%.

Mas a redução agora é tão acentuada que uma expectativa de aminguamento na população brasileira, considerada pelos estatísticos ser possível a partir de 2040, deve ser iniciada ainda na primeira metade da próxima década. A consequência imediata é o “encolhimento” das famílias.

Desde o Censo de 1980, o primeiro a colher esse tipo de informação, a família brasileira nunca foi tão pequena. A média no País é de 2,79 moradores por residência, contra 3,31 no Censo anterior.

Alguns núcleos familiares mínimos ganham mais espaço, como o casal sem filhos ou com apenas um, e a mulher separada que mora com um ou dois filhos apontam intuitivamente para um número nada desprezível.

Para Ana Amélia Camarano, economista, demógrafa e pesquisadora do Ipea, “a pandemia acelerou essa diminuição da taxa de crescimento. A mortalidade materna por Covid-19 foi alta no Brasil: em média sete vezes mais do que no resto do mundo. E também muitas famílias e mulheres decidiram adiar a natalidade por medo da pandemia.”

Sobre a presença de poucos moradores em cada domicílio, ela aponta uma tendência de longo prazo. “As famílias estão tendo menos filhos, e se tem mais divórcios e separações. A consequência é a diminuição da população. Nas minhas projeções, a diminuição aconteceria na segunda metade da década de 2030. Agora, ela já passou para a primeira metade.”

A redução do crescimento populacional é observada na Europa e na Ásia. Segundo Joelson Sampaio, professor de Economia da FGV, “a tendência do Brasil seguiu o que os países desenvolvidos já tiveram de trajetória. Então, essa questão de crescimento da população ser menos que o esperado é algo que Europa e outros países, como Estados Unidos, experimentam há um tempo. O Brasil está caminhando para essa estrutura, digamos de pirâmide etária mais madura. Por diversos motivos: por conta do envelhecimento, da medicina e tem uma questão das pessoas hoje nas famílias decidirem por menos filhos. Isso é um aspecto importante de política pública para ser discutido e já pensado para o futuro hoje.”


O que pode estar no horizonte

Entre as consequências dessa baixa natalidade, o impacto econômico pode ser muito grande. “Corremos o perigo de ficarmos velhos antes de ficarmos ricos. É um grande perigo do que podemos antecipar com relação à discussão previdenciária, da sustentabilidade do sistema de seguridade social e da economia”, diz Leandro Constantino, cientista político e professor do Insper.

O Brasil deve perder a oportunidade de avanços com o fim do chamado bônus demográfico, que é a definição dos economistas para o momento em que se tem uma população em idade ativa proporcionalmente maior do que as pessoas em idade não ativa.

Nesse período, o desenvolvimento econômico é fundamental para garantir uma estabilidade no futuro da sociedade. “Depois a população vai envelhecendo e esse bônus vai se perdendo. Com o grau de desemprego que temos e o grau de precariedade de empregos, é difícil dizer que estamos aproveitando o bônus”, analisa José Marcos Nepo, professor titular no Departamento de Demografia da Unicamp.

Essas pessoas que estão em idade de produzir e que poderiam, entre aspas, sustentar a população que não está produzindo, qual é a situação delas? Boa parte da população está subempregada. A ideia do bônus é bonita na teoria. Na prática, em especial no Brasil, é preocupante.”
José Marcos Nepo, pesquisador da Unicamp.

Pesquisador nas questões de migração interna e urbanização, Nepo acredita que a interiorização sinalizada pelo Censo pode ser um fato. “As regiões metropolitanas estão crescendo menos. Nos deslocamentos das pessoas, elas podem se redistribuir em função do quê? De novas oportunidades de moradia, como condomínios fechados em cidades próximas, ou pode ser uma população de baixa renda que é sempre empurrada para os piores lugares, já sabemos dessa história.”

Nova geografia

Para Rodrigo Prando, cientista político e sociólogo da Universidade Presbiteriana Mackenzie, o que se sabe é que os grandes centros estão tomados, com fenômenos de desorganização e interiorização.

“Isso tem que ser politicamente verificado porque faz com que se mude nas cidades menores os critérios de investimento na saúde, educação, segurança. Sabemos que cidades médias e pequenas têm tido ações de grupos armados com muita violência. Isso se via, por exemplo, em grandes centros urbanos. Aí você tem uma nova geografia com esses municípios. E isso exige uma maior atenção dos atores políticos na forma de políticas públicas.”

A mudança nesse cenário de “pulverização” de localidades fica evidente quando se compara o aumento da população nesses 12 anos, cerca de 6%, com o aumento de 34% no número de municípios brasileiros. A população cresceu em 3.165 cidades e caiu em 2.397.

Grande lotação em festa de agronegócio em Ribeirão Preto, no interior paulista, demonstra crescimento da população envolvida com o setor (Crédito:Divulgação)

Agro, um dos “vilões”

A força do agronegócio é apontada como fator determinante da interiorização por praticamente todos os especialistas que comentam o perfil demográfico do novo Censo.

O sinalizador nessa observação é o crescimento populacional na região Centro-Oeste, que concentra a maior parte do agronegócio do País.

Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Goiás e Distrito Federal tiveram alta populacional de 1,23% , mais do que o dobro da média em todo País, 0,52%.

A região teve o maior crescimento, superando Norte (com 0,75%), Sul (0,74%), Sudeste (0,45%) e Nordeste (0,24%). A conexão com o agro encontra exemplos como o município Senador Canedo, em Goiás, cidade que subiu de 84 mil habitantes para cerca de 155 mil, um aumento de 84%.

“Nós temos uma população maravilhosa, acolhedora, estamos ao lado da capital e temos grandes empresas instaladas aqui. Isso atrai muita gente para cá”, comemora o prefeito, Fernando Pellozo.

Número menor de pessoas em cada casa indica opção por filho único (Crédito:Pollyana Ventura)