Brasil

Um alívio chamado arcabouço fiscal

Novas regras para o Orçamento voltam para a Câmara após passarem no Senado. Haddad e Lula já comemoram a aprovação, mas especialistas acham que a euforia será passageira

Crédito: Roque de Sá

Simone Tebet acompanha de perto a aprovação do arcabouço fiscal no Plenário do Senado (Crédito: Roque de Sá)

Por Mirela Luiz

Na noite da última quarta-feira, 21, Lula e Fernando Haddad tiveram bons motivos para comemorar. O Senado aprovou o arcabouço fiscal com pouquíssimas modificações, uma vitória importante para o governo, que avançou mais uma casa rumo à aprovação final, que deverá acontecer em meados de julho. O texto passou no plenário do Senado por 57 votos a 17. Todos os destaques apresentados pelos partidos, na tentativa de mudar trechos do texto, foram rejeitados.

O placar expressivo mostra, mais uma vez, um amplo apoio para a agenda de Haddad no Legislativo – um feito relevante para um governo que enfrenta dificuldades para consolidar uma base de apoio no Congresso. “A articulação do governo tem sido muito criticada. Mas, no caso do arcabouço fiscal, houve apoio até da oposição, porque sabe-se que ele é fundamental para o desenvolvimento econômico do Brasil”, nota Gabriel Quintanilha, professor de Direito Tributário da FGV Direito Rio.

Mesmo com a retirada do Fundeb e do limite de despesas com ciência, tecnologia e inovação, pelo relator Omar Aziz, o governo conseguiu passar a nova regra fiscal com pouquíssimas interferências.

“Foi um avanço o governo reconhecer a necessidade de controlar o crescimento de despesa. Mas há dificuldades em entregar o equilíbrio fiscal prometido.”
Economista Marcos Lisboa.

“Será importante acompanhar as medidas que o governo irá adotar nos próximos meses para garantir a sustentabilidade da dívida pública nos próximos anos”, completa Lisboa.

Haddad comemora a vitória no Senado e segue confiante (Crédito:Ettore Chiereguini)

Aziz também ampliou as novas brechas para gastos.

Pela proposta inicial, já estavam fora da norma, instituições federais de ciência e tecnologia vinculadas ao Ministério da Educação (MEC), instituições científicas que têm convênios com o setor público e o privado, universidades federais e empresas que prestam serviço para hospitais universitários.

“Acredito que o mercado não vai gostar da mudança de cobrir o social, descobrindo o fiscal. Mas, pelo menos o Fundeb e investimentos em ciência e tecnologia fazem o cobertor curto crescer a prazo mais longo”, avalia Marcelo Neri, diretor do FGV Social na Fundação Getulio Vargas.

O relator ainda aceitou a sugestão para incluir entre as possíveis medidas do arcabouço a alienação de ativos e privatização de empresas estatais.

Arcabouço avança

A aprovação no Senado representou um alívio para o governo, que teve um início conturbado na economia e se dedicou nos últimos meses a centrar fogo contra o Banco Central, na tentativa de forçar cortes nas taxas de juros.

A aposta é que o avanço do arcabouço reduza incertezas e crie um ambiente propício para isso.

Segundo o novo arcabouço, que substituirá o teto de gastos, as regras procuram manter as despesas abaixo das receitas a cada ano e, se houver sobras de receitas, deverão ser usadas apenas em investimentos, buscando trajetória de sustentabilidade da dívida pública.

Se o projeto evitará que o Brasil vire “uma nova Argentina”, como afirmam os mais críticos, alguns especialistas apontam riscos.

O pesquisador associado do Insper Marcos Mendes argumenta que existem inconsistências bastante problemáticas no projeto, afirmando que a nova regra fiscal não é capaz de estabilizar a dívida pública e depende de um aumento muito grande de receitas.

“Vai precisar aumentar além do que a União recebe hoje de imposto de renda líquido. Isso não se faz acabando com subsídio tributário, jabutis e lacunas da legislação tributária. E é bastante prejudicial ao crescimento econômico”, critica.

Para o diretor do Centro de Estudos em Finanças da Fundação Getúlio Vargas, William Eid, os bons ventos da aprovação não durarão até o próximo verão.

“O Mercado está ávido por boas notícias. Teremos uma pequena lua de mel de alguns meses, com queda do dólar e subida da Bolsa. Mas isso provavelmente terá pouca duração, já que a realidade dos números deverá se impor ainda este ano.”
William Eid, diretor do Centro de Estudos em Finanças da FGV

Campos Neto não cedeu aos apelos do mercado e juros segue em alta (Crédito:Sergio Lima / AFP)

O duro recado do banco central

O Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC) decidiu manter a taxa básica de juros, a Selic, em 13,75% ao ano nesta quarta-feira, 21, desagradando os esperançosos de plantão.

Desde que elevou a taxa a esse nível, em agosto do ano passado, é a sétima vez em que mantém o mesmo patamar. Em comunicado, o Comitê disse que a inflação acumulada em 12 meses deve se elevar no segundo semestre e que os núcleos de inflação estão acima dos níveis compatíveis com as metas.

Foi um duro recado ao governo, que critica duramente as taxas altas, pois estariam freando o consumo. De Paris, o presidente Lula fulminou: “é uma decisão irracional”.

Mas para o BC, na prática, é esse rigor que está garantindo bons resultados na economia. “Devemos ter atenção para não cometer os mesmos erros do passado, em que subíamos e descíamos as taxas de juros muito rapidamente, sem ter tempo de acostumar as pessoas, empresas e países a isso”, diz o especialista em gestão internacional Fernando Lamounier.

O Copom, no entanto, emitiu sinais mais positivos para o governo: retirou o aviso de que não hesitará em subir os juros caso a queda da inflação não ocorra da forma esperada. Trata-se de um aceno de que a taxa de juros pode começar a cair somente a partir da reunião de agosto.

Sobre a atividade econômica, o Copom afirmou que o conjunto dos indicadores mais recentes segue consistente com um cenário de desaceleração nos próximos trimestres.

“O Copom sinalizou o que o mercado esperava. Mas não vamos voltar a ser o País dos juros a 2% ao ano”, avalia Marcus Cardone, head de Alocação da Trax Investimentos.