Brasil

Lula na Europa: juntando os cacos da política externa

O presidente segue sua agenda de viagens pelo Velho Continente e continua a projetar o Brasil no cenário internacional. Antes de se encontrar na França com Emmanuel Macron, o mandatário brasileiro esteve na Itália com o papa Francisco

Crédito: Ricardo Stuckert

Francisco e Lula no Vaticano: beijos, abraços e antiga amizade (Crédito: Ricardo Stuckert)

Por Gabriela Rölke

Em um cenário de bons ventos na economia e na política, com o avanço da tramitação do novo arcabouço fiscal no Congresso e a aprovação do advogado Cristiano Zanin para o Supremo Tribunal Federal (STF), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) realizou sua terceira viagem à Europa desde que assumiu o governo, em janeiro. Dessa vez, o ponto alto da agenda do mandatário no Velho Continente foi o encontro com o papa Francisco, no Vaticano, na quarta-feira 21.

“Sem dúvida, ser recebido pelo papa não é algo trivial”, diz Roberto Goulart Menezes, professor do Instituto de Relações Internacionais da UnB. “O fato de o presidente brasileiro ser acolhido pelo pontífice já neste seu primeiro semestre de governo é uma demonstração de prestígio.”

Também revela, de acordo com o pesquisador, a preocupação do papa com o que está acontecendo no mundo, inclusive em sua Argentina natal, onde a extrema-direita vem avançando.

Os principais pontos da pauta da audiência privada de 45 minutos foram a guerra na Ucrânia, a luta contra a pobreza e a crise climática.

Os dois líderes vêm manifestando grande preocupação em relação ao conflito entre Ucrânia e Rússia, que já dura 16 meses.

“Estou de acordo com o pontífice: é preciso ter gente envolvida na construção da paz. Parar de atirar e encontrar uma solução pacífica.”
Presidente Lula

“O mundo tem 800 milhões de pessoas que vão dormir sem ter o que comer e não é justo se gastar bilhões com guerras”, completou Lula após o encontro.

O presidente da França, Emmanuel Macron: conversa sobre o acordo Mercosul-União Europeia (Crédito:Andrea Savorani Neri)

Antes do compromisso na Santa Sé, Lula almoçou em Roma com o presidente da Itália, Sergio Mattarella. Na pauta, o tratado de livre comércio entre o Mercosul e a União Europeia — classificado como “neocolonial” pelo assessor especial Celso Amorim, que o considera “baseado na desconfiança, e não na confiança”.

O acordo foi aprovado em 2019, mas para que possa entrar em vigor, precisa ser ratificado pelos parlamentos dos 31 países envolvidos na negociação.

Na quinta-feira 22, o mandatário brasileiro embarcou para Paris, onde participou da Cúpula sobre o Novo Pacto Global de Financiamento.

Na França, encontrou-se com o presidente Emmanuel Macron e voltou a conversar sobre o acordo Mercosul-UE.

No início do mês, a Assembleia Nacional da França aprovou uma resolução contra sua ratificação, o que preocupou o governo brasileiro. Lula também foi chamado para fazer o discurso de encerramento do evento Power Our Planet, a convite de Chris Martin, vocalista da banda britânica Coldplay, que esteve com o presidente em março, quando o grupo fazia uma série de shows pelo Brasil.

Menezes explica que a viagem de Lula à Europa tem três objetivos principais:

* Recolocar o País na agenda internacional;
* reforçar laços com quem o Brasil tem fortes vínculos, o que serve para fortalecer nossa democracia;
* atualizar a agenda internacional brasileira, a partir da reconstrução da nossa política externa.

Sobre a passagem pela Itália, o cientista político destaca a existência de vínculos históricos, “até mesmo afetivos”, entre as duas nações.

“Essas viagens fazem parte dos esforços para dar ao Brasil uma posição de maior centralidade no âmbito internacional depois do governo de Jair Bolsonaro”, avalia a cientista política Natali Laise Zamboni, especialista em Relações Internacionais Contemporâneas.

Ela lembra que as relações com países europeus como a França ficaram bastante abaladas durante o governo passado por conta da posição da nossa diplomacia inclusive nas questões ambientais, mas também por causa da postura pessoal do ex-presidente, que chegou a fazer comentários ofensivos sobre a mulher de Macron.

Ainda de acordo com ela, Lula trabalha também para reconstruir a imagem do Brasil como um país com capacidade de exercer liderança, de representar os interesses da América Latina nesse momento de revisão dos termos do acordo com a UE e também na área ambiental.

Chris Martin, vocalista do Coldplay: convite para Lula participar de show beneficente em Paris (Crédito:Jayson Braga)

“Quando ele viaja, tudo se adia”

Para o cientista político e historiador Francisco Carlos Teixeira, o momento da viagem de Lula vem a calhar para a resolução de algumas questões relacionadas ao cenário político interno.

“O presidente gosta dessas viagens internacionais, mas nesse momento acho que é uma tentativa de esfriar a política interna. Quando ele viaja, tudo se adia”, diz.

“Ele provavelmente espera que, em sua ausência, a Daniela Carneiro (ministra do Turismo, que deve deixar o cargo nos próximos dias por exigência do Centrão) peça demissão para que não precise demiti-la”.

Teixeira avalia ainda que Lula não tem interesse em estar no Brasil no dia em que o Tribunal Superior Eleitoral dá início ao julgamento que deve resultar na inelegibilidade do ex-presidente, seu adversário na eleição de 2022: “Estar fora do País nesse momento é uma forma de dizer que ele não tem nada a ver com isso.”