Comportamento

Turismo: quando o lixo invade o paraíso

Pontos turísticos globais sofrem com absurda quantidade de material usado e restos de comida deixada pelos visitantes; governos buscam medidas de contenção e passam a aplicar multas

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Governos do Nepal e da China enviam expedições para retirar lixo do Everest (Crédito: Divulgação)

Por Duda Ventura

A 8.848 metros do nível do mar, o Monte Everest recebe desde a década de 1950 visitantes interessados em escaladas. Nos últimos anos, ao chegar ao cume, os alpinistas vêm se deparando com uma paisagem além da imensidão de neve: as curvas do monte servem de depósito para toneladas de lixo, que vão desde cilindros de oxigênio até excrementos.

“Existem alguns helicópteros que recolhem o que é deixado para trás nas áreas mais baixas, mas, quanto mais alto, mais lixo vemos, porque é difícil retirá-lo em regiões em que o ar é tão rarefeito”, conta o alpinista brasileiro Roberto Terzini, um dos oito brasileiros que escalaram o Everest este ano e um dos três únicos que chegaram até o topo do ponto mais alto do planeta.

A fria temporada vai além do lixo acumulado pela lotação da área: só neste ano foram registradas 17 mortes e desaparecimentos no local.

Estudiosos e guias turísticos indicam as mudanças climáticas como um dos fatores que levaram às tragédias dos últimos meses. As temperaturas em abril e maio, quando a maioria das expedições costuma acontecer, alcançaram 40oC negativos.

Sobre o acúmulo de lixo no monte, o professor de Turismo e Lazer da USP Leste Luiz Trigo explica que há questões de mau planejamento e logística por trás da poluição e dos riscos enfrentados pelos alpinistas. “É necessária uma estratégia de manejo dessas regiões por parte das instituições públicas e privadas.”

Uma das maiores críticas feitas à atual gestão do Everest pelo governo do Nepal é a facilidade com que passes para a exploração da área são concedidos. “Tudo é uma questão de dinheiro. Quem paga tem permissão para subir, mas em longo prazo é uma prática muito perigosa.”

Roberto Terzini relata que a espiritualidade da escalada é prejudicada pelo despreparo dos alpinistas e pela sujeira nos acampamentos (Crédito:Divulgação)

Medidas vêm sendo tomadas visando à contenção da poluição na região. Há dez anos o Nepal pede uma fiança de US$ 4 mil reembolsáveis por expedição, caso cada membro traga pelo menos oito quilos de lixo.

No lado tibetano da montanha, atualmente fechado, as autoridades exigem a mesma quantidade e impõem multas de US$ 100 a cada quilo não retirado.

Terzini considera a atmosfera do Vale de Khumbu, que ele afirma ter uma energia muito forte por sua história relacionada ao surgimento do budismo, o maior atrativo para os que escolhem desafiar os riscos. “Mas é desmotivador encontrar lixo e pessoas despreparadas que colocam a si mesmas e aos seus guias em risco.”

Em Bali, a poluição não é apenas deixada pelos turistas nas praias, mas também levada pelo mar (Crédito:Divulgação)

O Everest não é o único ponto turístico que enfrenta problemas relacionados à presença de turistas.

Em Machu Picchu, no Peru, os quase dois milhões de visitantes anuais deixam para trás toneladas de resíduos e pichação nas pedras, o que levou a região a ter seu status de Patrimônio Mundial da UNESCO ameaçado.

De maneira similar, as praias de Bali, na Indonésia, além de terem que lidar com as toneladas de sujeiras dos turistas na ilha, também são depósito para o lixo que chega pelo mar carregado pelas ondas e pelo vento.

O governo local estuda a possibilidade de vetar a entrada de novos turistas. Para o professor Trigo, esse é o padrão predatório construído pelos seres humanos: “Se não tomarmos cuidado, até mesmo nas expedições espaciais e submarinas vamos poluir”.

* Estagiária sob supervisão de Thales de Menezes