Internacional

EUA x China: Distensão à vista

O secretário de Estado americano encontra-se com o líder chinês Xi Jinping em uma reunião estratégica, diminui a tensão entre as duas superpotências e faz prevalecer a lógica comercial: interesses comuns poderão impedir um conflito aberto

Crédito: Li Xueren

O secretário de Estado dos EUA Antony Blinken conversa com Xi Jinping em Pequim, dia 19 (Crédito: Li Xueren)

Por Denise Mirás

Depois de anos de uma tensão crescente entre as duas superpotências, que atravessou as gestões Trump e Biden, um encontro histórico em Pequim procurou esvaziar a escalada militar e recolocar a disputa no campo econômico. Foram 35 minutos de conversa entre Antony Blinken, secretário de Estado dos EUA, e o líder chinês Xi Jinping, na segunda-feira, 19, mas diplomatas de alto escalão das duas maiores economias mundiais já haviam se reunido por horas no fim de semana, em Pequim.

Dos temas tratados, o mais espinhoso continua sendo o status de Taiwan, com as ostensivas e crescentes demonstrações bélicas dos chineses no estreito que separa a ilha do continente.

Mas esse não é o único tópico que separa os dois países. Houve considerações sobre:
1) Guerra na Ucrânia

2) Base chinesa em Cuba

3)  Direitos humanos e condições climáticas

4) E o desenvolvimento de tecnologias de ponta, como a Inteligência Artificial, ainda representa uma carta decisiva nessa “distensão” iniciada entre os dois países, que seguem mantendo importantes relações comerciais.

“O mundo precisa de uma situação estável entre China e EUA, pela influência que têm no destino da humanidade Xi Jinping, líder chinês”

Demonstrações bélicas no Indo-Pacífico não impedem seguimento de relações comerciais (Crédito:Divulgação)

Apesar de o confronto ter se acelerado com a ascensão de Xi Jinping, em 2012, ele se radicalizou nos últimos dois anos, com o aumento da capacidade militar e política do país asiático e a presença do Estado chinês cada vez maior no exterior, da África à América Latina.

Rodrigo Amaral, professor de Relações Internacionais da PUC-SP, argumenta que a hegemonia pretendida por um país vem de dois elementos: “A força, medida pelo aparato militar, inteligência e segurança que os Estados têm; e o consenso, com a capacidade de demonstrar liderança, conquistar ‘corações e mentes’, para replicar seu modelo. A China tem atuado diplomaticamente nesses dois sentidos e assim se tornou a grande pedra no sapato dos EUA”.

Apesar da recepção a Blinken ter trazido alívio, ele durou pouco. Em discurso na Califórnia, pouco depois da visita de seu secretário de Estado a Pequim, Joe Biden voltou a colocar Xi Jinping no rol de “ditadores”, comentário que foi rapidamente retaliado por Pequim: a declaração foi classificada de “ridícula” e “irresponsável”.

A tensão continua. Nas últimas semanas, americanos acusaram os chineses de manobras “agressivas” no Estreito de Taiwan e no Mar do Sul da China, zona estratégica do Indo-Pacífico. Ao mesmo tempo, a China mostrou estranhamento com um escritório da OTAN a ser instalado em Tóquio.

Mas, para o professor, não faz sentido que situações como de Taiwan levem a um conflito aberto. “Obviamente seria de custo extremo para ambas as potências, que não estão interessadas em um confronto que levaria a um caos econômico e político mundial nunca visto.”

Por trás das flores

Blinken adiou a visita de março por causa do suposto balão de espionagem chinês derrubado por caças americanos em fevereiro. Os EUA endureceram exportações de semicondutores para a China e esta proibiu a compra de chips da Micron americana, que tinha 10% de receita vindos do mercado chinês.

A reaproximação se dá explicitamente pela agenda econômica, diz Rodrigo Amaral, e não é de interesse de nenhum lado um rompimento definitivo.

Apesar de Blinken ter reconhecido “desacordos até veementes em muitas questões” após o encontro no Grande Palácio do Povo, Xi Jinping deixou claro: “O sucesso deve vir de oportunidades e não de ameaças de um a outro. A Terra é grande o suficiente para acomodar o desenvolvimento e a prosperidade dos dois países”.

O professor lembra que em 2022 houve recorde de comércio exterior da China para os EUA e vice- versa. “Os chineses venderam cerca de US$ 536 bilhões aos americanos e compraram US$ 154 bilhões. Não há espaço para medidas mais protecionistas. A codependência comercial inibe qualquer ação mais agressiva.”

Agenda extensa

Para preparar uma virada na relação, os debates foram intensos na casa de hóspedes de Diaoyutai, em Pequim. Blinken conversou durante sete horas e meia no sábado (17) com Qin Gang, o ministro das Relações Exteriores, para quem “Taiwan é o cerne dos interesses centrais da China, a questão mais importante nas relações sino-americanas e com risco mais proeminente”.

No dia seguinte, Blinken encarou mais três horas com Wang Yi, diplomata chinês histórico que passou recado: “Washington deveria cooperar com Pequim em vez de exaltar a teoria de que a China é uma ameaça”.

Poucos dias antes de se encontrar com o secretário de Estado americano, Xi Jinping havia recebido com toda a pompa o “amigo” Bill Gates, magnata da Microsoft, que chegou com US$ 50 milhões para instituições chinesas de pesquisa.

Por Pequim também passaram Elon Musk (Tesla, Twitter), Tim Cook (Apple), James Dimon ( JPMorgan Chase) e Cristiano Amon (Qualcomm). Foi um sinal eloquente de que os laços comerciais entre as duas nações ainda têm peso preponderante.

Rodrigo Amaral destaca, no entanto, um “provável limite temporal” para o cenário otimista representado pela visita de Blinken: 2024, quando haverá eleições presidenciais nos EUA.

“Tanto republicanos como democratas deverão reafirmar seu discurso sobre a liderança global americana, confrontar a China etc.”
Rodrigo Amaral, professor de Relações Internacionais da PUC-SP

Assim, na análise do especialista, essa distensão é momentânea, “como se estivéssemos em um ano de respiro para as duas partes”.