Comportamento

O triste fim de uma polêmica expedição turística

A tentativa e resgate dos cinco turistas da expedição aos destroços do Titanic mobilizou o mundo. Tripulantes pagaram R$ 1,2 milhão pela viagem em submersível operado por controle de videogame. A Guarda Costeira dos EUA confirmou as mortes

Crédito: Handout/OceanGate Expeditions/AFP

Robôs de três países foram utilizados para encontrar os destroços da cápsula: todos os passageiros morreram (Crédito: Handout/OceanGate Expeditions/AFP)

Por Elba Kriss

“Devido ao pior inverno em 40 anos em Newfoundland, no Canadá, é provável que esta missão seja a primeira e única tripulada ao Titanic em 2023. Uma janela meteorológica acabou de abrir e vamos tentar um mergulho”. O relato é do bilionário britânico Hamish Harding, de 58 anos. Ele era um dos passageiros do Titan, o submersível que desapareceu no Atlântico Norte.

No sábado, 17, o empresário anunciou em suas redes sociais que se unia à OceanGate Expeditions para a Missão RMS Titanic. A programação: mergulhar às 4h no domingo, 18, em direção aos destroços do transatlântico que naufragou em 1912 e que está a cerca de 3,8 mil metros de profundidade. Na quinta-feira 22, quatro dias depois, a Guarda Costeira dos EUA informou ter encontrado destroços na área onde ocorriam as buscas do submarino improvisado. Horas depois, confirmaram as mortes.

Custo do passeio R$ 1,2 milhão

Duração da excursão 8 dias

Tempo de oxigênio 96 horas

A OceanGate é uma empresa privada de turismo que oferece viagens ao fundo do oceano. O empreendimento cobra R$ 1,2 milhão por pessoa pela excursão, que deveria durar oito dias.

A aventura de ver de perto os restos do navio afundado atraiu também o milionário paquistanês Shahzada Dawood, de 48 anos, e seu filho Suleman Dawood, de 19.

Projetada para levar cinco pessoas, a cápsula subaquática era pilotada por Paul-Henry Nargeolet, 77, explorador francês que já comandou 35 expedições ao Titanic, e Stockton Rush, 62, o CEO da empresa marítima.

Uma coincidência trágica liga esse acidente ao naufrágio original: a esposa de Rush é descendente de dois passageiros que morreram quando o navio afundou em 1912. Ela é tataraneta de Isador Straus, fundador da loja de departamentos Macy’s, e Ida Straus.

O casal é protagonista de uma cena comovente que entrou para a história: mulheres e crianças eram as primeiras a embarcar nos botes de resgate, mas Ida se recusou para ficar a bordo com o marido. Ambos morreram e foram encontrados abraçados, em uma das imagens captadas por James Cameron no filme Titanic.

O diretor, aliás, é aficionado pelo tema e já visitou o naufrágio pelo menos 33 vezes — em outras embarcações.

Cápsula no limite: pressão seria como a do peso de 35 elefantes sobre os ombros (Crédito: Handout / OceanGate Expeditions / AFP)

Crônica de uma tragédia anunciada

Nem mesmo o tempo ruim relatado por Harding intimidou os viajantes. Uma hora e 45 minutos depois de mergulharem rumo às profundezas, no entanto, o Titan perdeu contato com a base. Assim, começou a dramática corrida pelo resgate dos turistas.

A Guarda Costeira dos EUA assumiu as buscas em uma área de cerca de 13 mil quilômetros quadrados, com cooperação de navios e aeronaves do país e do Canadá.

A França enviou um navio com robô para apoio. A tragédia é um resumo da missão quase impossível que surgiu após a emergência.

O maior desafio foi encarar o fato de que não há tecnologia apropriada para içar um submersível como o Titan do fundo do mar em tempo hábil.

Nos últimos dias, o que se viu no Atlântico levantou questionamentos sobre a exploração turística do Titanic e, de forma mais ampla, da visitação ao próprio mar profundo. A OceanGate vendia a novidade como o “mais leve e econômico” equipamento desenvolvido em parceria com a NASA, mas o que se viu foi uma sequência de problemas.

A fragilidade de um submersível como o Titan

Construído com fibra de carbono e titânio, o Titan pesa 10,4 toneladas e tem 6,7 metros de comprimento. Em ação, seus quatro propulsores alcançavam velocidade de até 5,5 km/h.

Não era um veículo autônomo, ou seja, dependia totalmente das informações da base para se movimentar. A operação era simplificada até demais: seu controle foi concebido a partir de um joystick semelhante ao de um videogame.

Em 2022, o jornalista norte-americano David Pogue participou de uma missão similar na OceanGate e se espantou com o que viu.

“Sem GPS, o navio de superfície deve guiar o submersível enviando mensagens de texto. Um submarino com controle do videogame Xbox”, descreveu. Pogue hesitou, pois leu nos termos de que o veículo “não havia sido aprovado ou certificado por nenhum órgão regulador” e que a jornada poderia causar “danos físicos, psicológicos ou morte”.

Com o sumiço da infraestrutura no noticiário, o famoso roteirista Mike Reiss, produtor de Os Simpsons, revelou que foi ao Titanic com a OceanGate e “perdeu a comunicação” com a base em todas as tentativas. “Pensei: talvez eu nunca mais saia dessa coisa”, lembrou. Quem escapou da tragédia foi o empresário português Mário Ferreira. Amigo do bilionário Harding, ele comprou um ticket em abril, mas desistiu da aventura. “Ainda bem que não fui”, declarou.

Águas perigosas

Em pleno processo de buscas, revelou-se que uma carta da Sociedade de Tecnologia Marítima dos EUA alertou a OceanGate sobre seus experimentos. O texto do ano de 2018 listava problemas de uma potencial “catástrofe”. Entende-se agora a preocupação da agência.

Em caso de incidentes — como o ocorrido — as hipóteses são de que a embarcação tenha ficado à deriva ou implodido.

“A quase quatro mil metros é tudo arriscado. Além disso, fica distante de um ponto de apoio próximo. Tudo isso dificulta muito.”
Engenheiro naval Silvio Eduardo Gomes de Melo

“É o tipo de atividade extremamente perigosa, onde o turismo não deveria ser permitido. Mergulhar nessa profundidade teria que ser restrito a profissionais que sabem o que fazer no caso de acidentes. Uma embarcação como essa tem que ter vários equipamentos de segurança”, completa Gomes de Melo, que é professor no curso de Engenharia Naval na Universidade Federal de Pernambuco.

Segundo relatos, o Titan tinha sete mecanismos do tipo, incluindo um que se ativava sozinho mesmo em caso de “inconsciência” da equipe.

Por isso, as suposições são de que o transporte teria enfrentado questões ligadas à pressão ou à escuridão total das profundezas.

“Quanto mais profundo e denso, menor a possibilidade de visualização”, considera a oceanógrafa Renata Gardelin. “As águas do Atlântico Norte são geladas e mais salgadas, portanto a densidade é alta. Logo, a possibilidade de afundar é ainda maior. Seu fundo oceânico é basicamente estável, em se tratando de questões tectônicas, mas ainda há o movimento natural das correntes marítimas e climáticas”, acrescenta ela.

O professor de Tecnologia da Anhanguera Santana, Luis Pacheco, explica a complexidade do equipamento: “A pressão é 500 vezes maior do que na superfície e, se houver rompimento na estabilidade da estrutura, o veículo pode ser esmagado como uma folha de papel”.

Na comparação, seria o equivalente à pressão do peso de 35 elefantes sobre os ombros. “Além do sistema por joystick, como são os controles de navegação e estabilidade? Quais as fontes de energia primárias e alternativas? Existe caixa-preta?” são as algumas das questões que ele levantou.

Segundo Alexander Turra, professor do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo, a regularização deve ser o foco das autoridades. “Não há padrões para essa atividade. É importante que isso seja criado. Mas quem seria responsável? A Organização Marítima Internacional, a princípio, teria de se debruçar sobre o tema. Por outro lado, como é uma atividade turística, a Organização Mundial do Turismo também precisa dialogar”, aponta ele, que é membro da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza, da Fundação Grupo Boticário.

No que se refere a responsabilidade, existe um tratado entre EUA e Reino Unido para proteger os restos do Titanic.

“Eles têm a guarda compartilhada desse patrimônio que está em águas internacionais. Então, embora seja necessário que agências se envolvam, esse acordo multilateral precisa ser considerado”, diz Turra.

Guarda Costeira dos EUA: destroços encontrados na região do naufrágio (Crédito:Handout / Getty Images North America )