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Entenda por que a TV do PT pode morrer na praia

Petistas querem a concessão de uma emissora de televisão para transmitir conteúdos ideológicos em rede nacional, mas proposta esbarra em limites legais e éticos no governo

Crédito: Ton Molina

PT de Gleisi Hoffmann quer uma emissora de TV para chamar de sua (Crédito: Ton Molina )

Por Samuel Nunes

O Partido dos Trabalhadores quer se tornar nos próximos anos autossuficiente em termos de comunicação com os brasileiros. Na semana passada, a legenda apresentou ao Ministério das Comunicações um pedido para criar uma rede de rádios e TVs, que será transmitida para todo o País, com o objetivo de alcançar a maior parte da população. A proposta, porém, força os limites da legislação eleitoral e as normas que regem as concessões de radiodifusão no País.

O projeto de construção de uma rede de rádios e emissoras de TVs do PT vem sendo conduzida pelo secretário de comunicação do partido, o deputado Jilmar Tatto (SP). O parlamentar também ocupa um cargo semelhante na Câmara dos Deputados, em Brasília.

Segundo ele, a ideia partiu de discussões internas na legenda, preocupada em divulgar as ideologias da esquerda às massas populares.

Historicamente, os dirigentes do PT e quase todos os políticos que já passaram pelo poder reclamam da atuação da imprensa, em especial dos veículos independentes.

Nos tempos mais recentes, eram comuns manifestações pedindo o fim de concessões das redes de comunicação não alinhadas ao governo Bolsonaro, por exemplo.

Ataques a emissoras de TV também eram comuns na época das gestões Lula e Dilma Rousseff. Ou seja, mudam apenas as cores das roupas dos que vão às ruas fazer tais protestos, que, no fundo, atingem a liberdade de imprensa e de expressão.

Em países ditatoriais como China, Cuba, Coreia do Norte e Rússia, também há controle oficial dos meios de comunicação, muitas vezes feito através de redes públicas que, geralmente, são a única opção disponível para a informação de suas populações.

Nos casos em que a ditadura prevaleceu, como no período do regime militar brasileiro, de 1964 a 1985, os governos impõem normas e ditam regras sobre como as notícias devem ser divulgadas, sob o risco de sanções, revogação das concessões e até prisão de jornalistas.

Apesar de parecer que deseja o controle da mídia, a proposta de criação da TV do PT vai em outra direção, mas também na contramão do mundo desenvolvido e democrático.

As concessões de rádio e TV, segundo Tatto, serão comandadas pela direção nacional do partido, mas deverá seguir as regras da radiodifusão brasileira. Ou seja, mesmo sendo petista, a rede transmitirá a propaganda política de outras legendas, conforme prevê a legislação eleitoral.

Sendo assim, nos intervalos, seria possível assistir a comerciais com Bolsonaro. Cabe ao Ministério das Comunicações encaminhar os pedidos de concessão, que, ao final, precisam ser aprovados pelo Congresso.

A cruzada petista em busca de audiência

O esforço se soma também à tentativa de ampliar a presença do PT nas redes sociais.

Indiretamente, o PT já tem uma TV dedicada a transmitir conteúdos relacionados a pautas que interessam ao partido. Trata-se da TVT, com sede em Mogi das Cruzes (SP).

A emissora pertence ao Sindicato dos Metalúrgicos do ABC Paulista, palco da origem política de Lula e do próprio partido, no fim dos anos 1970. No entanto, isso ainda não parece suficiente, pois a emissora não tem abrangência nacional.

Deputado Jilmar Tatto quer uma rede de TV e rádio para propagar ideias do partido (Crédito:Divulgação)

Limites legais do projeto

A proposta da TV petista vem a público no mesmo momento em que uma comitiva de membros do PT, liderada pelo secretário-geral da legenda, Henrique Fontana (RS), desembarca na China para uma visita de 12 dias ao país, a convite do Partido Comunista Chinês (PCC).

Os petistas vão conhecer mais sobre o papel do partido único no modelo de governança da China, que é a segunda maior economia do mundo e o principal parceiro comercial do Brasil.

Para o advogado André Marsiglia, especialista em Direito Constitucional e das Liberdades de Expressão e de Imprensa, a proposta do PT fere não apenas um ou outro artigo do Código Eleitoral, mas a essência do texto que rege as disputas políticas no País.

A legislação, explica ele, serve para garantir a paridade de armas entre partidos, concedendo tempos proporcionais de exibição nos meios de comunicação, de acordo com a representação das legendas no Congresso Nacional.

Dessa forma, um canal de um partido único seria inviável para a consolidação democrática no País.

Além disso, como o processo é quase exclusivamente administrativo, o ministro das Comunicações corre o risco de ser acusado de não promover o princípio da impessoalidade nos atos, ao conceder um benefício ao partido do presidente da República.

Outra consequência imediata é que a abertura de um canal do PT obrigaria o governo a conceder as mesmas concessões a todas as outras 31 legendas em funcionamento no País.

Proposta fadada ao fracasso?

Uma fonte do setor de radiodifusão ouvida por ISTOÉ acredita que a proposta tem pouca possibilidade de prosperar, não só pelo questionamento legal que envolve a concessão, mas pela falta de frequências disponíveis no País, sobretudo nas grandes cidades, como São Paulo ou Brasília, em que há mais de 20 canais. Sendo assim, ficaria praticamente impossível viabilizar a criação de mais 32 canais, caso todos os partidos reivindiquem a mesma proposta petista.

Outro problema, diz essa fonte, está relacionado ao conteúdo político. O partido dono de uma rádio ou TV, seja ele qual for, não dará espaço ao contraditório, prejudicando ainda mais o debate político no País, que já sofre nos últimos anos com a polarização extrema.

Tatto reconhece que a rede de radiodifusão do PT será apenas partidária, mas defende que outras legendas, mesmo de oposição ao partido, também busquem concessões para si.

O problema, porém, é que nem todos os partidos têm recursos para financiar a execução de um projeto tão grandioso, uma vez que os custos de empresas nesse setor é elevado, com equipamentos e profissionais para manter no ar um produto de qualidade mínima.

A proposta tem levantado questionamentos no Congresso. O partido Novo protocolou na quarta-feira, 14, uma ação popular na Justiça Federal de Brasília contra o pedido de concessão. O presidente da legenda, Eduardo Ribeiro, afirmou que “um partido político ter concessão de rádio e TV é algo tão surreal que nem sequer ditaduras que servem de inspiração para o PT foram tão longe”.