STF, drogas e os limites da lei

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Antonio Carlos Prado: "É vital distinguir o doente consumidor do criminoso traficante" (Crédito: Divulgação)

Por Antonio Carlos Prado

Para a consolidação, cada dia maior, do Estado de Direito no Brasil, não pode continuar sendo poder discricionário de autoridade policial afirmar se a quantidade de droga apreendida com alguma pessoa faz dela um consumidor ou traficante. Claro, há extremos sobre os quais nem cabe discussão. Alguém é detido transportando em uma mala, por exemplo, dez quilos de maconha, o bom-senso aponta para o tráfico. E idênticas ponderação e razoabilidade formam a convicção, mais uma vez como exemplo, de que dez gramas é para uso pessoal. De mesma forma, a quantificação do que é tráfico e do que é consumo próprio não deve permanecer de acordo com o humor do juiz.

Torna-se imperioso, assim, que o STF julgue o quanto antes o habeas corpus impetrado pela Defensoria Pública em nome de um prisioneiro que foi apanhado por agentes penitenciários portando três gramas de maconha dentro da cadeia. Tem como base o HC os princípios constitucionais de intimidade, vida privada, da honra e autodeterminação. O reflexo do resultado do julgamento será a admissão ou não da constitucionalidade do artigo da Lei Antidrogas que criminaliza o porte para consumo pessoal.

Até agora deram seus votos os seguintes ministros: Gilmar Mendes, que argumentou a favor da inconstitucionalidade do artigo; Luís Roberto Barroso e Edson Fachin, que igualmente consideraram o artigo inconstitucional. Barroso tocou em ponto essencial: definir, digamos que numericamente, o limite de quantidade que caracteriza o uso pessoal – em sua avaliação, baseada na experiência da Justiça de Portugal, 25 gramas deveriam ser a fronteira a separar consumo pessoal e tráfico. Quanto mais cedo o STF decidir e pacificar a matéria, tanto antes se mitigará eventual corrupção policial que tenta extorquir o usuário para não mandá-lo para a prisão como traficante. Essa é uma das boas consequências. A outra, igualmente importante, é que cairá o absurdo número de presidiários no Brasil.

Hoje são cerca de 910 mil presos, sendo 44,5% provisórios sem condenação, muitas vezes sem sequer serem chamados à audiência referente ao processo, tendo passado somente pela audiência de custódia. Desse total de encarcerados (o Brasil perde apenas para os EUA e a China), aproximadamente 50% estavam na posse de menos de cem gramas de maconha. Não se trata, aqui, em hipótese alguma, de fazer apologia ao consumo de sustâncias psicoativas — e muito menos, é óbvio, não se trata de apologia ao tráfico. Mas é vital distinguir o doente consumidor do criminoso traficante. O primeiro é caso de saúde pública e deve ser tratado do ponto de vista psiquiátrico e psicológico. O segundo tem mesmo de ser preso, julgado pelas regras do Devido Processo Legal e condenado.