Cultura

Palavra de mulher: literatura brasileira vive a era das poetas

Uma nova geração de poetas conquista o público com obras confessionais e atitude feminista. Milhões de livros são vendidos e suas autoras alcançam índices inéditos de popularidade

Crédito: Mauro Figa

Ana Martins Marques: finalista do renomado prêmio Oceanos (Crédito: Mauro Figa)

Por Felipe Machado

A escolha da poeta Fernanda Bastos e da crítica literária Milena Britto para a curadoria da Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), um dos maiores eventos do setor no País, diz muito sobre o momento atual das letras brasileiras. O anúncio feito na terça-feira 13 confirma que as mulheres não apenas ganharam um lugar de destaque, como estão na vanguarda de um formato que fez surgir nos últimos anos uma geração espetacular de talentos: a poesia.

“O fenômeno dessas jovens talvez tenha sido a maior conquista da literatura hoje”, escreve Heloisa Buarque de Hollanda na apresentação de Ninguém Quis Ver, de Bruna Mitrano.

“A linguagem poética masculina não se deu conta de que as mulheres têm saberes radicalmente diferentes.”
Heloisa Buarque de Hollanda

Nascida na periferia do Rio de Janeiro, em 1985, Bruna é uma das representantes de um movimento que ultrapassou os limites das páginas dos livros e ganhou as ruas e as redes sociais. Em 2016, ela estreou com Não, obra amarga e implacável sobre as dificuldades sociais da região em que crescera.

Em Ninguém Quis Ver, recém-lançado, transforma a sua realidade social em imagens vivas e duras: “Pela manhã empurrar/ lama com rodo / Enxaguar os panos / Enfiados nos pés das portas”, escreve em Rotina. Em Função, descreve a violência urbana: “Os trens do ramal Santa Cruz / Carregam na cabine do maquinista / As marcas dos tiroteios /dos quais ele não pôde fugir”.

A popularidade da poeta Ryane Leão é surpreendente. Após divulgar frases em cartazes de ruas e nas redes sociais e arregimentar quase um milhão de seguidores no perfil Onde Jazz Meu Coração, a cuiabana publicou Tudo Nela Brilha e Queima. Vendeu cinquenta mil exemplares, número excepcional para qualquer autor, ainda mais para uma estreante.

Ficou famosa ao participar de saraus e os jogos de slams, competições informais entre escritores. Jamais Peço Desculpas por me Derramar, seu livro mais recente, tornou-se outro sucesso de vendas.

Ryane tem trajetória semelhante à da canadense de origem indiana Rupi Kaur, sensação editorial em todo o mundo. Após sucesso na internet, ela vendeu mais de dez milhões de cópias de seu primeiro livro, Outros Jeitos de Usar a Boca.

A obra reflete sobre a depressão e a violência sexual sofrida pela autora, mas sem deixar de lado o bom humor. O resultado é uma mensagem poderosa que fez da Rupi uma improvável celebridade.

Em vez das tradicionais tardes de autógrafos em livrarias, ela promove eventos assistidos por centenas de pessoas, público que vê nela uma porta-voz que não se cala diante da adversidade.

A lista de jovens poetas de qualidade é grande, mas o nome da mineira Ana Martins Marques vem se destacando pelo reconhecimento não apenas do público, mas também da crítica.

Seu livro Da Arte das Armadilhas venceu o prêmio da Biblioteca Nacional; O Livro das Semelhanças ficou em terceiro lugar no prêmio Oceanos, um dos mais renomados da língua portuguesa; em 2022, com Risque Esta Palavra, Ana Martins voltou a ficar entre os finalistas.

As outras concorrentes reforçam a importância das autoras brasileiras na atualidade: Tatiana Salem Levy, Maria Fernanda Maglio e Micheliny Verunschk foram indicadas — Micheliny ficou em terceiro lugar com o romance O Som do Rugido da Onça.

Outra brasileira agraciada com o Oceanos foi Marília Garcia, com Câmera Lenta. Em seu novo livro, Expedição: Nebulosa, a carioca se concentra na figura mitológica da ninfa Eco como metáfora para suas próprias relações afetivas.

Embora dedicadas a temáticas bastante distintas, frutos dos desafios que se apresentam nos novos tempos, essa geração segue os passos de grandes nomes do passado, como Cecília Meirelles e Ana Cristina César.

Em um País com ídolos que vão de Carlos Drummond de Andrade e Ferreira Gullar a João Cabral de Melo Neto e Vinícius de Moraes, é bom lembrar que as poetas têm um passado de respeito e um presente arrebatador — além de um futuro certamente brilhante.

Sylvia Plath: entre a escrita e o mito

Sylvia Plath: pioneira na defesa do feminismo (Crédito:Divulgação)

Impossível falar de jovens poetas femininas sem lembrar de Sylvia Plath, a norte-americana que foi uma das vozes mais originais do século 20 e teve a vida interrompida de maneira trágica aos 30 anos. Com tradução de Marília Garcia, sua obra completa é lançada agora na edição bilíngue Poesia Reunida. Abrange seus dois livros de poemas — O Colosso (1960) e Ariel (1965), publicado postumamente —, e outros quarenta e dois textos produzidos entre 1954 e 1963.

Difícil separar a obra de Sylvia Plath de sua vida, pois o suicídio criou um verdadeiro culto ao redor de seu nome. Hoje é impensável dissociar seus textos de sua tragédia.

O relançamento da obra, porém, permite rever suas reflexões sobre a angústia com distanciamento, o que apenas confirma a qualidade e profundidade dos poemas.

Da dedicação acadêmica a Fiódor Dostoiévski ao casamento problemático com o poeta inglês Ted Hughes, tudo que ela viveu transpareceu em suas palavras.

Ainda que em outro contexto, Sylvia Plath foi pioneira no feminismo e no tom confessional que influenciou e marca hoje o estilo de muitas poetas brasileiras.