Economia

Uma segunda chance para suas roupas

Prática conhecida como reutilização criativa, o upcycling une economia e sustentabilidade, com a elaboração de produtos novos a partir do que já existia

Crédito: Gabriel Reis

Para Laura, adaptar as roupas de membros da família é uma forma de se aproximar da própria história: para fazer a sua jaqueta, usou uma antiga do pai (Crédito: Gabriel Reis )

Por Duda Ventura

Olhe no guarda-roupa: quantas peças não são utilizadas há algum tempo? Muitas delas, se repaginadas, poderiam voltar a fazer parte da rotina, para o bem do bolso e do meio ambiente. Há uma infinidade de mudanças possíveis: jaquetas viram saias ou calças se modificam em cintos.


Nas peças da Utrópica são usadas madeiras excedentes da indústria e prata reciclada de aparelhos eletrônicos (Crédito:Divulgação)

O upcycling, ou “reutilização criativa”, consiste em encontrar novas formas de utilizar materiais, estendendo sua vida útil. A confusão entre o processo e a reciclagem é comum.

Apesar de ambos serem formas sustentáveis de lidar com a enorme produção de lixo no planeta, eles se diferenciam no tipo de manejo: enquanto o upcycling apenas altera os materiais superficialmente, transformando-os em produtos com maior valor agregado, por envolver a criatividade, a reciclagem inclui processos químicos.

“No começo, eu não tinha muita visão. Só garimpava por achar as peças bonitas, mas passei a ir a brechós e bazares beneficentes com um olhar voltado para a qualidade”, explica a catarinense Gabrielle Pilotto, diretora criativa da marca Ventana.

Fundada em 2020, a empresa sempre teve entre seus pilares a preocupação ambiental e social. A Ventana produz roupas a partir de tecidos comprados em pequenos comércios e de resíduos da indústria têxtil. Sobre a competitividade com as lojas de fast fashion, ela afirma que, economicamente, é desleal.

“O tamanho da produção das grandes lojas e as condições de trabalho permitem que eles abaixem os preços. Nosso diferencial é a preocupação com cada pessoa que produz cada peça e o entendimento da origem dos materiais utilizados. Trabalhamos com propósito, não tendências, porque elas vão e vêm, mas o propósito fica.”

Peças de brechós e bazares são unidas e desconstruídas na produção das roupas da Ventana (Crédito:Divulgação)

A prática, porém, é mais antiga do que a febre atual: costureiras de todo o País, há décadas, empenham-se na customização de peças e em moldá-las ao gosto de cada pessoa.

Para a paulista Laura Luz, o upcycling sempre simbolizou a conexão entre os membros da sua família, em especial as mulheres. “Eu não acredito em roupas descartáveis. Minha avó, tias e mãe sempre me ensinaram que a roupa não precisa estar perfeita, só ter potencial.”

Laura conta que uma de suas peças favoritas é um casaco que pertenceu ao pai durante a infância. Com a maturidade, o agasalho amarelo foi parar na casa da filha e sofreu mudanças para se encaixar ao seu estilo, sempre passando pelas mãos e máquina de costura da mãe. “Roupas como essa são mais bonitas e especiais porque já foram importantes para outras pessoas que amo também.”

Celebridades também vêm se engajando na causa. Um exemplo é Angelina Jolie, atriz e ativista humanitária, referência no universo fashion, que anunciou recentemente o Atelier Jolie – ainda sem data de lançamento.

De acordo com o site do projeto, “refugiados e outros grupos talentosos e subestimados, com posições de dignidade baseadas na habilidade” devem se unir na produção criativa de peças sustentáveis. A atriz já atraiu para sua “comunidade criativa” grifes de peso, como a francesa Chloé.

A atriz Angelina Jolie busca soluções para o desamparo de refugiados em novo projeto fashion, recorrendo à produção de peças sustentáveis (Crédito:Andrew McConnell)

Para os que procuram montar visuais completos baseados na sustentabilidade, no setor dos acessórios o upcycling também entra na escolha dos materiais.

O artesão capixaba Lucas Pessôa utiliza a técnica de marchetaria – união de diferentes pedaços de madeira – em sua loja, Utrópica. “São nove anos de marca e sempre acreditei que ao comprar um produto não se pode só ir numa loja e sair com uma sacola.

É preciso conhecer quem produziu aquilo.” Ele busca valorizar os grafismos indígenas em uma produção que define como “brasileira mesmo”.

O movimento de beleza sem resíduos levou a empresária gaúcha Ana Koff a procurar “o ápice da sustentabilidade”. Com sua marca Ziel, além de produzir cosméticos em barra para evitar plástico na embalagem, ela se tornou pioneira na reutilização dos insumos.

Para produzir suas bombas de banho, utiliza cascas, sementes e cristais descartados por vinícolas do sul do País. Sua empresa já recebe incentivos do Estado por seu caráter inovador, e Ana acredita que esse é um movimento que deverá crescer cada vez mais: “O que podemos utilizar no upcycling? Tudo!”

* Estagiária sob supervisão de Thales de Menezes