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República de Alagoas: entenda como a briga local impacta Brasília

Um dos homens mais poderosos do País, Arthur Lira leva à Praça dos Três Poderes a querela paroquial que mantém com o conterrâneo Renan Calheiros. Ele exige que Lula demita o ministro Renan Filho

Crédito: Suamy Beydoun

Calheiros chama Lira de “caloteiro” e conta os dias para vê-lo fora do comando da Câmara (Crédito: Suamy Beydoun)

Por Gabriela Rölke

O poderoso presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), deixou sua Maceió natal em 2011, quando foi eleito para seu primeiro mandato de deputado federal. Está passando, assim, doze dos seus 53 anos de vida no Distrito Federal. Ocupa uma das cadeiras mais cobiçadas da República. É o segundo na linha de sucessão do presidente, e sempre que pode deixa claro que é ele quem dá as cartas no Congresso. Dono do Centrão, segue com a faca no pescoço de Lula tentando retomar o protagonismo que teve durante o governo Bolsonaro, quando, de posse da chave do cofre do orçamento secreto, atuava como uma espécie de primeiro-ministro, dando a última palavra sobre a distribuição dos recursos. Mas, a despeito de tanto poder, Arthur Lira se deixa dominar por questões paroquiais de Alagoas, seu estado de origem: para atingir o conterrâneo Renan Calheiros (MDB-AL), senador e ex-presidente do Senado, de quem é inimigo figadal, vem pedindo a cabeça do titular do Ministério dos Transportes, Renan Calheiros Filho.

O pedido de exoneração do ministro está no pacote de pleitos que o presidente da Câmara pretende ver atendidos pelo Palácio do Planalto, ao lado de mais emendas e cargos. É a política local de um estado com 3,3 milhões de eleitores, refletindo nos rumos do País.

A troca de socos abaixo da linha da cintura entre Arthur Lira e Renan Calheiros não é de hoje. Além da pressão pela demissão de Renan Filho, o presidente da Câmara teria operado para impedir que Renan pai assumisse a relatoria da CPMI do 8 de janeiro, para a qual estava cotado.

Tirou dele a chance de brilhar como ocorreu na CPI da Covid, em 2021, quando o cacique do MDB relatou os desmandos e a inépcia de Bolsonaro na condução da pandemia.

O ex-presidente do Senado também dispara suas baterias em direção ao desafeto: em redes sociais, chama Lira de “tiranete” e “caloteiro”, entre outros impropérios.

Recentemente, acusou-o de “desvios, chantagens, achaques, golpismo, agressão contra a mãe dos filhos”. E não esconde que conta os dias para ver o inimigo fora da presidência da Câmara. “Faltam 610 dias para ser despejado do trono”, postou no dia 30 de abril. “Estou na contagem regressiva”.

Arthur Lira classifica como “desinformação” a versão de que teria pedido a cabeça do filho de Renan (Crédito: Sergio Lima )

Acusações de fraude e lavagem de dinheiro

Também tem origem em Alagoas outra história que assombra Lira. A Polícia Federal investiga, no âmbito da operação Hefesto, os crimes de fraude em licitação e lavagem de dinheiro na compra superfaturada de kits de robótica para escolas públicas de municípios alagoanos com recursos do orçamento secreto, o que pode ter causado um prejuízo de R$ 8,1 milhões aos cofres públicos.

À GloboNews, o presidente da Câmara disse que não tem “absolutamente nada a ver” com o episódio e que “cada um é responsável pelo seu CPF”. São quatro os aliados de Lira na mira da PF — entre eles Luciano Ferreira Cavalcante, que até ser demitido da liderança do PP na Casa, no dia 2, era um dos principais auxiliares do deputado.

Cavalcante preside o União Brasil em Alagoas, diretório dominado pelo grupo político do presidente da Câmara. Há suspeitas de que ele e a mulher, Glaucia Cavalcante, também ex-assessora de Lira, tenham recebido parte dos recursos desviados por meio da Megalic, que fornecia os kits de robótica.

A empresa tem como um dos sócios Edmundo Catunda, pai do vereador de Maceió João Catunda (PP), outro aliado de Lira. Além disso, o deputado utilizou em sua campanha eleitoral de 2022 uma picape Toyota Hilux preta que foi flagrada pela PF em uma entrega de dinheiro cuja origem seria o esquema dos kits.

O veículo pertence ao policial civil e empresário Murilo Sergio Juca Nogueira Junior. Foi em um endereço ligado a Nogueira em Maceió que a PF encontrou um cofre abarrotado com R$ 4,4 milhões em espécie.

PF encontrou cofre lotado de dinheiro com aliado de Lira em Maceió (Crédito:Divulgação)
Ex-assessor do presidente da Câmara, Luciano Cavalcante é investigado pela PF por fraude na compra de kits de robótica (Crédito:Divulgação)

Em Alagoas, Lira tem tentáculos também na superintendência da Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU), onde o União Brasil dá as cartas.

No comando regional da empresa está Carlos Jorge Ferreira Cavalcante, irmão de Luciano Cavalcante, o fiel escudeiro do deputado. Na terça-feira 6, conseguiu se livrar, no STF, de uma denúncia por corrupção passiva. Era acusado de ter recebido, em 2012, propina paga por um dirigente da CBTU.

A decisão da Corte é um refresco para Lira, que tem passado os últimos dias tentando administrar a crise iniciada com a operação Hefesto. Ele acredita que o tiro partiu do Palácio do Planalto, em resposta à sua tentativa de medir forças com o presidente Lula. O governo nega. O fato é que, com tantas ligações perigosas, é difícil saber de onde vem o chumbo.