Brasil

Reforma ministerial caminha para a fase ‘vai ou racha’

Sem base de apoio sólida e com o risco de ter suas pautas desfiguradas no Congresso, Lula é obrigado a entrar na articulação política e ceder ao Centrão, reorganizando a Esplanada dos Ministérios. Arthur Lira dá demonstração de força, mas se aproveita das falhas do próprio governo

Crédito: Mauro Pimentel

Arthur Lira e Lula se reuniram segunda, 5, para discutir a relação da Câmara com o Planalto: o presidente admitiu trocas na Esplanada (Crédito: Mauro Pimentel)

Por Marcos Strecker e Samuel Nunes

Com menos de seis meses gestão, a Esplanada dos Ministérios parece representar um governo em fim de mandato, dizem os críticos. Os principais ministros têm dificuldade em encaminhar as pautas do governo, há muito zunzunzum no segundo e terceiro escalões e o Congresso invade as competências do Executivo, tentando redesenhar os ministérios como se Bolsonaro ainda estivesse no Planalto.

O ponto máximo desse bate-cabeças aconteceu no final de maio, quando o Centrão, com a ajuda da empoderada bancada ruralista, tentou desmontar a agenda ambiental da nova gestão e rifar os ministérios desenhados na transição.

Lula conseguiu reverter esse movimento e conteve os danos. A Medida Provisória que chancelou a estrutura do Executivo praticamente preservou a Esplanada como o governo queria e Marina Silva teve suas diretrizes no Ministério do Meio Ambiente reafirmadas pelo mandatário no dia do Meio Ambiente, na última segunda-feira, 5.

A ministra tinha sido a crítica mais estridente do perigo de retrocesso, mas parece ter se sentido reassegurada de que a ameaça de desmonte foi afastada, segundo pessoas próximas.

Reforma em curso

Depois de entrar em campo e conversar com Arthur Lira na última segunda-feira, em encontro fora da agenda, o presidente começa a antecipar as mudanças que ocorrerão, apesar de negar, oficialmente, que uma reforma ministerial esteja em curso.

Entre os ameaçados mais imediatos no primeiro escalão estão Daniela Carneiro e Juscelino Filho, ministros do Turismo e das Comunicações, respectivamente. Os dois são filiados ao União Brasil. O partido, que surgiu da fusão entre o DEM e o PSL, está longe de agregar votos para o governo, sobretudo porque muitos integrantes são declaradamente bolsonaristas.

Além disso, ambos não satisfazem a base da legenda, que quer mais espaço no governo. Daniela é a que está mais perto de perder o posto. Ela foi uma indicação da cota pessoal de Lula, para satisfazer o marido dela, Wagner Carneiro, prefeito de Belford Roxo, na Baixada Fluminense, um dos poucos a apoiar o PT na última eleição em um território dominado pelo bolsonarismo.

Ambos foram eleitos pelo União, mas estão de mudança para o Republicanos – a nova legenda, porém, já disse que não tem interesse em mantê-la no cargo, pois não quer se alinhar ao Planalto.

Sob condições normais, Daniela já poderia ter sido demitida, depois que foram reveladas supostas ligações dela e do marido com integrantes de uma milícia em Belford Roxo. O caso ainda está sob investigação. Ela nega a proximidade com o grupo criminoso.

Alcolumbre e Zanin

Já Juscelino Filho chegou ao cargo por indicação de Davi Alcolumbre, senador do União que conseguiu emplacar três nomes na nova gestão. Ele preside a Comissão de Constituição e Justiça da Casa, responsável por iniciar o andamento de projetos vitais na Casa, o que explica em parte seu poder de influência.

É nesse colegiado que será referendado nos próximos dias o advogado Cristiano Zanin para a vaga de Ricardo Lewandowski, no Supremo Tribunal Federal. Cabe exclusivamente a Alcolumbre pautar a sabatina com o escolhido.

Por enquanto, a sessão na CCJ deve ocorrer no dia 14 de junho, mas isso pode mudar até lá. Essas condições fazem com que Lula tente não desagradar o senador.

A aproximação com o União Brasil, dada a origem da legenda, sempre foi criticada por apoiadores mais próximos de Lula. O finado PSL foi o partido que ajudou a eleger Jair Bolsonaro, em 2018. Enquanto o DEM sempre teve deputados e senadores alinhados com o ex-presidente.

Nas últimas eleições, por exemplo, embora tivesse lançado candidatura própria à Presidência, vários postulantes aos governos estaduais pediram votos a Bolsonaro.

Apesar de a legenda ainda patinar para entregar votos ao governo no Congresso, o seu presidente, Luciano Bivar, afirma que não se coloca no campo oposto. “O União Brasil não é oposição ao governo. A gente reconhece que o Planalto está procurando se relacionar melhor com o Congresso, reconhece as pastas que temos”, disse.

O trabalho dos ministros Rui Costa e Alexandre Padilha no Congresso tem sido alvo de críticas (Crédito:Ton Molina)

Ministros na corda bamba

Também estão na mira de deputados e senadores os ministros Rui Costa (Casa Civil) e Alexandre Padilha (Relações Institucionais), responsabilizados pelos fiascos no Congresso. Eles têm recebido críticas públicas até de aliados.

Costa, principalmente, agravou sua situação ao criticar Brasília recentemente, chamando o Distrito Federal de “ilha da fantasia”. A escorregadela não passou em branco para Lira, que aproveitou para alfinetá-lo.

No entanto, por serem ministros próximos de Lula, com assento no Planalto, os dois podem escapar da degola, já que a eventual queda poderia ser interpretada como sinal de fraqueza do mandatário.

O presidente, desde o começo, tem alegado que precisa de mais deputados e senadores para conseguir governar. Na semana passada, ele reconheceu publicamente a fragilidade no Congresso e lembrou que o PT tem apenas 69 deputados.

Cada votação você tem de conversar com todos os deputados. Nenhum deles é obrigado a votar naquilo que o governo quer, do jeito que o governo quer. O deputado pode pensar diferente, pode querer fazer uma emenda, querer mudar um artigo, e nós temos de entender que isso faz parte do jogo democrático. Não é o Congresso que precisa do governo. Do jeito que está a Constituição brasileira, é o governo que precisa do Congresso”, afirmou.

Essa aula de “realpolitik” não seria necessária se o governo estivesse mais afinado com os aliados. Até agora, nas principais derrotas no Legislativo, o Planalto perdeu votos justamente entre legendas que compõem a Esplanada dos Ministérios.

Poder de lira

O principal problema para Lula, no entanto, está na grande força de Lira, que teve na última legislatura um poder desproporcional garantido por Jair Bolsonaro e abastecido pelo orçamento secreto. Essa aberração antirrepublicana foi extinta pelo STF, mas boa parte das verbas que já estavam destinadas aos parlamentares pelas chamadas emendas de relator ainda estavam nos planos de Lira.

Elas seriam realocadas para as emendas de bancada, segundo os interesse dos parlamentares e em acordo com os ministérios. Esse foi o acordo do presidente da Câmara com o novo governo que garantiu a PEC da transição no ano passado e preservaria a governabilidade na nova gestão petista.

Mas a destinação desses recursos ainda é fonte de atritos. Boa parte dos revezes recentes no Congresso ocorreram porque o Ministério da Educação sinalizou que manteria o controle sobre a distribuição de recursos, contrariando o grupo de Lira. O presidente da Câmara também busca espaço para o PP junto ao governo, embora isso desagrade colegas ouvidos por IstoÉ.

Lira estaria trabalhando para colocar um indicado no Ministério da Saúde, apesar de dizer publicamente que não tem interesse em cargos na Esplanada. Nesse caso específico, Lula precisa contornar a resistência dos partidos da base, pois a atual ministra, Nísia Trindade, é uma técnica respeitada.

Reconhecida pelo trabalho à frente da Fundação Oswaldo Cruz, ela encerrou um período em que a pasta esteve dominada por militares, que atravancaram o processo de vacinação no período mais agudo da pandemia.


Presidente do União Brasil não está satisfeito, apesar de ter três ministros de seu partido no governo (Crédito:Mateus Bonomi )

A despeito da pressão sobre o Planalto, Lira tem ajudado o governo a aprovar parte dos projetos que são de seu interesse. Um exemplo foi a MP dos Ministérios.

Embora a matéria tenha saído diferente das pretensões de Lula, foi graças ao presidente da Câmara que se chegou a um acordo com os líderes, garantindo que a medida provisória seguisse o rito normal.

O trabalho foi reconhecido publicamente pelo deputado José Guimarães (PT), líder do governo na Casa. Por causa disso, o governo tenta não melindrar Lira, apesar da crise aberta com as investigações da PF sobre kits de robótica, episódio em que um auxiliar direto do presidente da Câmara foi preso.

Lula tentou convencer o alagoano que a investigação foi aberta no ano passado e que não tinha a intervenção do Planalto. Resta saber se Lira acreditou. Muitos enxergaram o seu dedo na convocação de Flávio Dino (Justiça), a quem a estrutura da PF é subordinada, para depor na CPMI dos Atos Antidemocráticos.

Lula em campo

Na própria segunda-feira, Lula tentou sem sucesso reunir líderes dos partidos, mas não conseguiu viabilizar o encontro. Reuniu-se, em vez disso, com senadores aliados, como Renan Calheiros (MDB), Jaques Wagner (PT), Otto Alencar (PSD), Fabiano Contarato (PT) e Izalci Lucas (PSDB).

Participaram também o líder no Congresso, senador Randolfe Rodrigues, e os ministros Alexandre Padilha e Rui Costa. Lula transmitiu a eles a conversa com Lira e tentou aparar arestas.

Por exemplo, tentou baixar a fervura nas disputa entre Renan e Lira, adversários figadais em Alagoas. Apesar de não admitir, Lira tenta remover o filho de Renan, o ministro Renan Filho, da pasta dos Transportes.

O quebra-cabeça ministerial deve tomar muito tempo do presidente nas próximas semanas. Até agora, entre os nomes que lideram a bolsa de apostas na Esplanada está Celso Sabino (União). Caso seja nomeado por Lula, deverá assumir a pasta do Turismo, no lugar de Daniela Carneiro.

Para a vaga de Juscelino Filho, ainda não há um nome definido. Por fora, corre a possível indicação de Elmar Nascimento (União), com quem Lula já se reuniu recentemente.

O deputado conseguiu emplacar o presidente da Codevasf, Marcelo Andrade Moreira Pinto, que já presidia a estatal no governo Bolsonaro. Apesar da troca de mandatário no Planalto e dos sucessivos escândalos de corrupção na companhia, ele foi mantido no posto.

Elmar esbarra, porém, em uma rixa local com Rui Costa. Nas últimas eleições, eles estiveram em campos opostos no estado e trocaram diversas acusações. Isso, por outro lado, faz a posição de Costa ficar ainda mais fragilizada.

Um dos dramas de Lula na reforma é não desagradar o senador Alcolumbre: em jogo a sabatina de Zanin (Crédito:Bruno Rocha)

Enquanto as negociações tentam garantir um horizonte mais tranquilo para o Planalto, Lira pretende demonstrar novamente a força que tem sobre os deputados com a aprovação da Reforma Tributária, que deve ser votada, segundo ele, até julho. Na última terça-feira, o relatório foi lido no Plenário, sob elogios de parlamentares de todas as esferas ideológicas.

É nas pautas econômicas que o governo tem colhido suas únicas vitórias, já que o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, tem dialogado com a oposição e costurado propostas com o centro e o setor produtivo. Este talvez seja o caminho para o governo. Mas daí falta combinar com a ala mais radical do PT, que ainda mora no coração do presidente.