Comportamento

O mistério das orcas

Ataques a barcos na costa de Portugal e Espanha desafiam os biólogos marinhos, que não sabem explicar a mudança no comportamento dos cetáceos na região

Crédito: Michael Nolan

Aumento de barcos com turistas: possível causa para a alteração nos hábitos da espécie (Crédito: Michael Nolan )

Por Denise Mirás

Nem baleias são, quanto mais assassinas. Como seus parentes golfinhos, as orcas são brincalhonas, inteligentes e curiosas — e também têm dentes, ao contrário das baleias. Talvez por isso a espécie tenha sido escolhida como vilã do filme Orca, a Baleia Assassina, de 1977, produção lançada no rastro do estrondoso sucesso de Tubarão, em 1975. Em relação aos ataques de orcas a humanos, no entanto, só se conhecem quatro casos, com duas mortes, ocorridas em shows aquáticos na década de 1990 que contribuíram para apressar o risco de extinção da espécie.

É por isso que os biólogos marinhos estranharam quando orcas começaram a arremeter contra barcos no Estreito de Gibraltar e nas costas da Espanha e de Portugal.

Fúria ou brincadeira, o desafio agora é tentar desvendar as causas desse comportamento.

Violência como protesto?

Ataques a barcos — e não a humanos — se fizeram mais recorrentes na região a partir de 2019. De 2020 para cá foram catalogadas centenas de interações, que resultaram em três naufrágios, em maio, com quebras de leme e perfuração de cascos, e um episódio de perseguição.

O curioso caso do iate Mustique foi testemunhado pela ambientalista April Boyes, que estava a bordo. Poucos dias antes, Werner Schaufelberger, comandante do veleiro Alborán Champagne, havia reportado um “ataque coordenado”. Duas orcas jovens atingiram o leme do barco, enquanto uma adulta jogava seu corpo com toda a violência contra a lateral do barco.

Nesse semestre, já são vinte incidentes semelhantes em Gibraltar e dezenas de outros nas costas da península ibérica. Desde 2020 o Atlantic Orca Working Group (GTOA) já catalogou 500 eventos.

Orca: fama de animal violento insuflada pelo cinema (Crédito: Michael Nolan)

Estariam as orcas apenas brincando? Essa é uma das teorias de especialistas, que em 1987 chegaram a avistar uma fêmea usando um salmão morto “como um chapéu” — a moda “pegou” entre outras orcas e se manteve até o verão seguinte.

Há relatos de brincadeiras parecidas com pássaros no Ártico, com algas levadas no Alasca por nadadeiras e na boca, e mesmo com águas-vivas na Noruega.

Se visto como agressão, porém, o comportamento poderia ser causado pela menor disponibilidade de alimentos, mudanças climáticas, aumento do número de barcos ou a presença da tinta preta aplicada para impedir cracas nos cascos.

É citada ainda a influência de uma orca conhecida como “Gladis”, animal com cicatrizes causadas por emaranhamentos de redes de pesca, que estaria ensinando animais jovens a “se vingar”.

O Instituto de Conservação da Natureza da Marinha Portuguesa registra relatos de avistamentos para estudos e implantação de um “Alerta Orcas”.

Dan Olsen, da North Golf Oceanic Society do Alasca, diz que “é difícil colocar orcas em uma ressonância magnética” para estudar suas atividades cerebrais. “Não é fácil explicar nem o comportamento dos humanos”, comparou.