Check-up moral

Crédito: Divulgação

Mentor Neto: "Ainda não consegui me recuperar da última vez que me matriculei numa academia" (Crédito: Divulgação)

Por Mento Neto

No início de junho é quando realizo meu check-up anual.

Na verdade, é em maio, mas dedico os primeiros trinta dias para emagrecer um pouco, e me enganar, enquanto tomo coragem.
Não é medo de agulha, não.

É preguiça mesmo.

Preguiça de ver os resultados e pensar o quanto me trato mal nos outros 11 meses do ano.

Uma sensação única de desesperança.

Mas esse é o preço de ser gordo e indisciplinado com um garfo na mão.

Alias, se tem uma coisa que me irrita é essa gente gorda que diz:

— Eu sou gordo, mas meu colesterol é de uma criança!

Só se for uma criança obesa mórbida, meu amigo.

Quem você quer enganar?

Gordos são assim mesmo, a ciência comprova.

São alegres, bonachões, até o momento de ver os exames.

Sofrem de Depressão pós-Exames.

Os meus têm tantos números em vermelho que parecem uma prova de matemática do 5º ano.

Um desastre.

Levo ao médico que lê o resultado fazendo não com a cabeça, em silêncio.

Médico que faz não com a cabeça nunca é uma boa notícia.

Terminada a leitura, o doutor atira os papéis sobre a mesa com desprezo e inclina a cadeira para trás.

— Bonito, hein?

É meu médico há muitos anos. Não tem mais nenhuma ilusão de que seus conselhos serão seguidos.

Eu tento convence-lo.

— Vamos lá doutor. Agora eu vou me cuidar, prometo.

Ele não responde.

Pega um receituário e começa a rabiscar suas indicações.

— Não vou dar remédios, nem dieta, porque o mais importante agora é você…

— …mudar completamente os seus hábitos. – eu completo.

Ele levanta os olhos, sério.

— É que o senhor já me disse isso no ano passado…

— No retrasado também.

— Verdade.

Ele volta a escrever, visivelmente desmotivado.

No dia seguinte, decido ir à academia, para impressiona-lo e mostrar que estou me esforçando.

Vou apenas para conhecer, claro. Ainda não estou preparado para começar.
O fato é que ainda não consegui me recuperar da última vez que me matriculei numa academia.

Lembro que quando cheguei, no primeiro dia, fui muito bem recebido.

Um sujeito se aproximou de mim com uma prancheta, todo pirilampo.

— Olá! Meu nome é Calvin e vou cuidar de você.

— Calvin, se você quer mesmo cuidar de mim, vamos fazer assim: você faz as minhas séries e quando terminar, me chama ali na churrascaria, combinado?

Ele não entendeu que eu estava brincando.

Ficou me olhando com o mesmo desprezo que os outros alunos quando me viram tentar passar pela catraca.

Academia não deveria ter catraca.

A partir desse dia minha relação com o Calvin nunca mais foi a mesma.

Nem com ele, nem com os outros alunos, que claramente assumiram o lado do professor.

Duas moças que treinavam ao nosso lado me olharam dos pés à cabeça e se afastaram com um misto de nojo e irritação.

Ainda consegui frequentar a tal academia umas quatro ou cinco vezes.

Tinha feito um plano de 6 meses, então, além da humilhação, ainda tive que arcar com o prejuízo financeiro.

Entendem porque ainda não me sinto preparado para me matricular novamente?

Mas a visita, pelo menos, tomei coragem e fiz.

Não na academia do Calvin, claro. Aquela tenho vergonha de voltar.

Fui numa outra, recém inaugurada, perto de casa, para que eu não tenha desculpa de faltar, disse um amigo magro.

Tudo na academia é novo, menos eu. Equipamentos importados, ar condicionado central, barzinho vegano. Um charme. A moça da recepção me leva para dar uma volta e me apresenta para o supervisor. Ele se vira em câmera lenta.

É o Calvin.

Ô destino maldito. Depois não sabem porque sou gordo.