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Ansiedade, o fenômeno que abala o Brasil

Transtorno de ansiedade, diagnosticado em um a cada dez brasileiros, é triplicado em número de casos entre jovens e população economicamente ativa. Antes que se torne paralisante ou evolua para outras enfermidades, é preciso reagir, pois há cura. Entenda quando se torna doença, quais são os tipos, como ela age e como se blindar

Crédito: Istockphoto

Ansiedade: distúrbio ainda é tabu, o que dificulta a cura, que pode ser mais fácil do que se imagina (Crédito: Istockphoto)

Por Luiz Cesar Pimentel e Ana Mosquera

Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), um contingente de 18,6 milhões de brasileiros (ou 9,3% da população) coloca o País na liderança entre as nações mais ansiosas do planeta. Um dado que seria alarmante sozinho, mas está agravado pelo crescimento de casos. Acompanhamos uma explosão recente de transtornos de ansiedade detectados entre crianças e adolescentes, e no universo corporativo, o que faz das escolas e dos escritórios terrenos férteis para a proliferação desse estado emocional em sua pior versão.

Entre os deflagradores do transtorno estão problemas que são evidentes e inquestionáveis, como o cenário incerto na economia, o avanço do desemprego e os casos de violência que passaram a levar colégios e creches às páginas policiais. Mas um aspecto assombra silenciosamente a gravidade do surto – o uso indiscriminado e excessivo das telas, no ambiente competitivo das redes sociais.

A seguir, você encontrará as causas mais prováveis da doença e sugestões de soluções para proteger a si e à sua família dessa verdadeira epidemia que assola o País.

Danielle Santos Oliveira, 17 anos, estudante: nos livros, um caminho para alcançar a serenidade (Crédito: André Lessa) (Crédito:André Lessa)

“Sou apaixonada por literatura. É uma fuga do mundo real. Quando estou lendo, não sou mais a Danielle, sou uma personagem do livro. Não fico pensando em outras coisas. É como se a minha cabeça ficasse mais calma.”
Danielle Santos Oliveira, 17 anos, estudante

O estudante Marco Di Leva Parpinel, 13 anos, diz que os sintomas de ansiedade remetem à infância: “Eu me sentia eufórico, com uma pressão sobre mim. Tinha dor de cabeça e acabava comendo mais”. Após ser diagnosticado em 2021 e realizar tratamento com ansiolítico, é no basquete que alivia as crises que o desestabilizam, quando chega a morder os dedos e balançar o corpo.

Ele integra um dos dois grupos de brasileiros que mais foram afetados pela explosão de transtorno de ansiedade: crianças e adolescentes, com índice de 36% de diagnósticos, segundo o Instituto de Psiquiatria da USP.

Sabrina Souza da Silva Santos, 27 anos, é um caso diferente. Sócia de uma agência de marketing, ela começou a sentir os sintomas em 2016, com a chegada das cobranças profissionais. Depois de encarar psiquiatras e fortes remédios, encontrou na hipnose e na fitoterapia soluções para os picos que envolvem dor no peito, tremedeira, pânico, choro e falta de ar.

Ela faz parte do segundo grupo que mais sofre com o tsunami de angústia – 32% dos profissionais empregados brasileiros. Esses números colocam o País em posição ainda mais destacada no ranking global da ansiedade.

Ao atingir um a cada dez habitantes – registarndo mais do que o triplo dessa intensidade entre a juventude e a população economicamente ativa –, a ansiedade superou duas das doenças que mais acometem os brasileiros, diabetes e patologias coronárias.

Marco Di Leva Parpinel, 13 anos, estudante: atividade física para acalmar a agitação mental (Crédito: João Castellano)

“Eu já fiz tratamento com remédio e hoje faço esporte, jogo muito basquete. Isso ajuda muito, porque distrai a minha mente, além de desenvolver meu corpo. Melhora muito a cabeça, que não fica pensando nas coisas. O que mais quero é deitar na cama e dormir tranquilo.”
Marco Di Leva Parpinel, 13 anos, estudante 

Todos os números referentes ao transtorno de fundo emocional são superlativos, mas as causas são poucas e comuns. Considerado o recorte brasileiro, especialistas apontam os problemas estruturais como estopins propícios: economia instável, desemprego, desconfiança sobre as políticas públicas de segurança, educação e saúde formam o “top 5” dos gatilhos.

Um agravamento causado pelo isolamento social forçado durante a pandemia de Covid-19 embrulha o pacote. “Foi tirado o sal da sua identidade”, diz o psicólogo e escritor Alexandre Coimbra Amaral, sobre o confinamento dos mais jovens: “A criança não funciona conhecendo o mundo cognitivamente, e o adolescente está na fase de se diferenciar da família e se aproximar dos pares”.

A unânime citação ao uso descontrolado de redes sociais como fator de risco fica explícita na semelhança entre as curvas de explosão de ansiosos e do consumo excessivo de telas no País.

Países mais TENSOS do mundo

1. Brasil (9,3% da população)
2.Paraguai (7,6%)
3.Noruega (7,4%)
4.Nova Zelândia (7,3%)
5.Austrália (7%)

A internet não é vilã por mérito próprio. Só que o manancial de dados e distrações que produz em forma de impactos de informação não foi planejado para o ser humano comum.

Em comparação, é estimado que na década de 1980 uma pessoa trafegava em média por 2.000 informações diariamente, entre jornais, revistas, rádio, TV e demais. O número, hoje, cresceu quatro ou cinco vezes com o acesso ilimitado a todas as fontes planetárias pelo celular ou computador.

Desde 1970 já existia uma preocupação com o que foi cunhado como Information Overload (sobrecarga de informações), tema no livro O Choque do Futuro, de Alvin Toffler.

O termo foi adaptado atualmente, não à toa, para Information Anxiety (ansiedade por informações). O princípio é de que existem limitados recursos humanos para processamento de informações. Assim, o cérebro desenvolve truques e hábitos para participar do jogo todo. Ou então, como em muitos casos, colapsa.

Entre crianças e adolescentes, o sofrimento se agrava quando a busca por pertencimento e aceitação esbarra em um mar de perfis que ditam regras de comportamento e beleza.

“Antes, eram os artistas de cinema, televisão e música. Hoje, quem tem isso são os influenciadores, que estão em várias plataformas que também não existiam”, comenta Carolina Delboni, educadora e psicanalista especialista em comportamento adolescente.

“Decidi parar de seguir algumas pessoas nas redes sociais. Você fica pensando que elas são melhores que você, mais bonitas”, conta a estudante Danielle Santos Oliveira, 17.

NÚMEROS INQUIETOS

18,6 milhões de brasileiros sofrem de transtorno de ansiedade

25% foi o aumento estimado de casos durante a pandemia

Expectativa de vida de pessoas com transtornos mentais diminui em média 10 anos

Existem 24.434 psicólogos contratados hoje nas escolas brasileiras para atendimento a 47,4 milhões de estudantes

Somente 34% dos países têm programas de promoção e prevenção da saúde mental ligada ao trabalho

As curvas de subida e explosão de ansiedade batem à risca com a popularização do uso da internet e a proliferação de dispositivos de acesso à rede no Brasil.

Além da liderança no ranking do transtorno, o Brasil figura no topo de diversas outras classificações quando o assunto é acesso à tecnologia – no País, as pessoas passam em média 9 horas e 32 minutos de cada dia na internet, mais da metade do tempo em que ficam acordadas. A média global é de 6 horas e 37 minutos.

“Os dispositivos tanto podem ser indutores da ansiedade quanto redutores. Depende de como você os utiliza”, comenta o psiquiatra Ricardo Uchida, professor do Departamento de Saúde Mental da Santa Casa de São Paulo, que mantém um ambulatório para tratamento de ansiedade.

“Eu sempre vejo coisas que me entretém, como basquete e carros”, diz o adolescente Marco, que tem nas redes um escape para os pensamentos ansiosos.

As gerações Z e Alpha, dos nascidos neste século, têm que administrar bem antes do tempo adequado situações palpáveis, como os recentes ataques a escolas e creches, além das ameaças originadas pelos covardes atos de violência.

“A escola é um lugar, para muitas crianças, mais seguro que a própria casa. Com os massacres e ameaças, há a perda simbólica desse lugar de segurança.”
Alexandre Coimbra Amaral, que em julho lançará o livro Toda Ansiedade Merece um Abraço

Dada a escassez de profissionais para ajudá-los a processar os problemas, a percepção da condição de que não estão a salvo nem onde estudam acaba por conta própria.

Segundo o censo escolar de 2022, a legislação que determina que devam ser disponibilizados profissionais para acompanhamento da saúde mental de alunos e professores carece de mais psicólogos. A determinação vem sendo aplicada nos institutos de ensino do País na proporção de um psicólogo para atendimento de 1.910 estudantes, em média.

Sabrina Souza da Silva Santos, 27 anos, sócia de agência de marketing: soluções alternativas (Crédito: André Lessa)

“Com a hipnose, melhorou bastante, mas, hoje, dois anos depois, só uso o recurso para dormir, quando tenho crise de ansiedade à noite. São vídeos que envolvem controle de respiração, contagens, momentos de som e silêncio. Antes de terminarem, já peguei no sono. É muito importante desviar o foco do pensamento.”
  Sabrina Souza da Silva Santos, 27 anos, sócia de agência de marketing

No setor corporativo, as empresas apostam em práticas de compliance, códigos de conduta que as regem, para diminuírem o risco alto que passam de perda de profissionais, já que o resultado afeta diretamente o balanço das companhias.

Estimativa recente aponta que, no mundo todo, 12 bilhões de dias de trabalho são perdidos anualmente como consequência do adoecimento mental de funcionários. A projeção é de prejuízo de US$ 1 trilhão anuais. “Antes, o foco estava em melhorar produtividade; hoje, em bem-estar e saúde mental”, segundo Thaís Gameiro, neurocientista.

5 práticas comprovadas para se proteger

  • 150 minutos de atividade física semanal

  • Adoção de técnica de meditação ou de respiração para controle de stress

  • Dormir não menos do que 7 horas e não mais do que 9 horas

  • Manter bons relacionamentos; viver em comunidade

  • Evitar fast-food e comer em menor quantidade

A jornada no corpo

O cenário brasileiro representa ao cidadão médio a ameaça mental externa perfeita para promover uma resposta fisiológica do corpo a essa situação de estresse oferecida em doses maciças diariamente. Forma-se uma batalha que foi batizada dentro da classe médica como “luta e fuga”.

O perigo é processado quase sempre inconscientemente dentro do corpo, o sistema nervoso autônomo é acionado e hormônios são despejados, com prevalência de adrenalina e noradrenalina, relacionadas às situações de perigo. Multiplicado o processo pela quantidade de tempo que as pessoas passam sob as condições de conexão tecnológica e de submissão ao manancial de informações descrito anteriormente, a resposta é atividade fisiológica que se torna crônica, com resultados potencialmente crônicos.

E mais: o “lutar e fugir” vale também para as demais situações corriqueiras do dia a dia, não apenas para a atividade digital, tanto que uma das características da ansiedade em nível patológico é a tendência a superdimensionar questões menores. Tudo vira um grande problema.

Estresse x ansiedade

Dadas as probabilidades e o diagnóstico, é importante ressaltar que a resposta ao estresse é a chave para o combate à ansiedade nociva. Sim, pois a máxima de que a diferença entre remédio e veneno é a dose utilizada também vale para o estresse e sua irmã siamesa, a ansiedade.

O termo estresse foi usado pela primeira vez pelo médico Hans Selye em 1946, em sentido neutro, nem positivo nem negativo, pois era (e é) a reação do corpo a qualquer tipo de exigência. A ansiedade possui o mesmo radical neutro. “É uma emoção da natureza para que você possa produzir mais e tomar mais cuidado com as coisas. Assim como a coragem não é ausência de medo, mas conseguir manusear o temor para seguir em frente em alguma tarefa”, diz Uchida.

“Ansiedade é como o corpo está vestindo o estresse”, completa Fábio César dos Santos, médico que trabalha com os conceitos de Medicina de Estilo de Vida, em visão integrativa da saúde.

Trata-se, portanto, de um problema de graduação – um pouco é necessário para uma vida saudável; a patologia é caracterizada pela ocorrência excessiva e paralisante, quando a emoção passa a controlar a vida de quem a manifesta.

Nesse estado, a pessoa não consegue mais tomar decisões adequadas, teme intensamente situações que não são perigosas e a tensão permanente a posiciona na condição de transtorno.

Fábio César gosta de mencionar a aula que teve durante o curso de extensão em Medicina de Mente e Corpo, na Universidade de Harvard, pelo professor John Abramson. “Ele falou: ‘Não importa sua especialidade. De cada dez pacientes que passarem pelo seu consultório, nove terão a origem da enfermidade que os levou ali iniciada no território mental’. Isso mudou minha cabeça”, diz.

A cura

A boa notícia é que a ciência atingiu o ponto de oferecer “bombeiros” para a tarefa, que são fármacos eficientes para toda a variação de transtornos mentais e especificidades.

A notícia ainda melhor é que foi atingido certo consenso de que a combinação de medicamentos com psicoterapia aumenta significativamente a chance de sucesso do tratamento.

A novidade não tão boa é que ainda são complexos os caminhos adequados para cada uma das partes do tratamento, já que o ser humano é único e reage de maneira particular aos estímulos.

No caso dos medicamentos, considerando que são necessárias algumas semanas para fazerem efeito e o médico saber se é o adequado, um atalho é o teste farmacogenético, que identifica no genoma do indivíduo possíveis particularidades de melhor ou pior resposta a determinadas propriedades farmacológicas.É um teste ainda muito caro.

Já em relação à terapia, existem três tipos: psicanálise, fenomenológico-existencial e cognitivo-comportamental, sendo a última, mais comumente chamada de TCC, a mais recomendada para os casos de transtornos de origem mental como a ansiedade.

Fabio Cesar dos Santos, médico especializado em Estilo de Vida: muito da depressão e da ansiedade é reflexo do dia a dia (Crédito: Gabriel Reis)

“Oitenta por cento das doenças crônicas, como ansiedade e depressão, diminuem ou são revertidas com mudanças de estilo de vida – atividade física regular, controle de estresse, alimentação saudável, sono adequado (em quantidade e também qualidade), relacionamentos, espiritualidade, redução de álcool e abstinência de tabaco.”
Fabio Cesar dos Santos, médico especializado em Estilo de Vida

O que pode ser mais difícil driblar é o ainda existente preconceito em relação às doenças de fundo emocional, além de caracterizarem certa exposição de fragilidade de quem a manifesta.

“Há um forte tabu. Nas empresas, alguns gestores não entendem que não se trata de uma fragilidade do indivíduo”, comenta Thaís Gameiro.

Com os jovens, a desconfiança está bastante ligada à ausência de escuta. “O adulto tende a banalizar e desvalorizar o sentimento do adolescente, que está vivendo muitas coisas pela primeira vez e de maneira intensa”, fala Carolina Delboni. A falta de abertura faz com que muitos se fechem.

Segundo uma enquete da Unicef e da Viração Educomunicação de 2022, feita com 7,7 mil entrevistados, metade sentiu necessidade de pedir ajuda sobre saúde mental, mas 40% não procurou ninguém – 9% por vergonha e 17% por medo de um julgamento.

Nas descobertas recentes, Fábio César dos Santos ainda cita estudo que reforça a importância da disposição de cura do paciente. A Universidade da Austrália do Sul conduziu pesquisa com 128 mil participantes na qual constatou que a prática de atividade física se mostrou em médio prazo (a partir de 12 semanas) tão ou mais eficaz para a redução de sintomas de transtornos mentais do que psicoterapia e uso de medicamentos.

São muitas as causas, mas igualmente muitos os recursos e conhecimento produzido para se escapar delas. No fundo, há consenso de especialistas de que o caminho para se afastar ou curar de um transtorno ansioso é um caminho único, mas que não precisa nem deve ser solitário.

Atividade física, alimentação e consumo consciente do que você coloca para dentro do corpo, cuidado com o sono, com fatores negativamente estressantes e com os relacionamentos, além de uma dedicação especial à escuta da ciência, de profissionais como psiquiatras e psicólogos, são fundamentais na batalha que o Brasil, infelizmente, está enfrentando.

5 Tipos de transtornos de ansiedade

  1. Transtorno de Ansiedade Generalizada (TAG):
    Preocupação e angústia excessivas e persistentes sobre situações ou eventos do cotidianao acompanhadas de sintomas físicos como inquietação, sudorese, tensão muscular, insônia e/ou irritabilidade.
  2. Transtorno de pânico:
    Ocorrências súbitas e intensas de medo ou terror, que configuram os ataques de pânico. Incluem sintomas como falta de ar, palpitações, sudorese, tremores e sensação de morte iminente.
  3. Transtorno Obsessivo-Compulsivo (TOC):
    Revelado por pensamentos intrusivos, obsessivos e indesejados, que levam à realização de comportamentos repetitivos ou rituais (as compulsões), como contar objetos, lavar as mãos ou verificar portas.
  4. Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT):
    Os sintomas ocorrem após evento traumático, como abuso, violência ou acidente. Podem acompanhar pesadelos, flashbacks, aumento de vigilância e associação sensorial ao evento traumático.
  5. Fobia social:
    Medo persistente e paralisante de situações sociais ou de desempenho, como comer ou falar em público e conhecer pessoas novas. Caracterizado quando passa a causar prejuízo nas relações pessoais e profissionais.