Brasil

Bancada ruralista mostra as garras

Deputados e senadores ligados ao setor têm sido responsáveis por articular derrotas doloridas para o Planalto, apesar das tentativas de aproximação

Crédito: PR

Pedro Lupion (centro), que coordena a Frente Parlamentar do Agronegócio, tem imposto importantes derrotas ao governo no Congresso (Crédito: PR)

Por Samuel Nunes

Ganhar a eleição é uma coisa, governar é outra completamente diferente. Essa frase pode se aplicar a todos os presidentes brasileiros desde a redemocratização. Nenhum mandatário chegou ao Palácio do Planalto tendo ampla maioria de deputados e senadores em sua base de apoio no Congresso.

Primeiro eleito pelo voto popular em 1989, Fernando Collor acabou sofrendo processo de impeachment por não ter habilidade de negociar com os parlamentares.

Fernando Henrique foi acusado de “comprar” votos de deputados para garantir a emenda da reeleição.

Lula fez o “mensalão” e o petrolão para se garantir no primeiro e no segundo mandato, enquanto Dilma Rousseff sofreu o impeachment por não dialogar com os congressistas.

No terceiro mandato, Lula experimenta novamente o gosto amargo de ter que fazer exaustivas negociações com bancadas do Centrão e da direita radical que dominam a Câmara e que obrigam-no a recuar em suas promessas de campanha.

O principal exemplo dessa dificuldade de governar sem maioria vem da bancada ruralista, que tem mostrado suas garras ao presidente, sobretudo nas pautas ideológicas.

Agro é barulhento e joga pesado

A Frente Parlamentar da Agropecuária, como é conhecida essa barulhenta bancada, é composta por 300 deputados e 41 senadores, majoritariamente de direita, e tem sido responsável por impor derrotas seguidas ao governo Lula no Congresso.

As principais foram a aprovação do marco temporal das terras indígenas e a MP dos Ministérios, que desidrataram as pastas comandadas por Marina Silva e Sônia Guajajara na Esplanada dos Ministérios.

O atual coordenador do grupo é o deputado Pedro Lupion (PP-PR), que tem em seus quadros vários nomes que são apoiadores ferrenhos de Jair Bolsonaro, como são os casos de Ricardo Salles (PL-SP), Delegado Ramagem (PL-RJ), Osmar Terra (MDB-RS) e Eduardo Bolsonaro (PL-SP), na Câmara, além de Rogério Marinho (PL-RN) e Hamilton Mourão (Republicanos-RS), no Senado.

À ISTOÉ, Lupion disse que um dos principais problemas apontados pela bancada é o direcionamento ideológico do governo em relação ao agronegócio. Ele acredita que isso tem causado divergências até mesmo entre os políticos de partidos independentes ou mesmo os que compõem a base do governo.

“Temos muito claro que o debate sobre a produção agrícola tem de ser técnico, pois só assim as coisas caminharão. O que não pode é entrar na questão político-ideológica. Parece que o governo chegou com desejo de vingança”, afirmou o líder da bancada ruralista.

Os afagos feitos por Bolsonaro ao agro atraíram a bancada, que agora se opõe fortemente a Lula (Crédito:Alan Santos)

No último governo, o agronegócio recebeu diversos incentivos e afagos do então presidente. Aliando-se ao discurso conservador nos costumes, o setor ajudou a consolidar uma base parlamentar que se empenhou para manter Bolsonaro no poder, dando apoio ao seu projeto de reeleição.

Como a tentativa não funcionou, a pressão contra Lula se seguiu no Congresso, onde o grupo manteve-se forte e influente. Lula até tem tentado se aproximar do agro, mas sem sucesso.

Indicou para o Ministério da Agricultura o senador Carlos Fávaro (PSD-MT) na esperança de arregimentar parte da bancada ruralista para os projetos governistas. O ministro, que vem do agronegócio, era o vice-presidente da Associação dos Produtores de Soja no Brasil (Aprosoja), com a qual destacou-se na liderança dos agricultores do Oeste brasileiro.

No governo, porém, em vez de aglutinar, já coleciona discordâncias, sobretudo com a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva.

Os ataques que Marina faz aos que destroem o meio ambiente é um dos focos de atrito com ruralistas (Crédito:Sergio Lima )

“Fascistas”

Outra tentativa de atrair os agricultores para a base de apoio ao governo foi o lançamento, nesta semana, de um programa do BNDES para distribuir R$ 7,6 bilhões ao agronegócio.

Só neste ano, o governo já liberou cerca de R$ 11 bilhões ao setor, mas ainda não há retorno do impacto dessas medidas na bancada. Antes disso, porém, Lula chegou a chamar os produtores rurais de “fascistas”.

Recentemente, inclusive, o presidente se irritou com os organizadores da Agrishow, principal evento do segmento em Ribeirão Preto (SP). Na ocasião, os organizadores convidaram Bolsonaro para a abertura da feira, o que gerou descontentamentos no Planalto e o cancelamento da ida de Fávaro ao local. O ministro deveria anunciar na cidade do interior paulista a suplementação orçamentária do Plano Safra deste ano, mas só o fez na Bahia.

Outro momento de atrito aconteceu no fim de maio, quando a ministra do Meio Ambiente participou de uma audiência na Câmara. Na ocasião, usou o termo “ogronegócio” para se referir aos produtores rurais que insistem em provocar desmatamento em áreas protegidas na Amazônia. Ela foi asperamente criticada por deputados ligados à bancada ruralista.

Mesmo assim, Lupion garante que os acenos mais recentes no sentido da pacificação e a liberação de verbas e linhas de crédito para os produtores rurais podem acalmar os ânimos da bancada, salvo, claro, os bolsonaristas.

Ele citou que tem participado frequentemente de reuniões com Fávaro e que deve se encontrar com membros do Ministério da Fazenda e do Banco Central para discutir as políticas do Plano Safra.

“Quem faz esse diálogo é a nossa diretoria. Eu sou de oposição e sento à mesa para essas discussões. O agro necessita de apoio e precisa ter acesso ao governo”, concluiu.