Internacional

Ucrânia: a nova fase da guerra

A Ucrânia sinaliza que iniciou a aguardada ofensiva contra os invasores russos, mas o rompimento da barragem de Nova Kakhovka pode mudar essa estratégia, ao provocar uma corrida pelo resgate de milhares de habitantes nas áreas inundadas

Crédito: Evgeniy Maloletka

Cidades inteiras como Kherson se viram inundadas com o rompimento da barragem de Nova Kakhovka na terça-feira, 6 (Crédito: Evgeniy Maloletka)

Por Denise Mirás

A expectativa pela chamada grande ofensiva da Ucrânia, que levaria o conflito a uma nova fase na guerra instalada no país, foi drasticamente interrompida pelo rompimento da estratégica barragem de Nova Kakhovka na madrugada da terça-feira, 6, e a total destruição da usina elétrica instalada na região de Kherson, parcialmente ocupada por forças russas. A rápida subida das águas a mais de dez metros obrigou ao resgate imediato da população de oito aldeias totalmente inundadas e à evacuação de milhares de pessoas.

A preocupação se estende a Zaporizhzhia, a maior usina nuclear da Europa, ainda que ela não esteja “em risco imediato”, como divulgou a Agência Internacional de Energia Atômica, porque são as águas do rio Dnipro que refrigeram seus reatores, mas cinco dos seis estão desativados. E, enquanto se espera por um cessar-fogo na região, ao menos para a abertura de corredores humanitários, os rumos da guerra seguem indefinidos.

Volodymyr Zelensky, o presidente ucraniano, responsabilizou “terroristas russos” por explosões na instalação. Pelo outro lado, Dimitri Peskov, o porta-voz do Kremlin, culpou as forças ucranianas pelo que chamou de sabotagem.

A BBC londrina, por sua vez, publicou imagens de satélite sugerindo que a deterioração da barragem, com vazamentos, vinha ocorrendo há dias. Fato é que consequências são negativas para a Ucrânia, agora impedida de avançar na região controlada pelo inimigo.

Mas também para a Rússia, porque o abastecimento feito pelo rio Dnipro, que se estende do norte da Ucrânia até o Mar Negro, no sul, pode ser cortado, deixando sem água potável suas forças de ocupação em toda a Crimeia (a península já teve seu fluxo de água bloqueado pelos ucranianos logo após a anexação em 2014, depois retomada pelos russos).

Barragem Rompida

17 mil ucranianos evacuados

100 localidades sob inundações

150 toneladas de óleo vazadas nas águas e que podem chegar a 450

Conflito de informações

A Ucrânia vinha mantendo uma posição defensiva nos últimos meses, enquanto se preparava para uma contraofensiva. Já a Rússia manteve ataques à infraestrutura do país com bombas aéreas teleguiadas, lançadas de caças Su-35, além de ondas massivas de drones, como os enviados contra a capital Kiev, no fim de maio.

Um dia antes do rompimento da barragem no sul, na segunda-feira, a Ucrânia retomava pontos no entorno de Donetski.

Os americanos acreditavam que a movimentação acelerada de ucranianos em seu território era sinal iminente da largada para a “grande retomada”, agora que Zelensky conta com armamento mais avançado e pilotos treinados no Ocidente para caças e veículos blindados.

Analistas também destacavam que o tempo correu a favor dos russos, que se estabeleceram em trincheiras, mas a aposta do presidente ucraniano estava bem alta.

Coronel da reserva da Aeronáutica que atuou como piloto em ataque, assalto aeroterrestre, transporte logístico e especial, o brasileiro Eduardo Valle diz que “a pergunta de um milhão de dólares” é quem (ou o quê) causou o rompimento da barragem de Nova Kakhovka. E que somente depois de estabelecida a responsabilidade se poderá ter uma ideia mais clara para onde seguirá a guerra — até mesmo com uma reação internacional mais forte se provas contra a Rússia forem apresentadas.

Mas o também professor da Universidade da Força Aérea não vê a Ucrânia, no momento, com capacidade logística suficiente para a “grande retomada”, porque seria necessário material — soldados, armas, munição e suprimentos — em posições-chaves para uma ofensiva dessas.

Ucranianos se preparam para atacar na região de Donetski, sob domínio russo (Crédito:Anadolu Agency via AFP)

“Acredito mais em ações pontuais por parte dos ucranianos, que estariam se aproveitando de um possível enfraquecimento do lado russo, detectado com a saída de Backhmut, onde talvez tivessem tropas de frente, da linha de contato, formadas apenas por recrutas pouco treinados.”
Eduardo Valle, coronel da reserva da Aeronáutica e professor da Universidade da Força Aérea

“Mas agora ficará mais difícil para a Ucrânia, porque é extremamente complexo atravessar regiões alagadas, transpondo águas com pontes novas. É uma das manobras mais difíceis da guerra, porque ainda é preciso proteção contra ataques aéreos.” Acidente ou incidente, diz o coronel, a guerra poderá resvalar para “uma espécie de trégua”, até mesmo abrindo brecha para um reinício de negociações.

Se o rompimento da barragem foi retaliação da Rússia, pelos drones que adentraram seu território, chegando a destruir prédios em Moscou em maio — por sua vez em resposta ao apagão imposto pelos drones russos em Kiev, a capital ucraniana —, o cessar-fogo, mesmo humanitário, será difícil, na opinião de Roberto Goulart Menezes, professor do Instituto de Relações Internacionais da UnB.

Ainda assim, ele observa: “Por que a Rússia cortaria o abastecimento de água na Crimeia, que hoje é seu território e ocupado por tropas? Há muitos elementos a se considerar.”