Um presidente refém

Crédito: Pedro Ladeira/Folhapress

Presidente Lula e cacique Raoni: retrocesso embutido no Marco Temporal (Crédito: Pedro Ladeira/Folhapress)

Por Carlos José Marques

O que se verifica nas últimas semanas, sem sombra de dúvidas, é o perigoso retrato de um presidente nas cordas, à mercê de um Congresso que amplia poder e apetite sobre a gestão do Estado e que não irá ceder em sua sanha enquanto o próprio mandatário não der um basta. São eloquentes as derrotas por esses dias, não apenas no que tange ao esvaziamento do estratégico Ministério do Meio Ambiente, comandado pela superstar internacional, globe-trotter da causa florestal, Marina Silva.

Lula vem perdendo em todas as frentes, inclusive na do redesenho da estrutura governamental que traçou para governar à sua imagem e semelhança. Autarquias, ministérios e organismos operacionais, como o Carf, estão voltando ao papel de origem estabelecido na desastrosa gestão anterior do “mito” Bolsonaro.

O chefão do Parlamento, presidente da Câmara, Arthur Lira, passou a atuar como verdadeiro primeiro-ministro, o “capo di tutti capi”. E o petista Lula dá sinais de não ter qualquer força de ingerência, resistência ou mesmo disposição para se contrapor aos ditames impostos pelos políticos – opositores ou não –, que diuturnamente vêm lhe exigindo mais e mais.

A Codevasf, balcão de esquemas instituído como tal nos idos bolsonaristas de esbórnia orçamentária, abriu de vez o cofre e é motivado a incrementar os desembolsos que atendam aos parlamentares glutões. O circuito de emendas bilionárias não cessa. A desorientação administrativa reina.

A fritura de auxiliares estratégicos de Lula e uma pauta tremendamente espoliadora de causas estruturais caras ao mundo evidenciam que o Centrão, com a sua força bruta, estabeleceu de vez o chamado semipresidencialismo, algo que estava fora dos planos dos eleitores que guindaram o demiurgo de Garanhuns a um terceiro mandato no Planalto.

A rendição incondicional de Lula, sob cerco implacável por parte dos adversários que se contam às centenas, em esmagadora maioria, levam a crer na adoção equivocada da arriscada tática de abrir mão dos anéis para não perder os dedos.

Ocorre que, lamentavelmente, não irão parar por aí as intenções de deputados e senadores. As derrotas devem seguir em meio a um surto reacionário que busca a qualquer custo fazer passar a tal boiada de outrora.

Mesmo no campo do arcabouço fiscal, a procura por incentivos e facilidades eleitoreiras que atendam aos currais de votos dos congressistas virou uma constante.

No Marco Temporal, o retrocesso é inequívoco. Abriram brechas para o garimpo ilegal, para a abertura de estradas e até construção de hidrelétricas em terras indígenas antes preservadas e intocáveis. A retórica dos direitos sociais, que cativava desassistidos e espoliados, parece ceder lugar ao pragmatismo da composição, na base do toma lá, dá cá.

O pretendido presidencialismo de coalizão opera no modo de presidencialismo de cooptação. Lula em pessoa minimiza a crise, alegando que “o jogo começou”.

A questão é tentar entender e decifrar a que jogo ele se refere. Na toada que vai, não agrada. Símbolos que importam – e não apenas na causa indígena ou ambiental – vão sendo preteridos a favor de uma sequência de benesses aos tubarões habituais. Os descompassos entre o que se vê e o modelo pretendido de uma administração moderna, transparente, em sintonia com as expectativas globais, se acumulam.

O ilusionismo não convence mais e é preciso virar a chave antes que se coloque tudo a perder. Quem em sã consciência corrobora alternativas de um Executivo vergado ao Legislativo? Lula está perdido nas ideias, intenções e planos.

Sem rumo claro. Com menos de seis meses no comando precisa dar prumo e jeito na rota para a qual almeja levar o Brasil. Ajustes são naturais no início, mas equívocos, erros e desencontros não podem perdurar.

Sem pulso forte e transparência de intenções vem a desforra dos que buscam colocar tudo a perder. É preciso ouvir não apenas as bases como resgatar a experiência e firmeza de propósitos de tempos pretéritos.

O Lula versão 3.0 ainda desponta como uma caricatura do “cara” que encantou multidões. Possui a mesma aura, embora sem o mesmo brilho. E a falta de traquejo denuncia a palidez dos projetos.

O que aconteceu com ele? Estão muitos a indagar-se. Lula apanhou pesado com os tempos de cadeia e a pororoca de denúncias, é verdade, e não está conseguindo dar a volta por cima, superar sem rancores o que passou. Vai seguir refém das intenções deletérias de quem o quer miúdo e sem capacidade de reação? É a pergunta de um milhão de dólares.