entrevista Eliziane Gama

Entrevista

Eliziane Gama, Presidente da CPMI dos Atos Antidemocráticos no Senado

Se for necessário, convocaremos Bolsonaro

Wenderson Araujo

Se for necessário, convocaremos Bolsonaro

Editora Três
Edição 02/06/2023 - nº 2783

Por Samuel Nunes

No dia em que assumiu a relatoria da CPMI dos Atos Antidemocráticos, na quinta-feira, 25, a senadora Eliziane Gama (PSD) fez referência a uma gíria do estado dela, o Maranhão, onde há pessoas que recebem o apelido de “rapadura”. O termo é designado àqueles que são doces, porém duros. Escolhida para o cargo mais importante da comissão que investiga a depredação das sedes dos Três Poderes, no dia 8 de janeiro, Eliziane pode deixar transparecer um misto de ternura sem perder a rigidez aos que tentarem atrapalhar o andamento das investigações.

Em entrevista à ISTOÉ, ela afirmou que não vai se deixar abalar pelas provocações e interrupções de discursos, tal como aconteceu na primeira sessão, realizada há 10 dias. Também afirmou que deve contrariar os pedidos de bolsonaristas, que desejam desconsiderar as ameaças à democracia realizadas desde o fim das eleições, em outubro do ano passado.

Para ela, é importante que se apure quem financiou e planejou os acampamentos golpistas não só em Brasília, mas em todo o País, por mais de dois meses. Segundo ela, esses atos foram o estopim da selvageria promovida pela extrema-direita no começo de janeiro.

E ninguém será poupado a prestar depoimento, nem os militares e nem Bolsonaro, desde que os parlamentares considerem necessário. Isso vale também para apurar se houve, de fato, omissões no governo federal, inclusive do amigo, o ministro Flávio Dino (Justiça), que é um dos principais alvos de pedidos de convocação feitos pela oposição.

Na primeira sessão da CPMI, a senhora destacou a participação feminina no Congresso e na própria investigação. O que representa a sua chegada à relatoria?
Eu acho que representa a luta da mulher brasileira. Na última CPI que tivemos no Senado, a que apurou desmandos na Pandemia, a gente sequer tinha direito a voto. Só conseguimos ter direito à voz depois de uma empreitada muito intensa, dentro do plenário. Contrapondo com homens que, em alguns momentos, inclusive, alteraram a voz no sentido de não assegurar a nossa presença física. Insistimos e conseguimos naquele momento garantir uma participação ativa. Alteramos o regimento interno do Senado para que nenhuma comissão possa existir sem a presença de uma mulher. O meu nome foi apresentado e eu aceitei o convite com muita honra, sabendo da grande responsabilidade que é relatar uma comissão desse tamanho.

No início do ano, o Planalto trabalhou para que a CPMI não acontecesse. Depois das imagens do ex-ministro Gonçalves Dias no Palácio, esse posicionamento mudou. Como esse vacilo atrapalhou o governo?
Eu não vejo que essa posição de alguns integrantes do Planalto como se fosse algo contrário às investigações no Congresso. Até porque já há investigação em curso na Polícia Federal, no Ministério Público e no Supremo Tribunal Federal, certo? Já há, de fato, um trabalho de apuração de responsabilidades em curso. Ocorre que nenhum governo quer iniciar o mandato com uma CPI. Há um jargão popular de que CPI a gente sabe como começa, mas não sabe como termina.

O que a CPMI pode trazer de novo além do que as investigações da Polícia Federal, da PGR e da própria Câmara Legislativa do Distrito Federal ainda não apresentaram?
A PF e o e o STF fazem uma investigação própria de cada um deles. A Câmara do DF também. A característica de uma CPMI é ir além das quebras de sigilo e dos mandados de busca e apreensão. Ela tem um caráter de transparência e muita publicidade. Então, as oitivas ocorrem com a presença da população, são transmitidas pela TV e todos acompanham os detalhes das apurações. Tudo é de forma on-line. As pessoas participam inclusive dessas oitivas através das redes sociais. Eu vivenciei isso muito, por exemplo, na CPI da Pandemia, que aconteceu no auge de uma intensidade das redes sociais. A gente percebeu claramente que a dona de casa, o jovem que está nas mídias sociais, participaram efetivamente, dando contribuições, encaminhando vídeos e informações sobre o que investigávamos. Eu acho que esse envolvimento da população nos dará luz em temas que estão no bojo da investigação.

“Não há uma decisão tomada (de convocar Bolsonaro). É temerário dizer hoje se faremos ou não a convocação, mas tenha certeza de que, se for necessário, faremos” (Crédito:Evaristo Sa)

O ministro Flávio Dino tem sido o principal alvo de requerimentos de convocação feitos pela oposição. A senhora acha que ele deve ser chamado à CPMI?
O ministro da Justiça, Flávio Dino, tem uma contribuição muito grande a dar aos trabalhos da comissão. Então, naturalmente, ele será convidado, até porque ele já veio ao Congresso várias vezes. Vamos chamar quem acharmos necessário.

O ex-presidente Bolsonaro será chamado? O depoimento dele é necessário nessa investigação?
Tivemos um enredo de fatos antidemocráticos que desencadeou no 8 de janeiro. Tivemos o 12 de dezembro quando bolsonaristas protestaram contra a diplomação de Lula e ameaçaram invadir a sede da PF, tivemos o 24 de dezembro, quando pessoas que estavam acampadas em frente ao Exército colocaram uma bomba em um caminhão carregado com combustível no Aeroporto de Brasília. Não há hoje, da minha parte, decisão tomada. Eu diria que é temerário dizer isso agora, se nós faremos ou não essa convocação, mas tenha certeza de que, se for necessário, faremos.

Para a senhora, o marco das investigações deve ser o 8 de janeiro, como deseja a oposição, ou o início se dará com os acampamentos nas portas dos quartéis, como querem os governistas?
O correto é começar do dia 31 de outubro, porque todo o questionamento anterior ao processo se deu em torno do resultado das eleições. Ora, eu estou fazendo uma investigação sobre fatos motivados pela não aceitação ao resultado das eleições e, portanto, vamos ter o período eleitoral como ponto de partida aos atos de janeiro. Eu preciso trabalhar durante todos os dias anteriores para poder entender como se deu o planejamento e como se chegou ao 8 de janeiro. Todas as manifestações, todos os questionamentos, inclusive em redes sociais, serão levados em consideração. Então teremos que ver o que aconteceu no final de outubro, em novembro, dezembro e um pouco de janeiro.

A senhora e o presidente da comissão, Arthur Maia, discordam sobre se o 8 de janeiro foi ou não uma tentativa de golpe. Ele diz que isso precisa ser melhor avaliado, mas a senhora parece não ter dúvidas de que houve uma tentativa de derrubada do governo. É isso mesmo?
Os fatos que estão diante de nós nos levam a crer a respeito da possibilidade de tentativa de golpe. Ninguém invade os Três Poderes da República porque está tentando fazer uma ação que não seja política. Você vai e destrói as sedes do Legislativo, do Executivo e do Judiciário. No Capitólio, a gente também viu isso claramente. Uma invasão à sede dos poderes na defesa de um golpe. Ao longo da história mundial, tivemos momentos em que a sede dos poderes foi agredida e ela se deu exatamente na precedência da implantação de um golpe.

Na primeira reunião, houve bastante baixaria entre os parlamentares. A senhora chegou a ser interrompida enquanto discursava. Como pretende lidar com essa situação e apaziguar os ânimos nos próximos meses?
Alguns parlamentares tentam, o tempo todo, desequilibrar o processo dos trabalhos da comissão. É muito claro, isso. Eles provocam, gritam, criam situações que, na verdade, é para criar uma certa celeuma interna nos trabalhos da comissão. Mas não vamos permitir que isso se aprofunde. Temos um presidente que demonstrou equilíbrio e nos dá a certeza de que não vai deixar a situação descambar. E eu, como relatora, também não vou permitir. Já deixei isso claro no primeiro dia, com a serenidade necessária e com a firmeza das minhas prerrogativas constitucionais. Vou continuar firme nesse meu ideal, que é fazer uma relatoria com muita responsabilidade.

Há críticas mostrando que a senhora estaria beneficiando os governistas já que eles são maioria na comissão em relação aos oposicionistas. O que a senhora tem a dizer?
Eu quero dizer a eles que o parlamento brasileiro é um processo democrático. A democracia se dá com respeito às minorias, mas com a decisão da maioria. Então, as minorias precisam ser asseguradas, ter os seus direitos garantidos. Inclusive temos cláusulas tanto na Constituição, quanto no Regimento Interno, exatamente para poder assegurar esses direitos. O partido indica os seus membros, que, por sua vez, é derivado da representação popular. Se o povo brasileiro mandou para cá uma quantidade X de parlamentares, é porque o povo quer ser representado nessa mesma proporcionalidade por parlamentares com direito a terem representação nas comissões de forma proporcional.

“O ministro Flávio Dino tem uma contribuição muito grande a dar aos trabalhos da comissão. Então, naturalmente, ele será convidado, até porque ele já veio ao Congresso várias vezes” (Crédito: Aloisio Mauricio)

Também há críticas quanto à sua proximidade com o ministro Flávio Dino. Acha que isso pode atrapalhar o seu trabalho de apuração de eventuais omissões do governo federal?
Olha, omissão, participação, planejamento, tudo isso, na verdade, nós vamos investigar. Seja quem for, como eu já falei. Não fecharemos os olhos para um lado e abriremos para o outro, não. A investigação vai ter que ser isenta, imparcial, com a devida responsabilidade. Quanto ao meu relacionamento com o Flávio Dino, que é uma liderança política no Maranhão, e que, aliás, honra muito o nosso estado, é uma relação política antiga que eu tenho com ele e com os outros colegas maranhenses. É bom lembrar, porém, que o objeto da CPI não é só o 8 de janeiro.

Vários candidatos do seu atual partido, o PSD, fizeram campanha para o ex-presidente nas últimas eleições. Como a senhora vai lidar com o assunto caso algum correligionário ou financiador da legenda seja citado nas investigações?
Vou agir com a mesma imparcialidade. O PSD é um partido muito plural, amplo. Temos, na verdade, pessoas com esse pensamento diferente em vários momentos, nos estados brasileiros. Então, não há dúvida nenhuma que se a gente tiver que cortar na própria carne, a gente vai cortar. Isso serve para o próprio parlamento, inclusive para os colegas que estão hoje integrando a CPMI, como também serve pra questões partidárias, pra questões políticas, enfim.

Outro depoimento bastante aguardado é o do ex-ministro Anderson Torres. Quando ele será chamado a depor?
O Anderson Torres será um dos primeiros investigados a ser intimado. A nossa ideia é compreender o que aconteceu. Primeiro, como secretário de Segurança do DF ele tinha uma responsabilidade enorme no dia 8 de janeiro. A capital tem a prerrogativa da proteção pelo governo do DF e é por isso, inclusive, que a União paga pela segurança de Brasília, incluindo a Praça dos Três Poderes. Então, a gente precisa entender os fatos e ouvir dele o que foi planejado para evitar o que aconteceu.