Comportamento

A nova moda do lenço: bandeira da liberdade

Do funcional ao estético: peça percorre os corpos de homens e mulheres em diferentes cores e amarrações, garantindo charme para as produções mais simples

Crédito: Gabriel Reis

Do cabelo ao pescoço: o Hugo Merchan se sente livre para abusar do item nos vídeos e nas ruas (Crédito: Gabriel Reis )

Por Ana Mosquera

Reza a lenda que Nefertiti, em 1350 a.C., no Antigo Egito, inaugurou o uso do tecido fino sobre a cabeça, e que na década de 1830 a rainha Vitória da Inglaterra teria começado a popularizar a peça. Foi para conter os raios de sol, o suor e a própria terra que o pedaço de pano ficou associado ao vestuário da massa camponesa no início do século XX. A partir de 1930, a marca francesa Hermès colocou o lenço na boca da moda: de seda, com estampas orientais e 89 cm de diagonal — nem um a mais ou a menos. Entre os hippies, passou a ser muito utilizado como bandana ou mesmo em versões mais compridas, acompanhando os fios de cabelo. A estampa oriental conhecida como paisley invadiu o Ocidente e continua presente em muitos armários até hoje, como o de Hugo Merchan. Com o objetivo de conter as longas madeixas, o cozinheiro aderiu ao acessório quando participou de um reality show e, assim como na história do lenço, a peça passou de funcional a fashionista no dia a dia do criador de conteúdo.

“Ele adquire outro tipo de função, que não é a de atender uma necessidade física, mas hedônica, abstrata, que continua sendo humana, mas que tem mais a ver com comportamento”, diz Kátia Lamarca, professora e coordenadora do IED (Istituto Europeo di Design).

Sempre atento às combinações e às possibilidades de amarração, no vídeo em que ensina uma soda italiana, por exemplo, Merchan optou por um nó simples utilizado por homens daquele país. “Eu entendo a moda como ferramenta de expressão artística, e o lenço é uma ferramenta de empoderamento dessa atitude de se sentir livre”, fala o cozinheiro.

Sair às ruas e encarar os julgamentos por usar o tecido amarrado como flor em torno do pescoço fazem parte de um caminho longo. “Nem sempre se entende que isso é muito prejudicial, porque você vai colocando as pessoas em gaiolas que são muito apertadas.” O horizonte vem se mostrando mais favorável e assim como Merchan se libertou das amarras do dress code masculino, que só permitia lenço no bolso do paletó e olhe lá, as passarelas vêm ajudando a imprimir a mensagem do objeto universal.

Na última São Paulo Fashion Week, no desfile de estreia do estilista baiano Gefferson Vila Nova, inspirado no artista plástico e paisagista Burle Marx, o artefato apareceu vestindo diversos homens, do pescoço à cabeça.

Função estética

Com toda sua fluidez e característica etérea, o lenço também tem a função de organizar o visual mais simples, sendo até mesmo um aliado dos menos dispostos a ousar na hora de se vestir. “Com uma modificação muito pequena, a pessoa consegue arriscar, experimentando cores, por exemplo.

De repente a pessoa não compraria um blazer todo pink, mas se tiver um preto e colocar um lenço desta cor, já ilumina tudo que está vestindo”, acrescenta Kátia.

Merchan vai exatamente por este caminho. Ao optar muitas vezes pela camisa branca, mais básica, prefere combinar o adorno no pescoço com a cor da calça ou com a paleta do cenário da receita da vez. “Acho que é uma maneira legal e inteligente de pensar o guarda-roupa, para aproveitar ao máximo cada item”, comenta.

No funeral da rainha, pônei de Elizabeth II é adornado com peça usada pela monarca (Crédito:Aaron Chown)
Rainha Elizabeth II: lenço e look clássico (Crédito: Divulgação)

Assim como a Hermès, também conhecida por suas bolsas e malas, consolidou-o como adorno que acompanha os viajantes, o lenço se mantém nas gavetas de quem espera ter à mão um toque a mais de sofisticação, atualizando e modernizando os visuais de cada época. “Ninguém se desfaz de um lenço, porque ele pode se transformar em algo novo”, comenta Merchan, sobre a versatilidade e a atemporalidade da peça. O que não muda é que a escolha por inserir o pequeno acessório no visual está associada à libertação e à manutenção do charme. “Talvez demonstre um capricho e um refinamento no ato de se vestir. A pessoa que usa um lenço fatalmente pensou no look, por mais que pareça despretensioso. Ela não colocaria se não tivesse pensado”, fala Kátia. A peça vem para dar o arremate.