Em busca do tempo desperdiçado

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Mentor Neto: "As frases que solta contra os americanos, o abraço em Maduro, as polêmicas sobre a guerra...tudo isso é o velho Lula recuperando o tempo perdido" (Crédito: Divulgação)

Por Mentor Neto

No início do século passado, Marcel Proust nos regalou o magistral Em Busca do Tempo Perdido.

Magistral para quem é inteligente, que não é meu caso.

Não é moleza ler as mais de 3 mil páginas do treco.

Uma obra tão grande e complexa que quando você termina de ler, perdeu metade da vida.

Eu li inteirinho.

Ou melhor, quase. Ali pelo meio do primeiro capítulo, sem entender quase nada, perdi o interesse em perder tempo com a obra.
Também, pudera, com tanta série boa na TV, e tanto post no Insta, fica difícil encontrar motivos para ler os sete volumes que compõem o trabalho que consumiu quase 15 anos da vida do autor.

Eu sei, eu sei. Estou errado.

Como diria o professor Clovis de Barros Filho, em seu imortal vídeo no YouTube: – Se o cara escreveu aquilo tudo, tirou do nada, todas aquelas ideias, você só precisa entender, bicho! Tem que ter brio, pô!

Admito o fracasso.

Ao menos sei do que se trata: narra a vida e as reflexões de um homem em busca da própria identidade, enquanto explora temas como amor, arte e sociedade, tentando compreender para onde foi o tempo que consumiu sua vida.

O velho Lula vai encerrar sua carreira política com os mesmo ideais do Lula sindicalista

Por que trouxe esse assunto na coluna dessa semana?

Porque tenho a impressão de que nós, como Proust, estamos atravessando o mesmo dilema.

Estamos tentando reencontrar nossa própria identidade, como brasileiros.
Estamos tentando resgatar o tempo perdido, ou melhor, desperdiçado, no nosso caso. Tempo desperdiçado não apenas nos anos Bolsonaro, mas nos anos Temer, Dilma, Lula, Collor, militares e por aí vai.

Os anos Bolsonaro apenas consolidaram de forma inequívoca nosso fracasso.

A polarização, por exemplo, é um bom sintoma desse processo. É como se corrêssemos cada um para um lado, direita ou esquerda, progressistas ou conservadores, para resgatar nossos valores.

Esse processo está no ar e não é coisa combinada.

É dessas dinâmicas que ocorrem de tempos em tempos na sociedade, dadas certas condições especiais de temperatura e pressão.

E é muito saudável.

Paradoxalmente, um brasileiro em especial tem buscado resgatar seu tempo desperdiçado de uma maneira especialmente dolorosa para nós.

Já tinha notado isso, mas ao jantar com uma amiga muito próxima do poder, nessa semana, ouvi um perfeito resumo da forma com que Lula tem buscado recuperar seu tempo desperdiçado, seja na prisão, seja como réu:

— Lula – disse ela – decidiu recuperar seu tempo perdido fazendo com que seu mandato seja o resgate de seus valores. Decidiu ser quem sempre foi. O velho Lula vai encerrar sua carreira política com os mesmo ideais do Lula sindicalista, falando o que bem entender, peitando quem quer que seja.

As frases que solta contra os americanos, o abraço em Maduro, as polêmicas sobre a guerra…tudo isso é o velho Lula recuperando o tempo perdido.

Não resta dúvida que seria mais tempo desperdiçado se o outro candidato tivesse sido eleito.

Mas lamento que Lula não tenha compreendido que o maior mérito de Proust foi demonstrar que buscar o tempo perdido é bem diferente de voltar no tempo.

Errata: Em minha crônica de 20 de maio, Área de Embarque, falei sobre o trabalho da Polícia Federal em Guarulhos.

Semana passada, recebi um e-mail da Superintendência da Receita Federal em São Paulo esclarecendo que, apesar do programa retratar o trabalho de diversos órgãos que atuam no aeroporto, os exemplos que citei referem-se especificamente ao trabalho da equipe de servidores da Receita Federal na Alfândega de Guarulhos, composta por analistas-tributários e auditores-fiscais — e não por policiais.

Acho importante corrigir esse equívoco, pois temos de valorizar e reconhecer o trabalho desses profissionais no combate ao tráfico de drogas e mercadorias irregulares, como no caso dos nababescos colares que o Bolsonaro tentou surrupiar.