Comportamento

A hora da dieta intuitiva

Nova abordagem de alimentação prega o fim dos cardápios restritivos para levar ao emagrecimento e pede que a pessoa escute os sinais de saciedade do próprio corpo

Crédito: Marco Ankosqui

Fernanda Meister, advogada, percebia desde criança que tinha intolerâncias na alimentação (Crédito: Marco Ankosqui)

Por Duda Ventura 

Sentar-se na cadeira do nutricionista não é mais apenas um caminho para entender e controlar aspectos fisiológicos, mas também um processo mental. Seguindo os preceitos da chamada alimentação intuitiva, profissionais ensinam seus pacientes a ouvirem os sinais do corpo, como os momentos de fome e saciedade, e os diferentes desejos ao longo dos momentos do dia.

As dietas restritivas, muitas vezes aplicadas sem embasamento médico, tomaram conta da forma como as pessoas se alimentam: é urgente comer a cada três horas, montar pratos com determinados nutrientes, beber “x” litros de água e se exercitar tantas vezes na semana.

Essas regras não seriam problema se não viessem acompanhadas de limites cada vez mais estreitos – também é necessário excluir definitivamente os açúcares e gorduras das refeições, contar as calorias de cada garfada e, muitas vezes, controlar cada movimentação feita na semana.

Tudo isso visando o emagrecimento para se encaixar num padrão de corpo frequentemente chancelado pelas redes sociais.

A psicóloga Renata Magalhães passou por dietas que define como “autoritárias” e sofria com desejo por chocolates (Crédito:Marco Ankosqui)

Segundo estudos da Faculdade de Medicina da USP, 95% desse tipo de dieta focada em emagrecimento rápido e restritivo leva ao retorno dos quilos perdidos.

Com esse cenário em vista, a nutricionista Ana Soares passou a questionar seu papel dentro da profissão. “Eu não queria ser uma ‘emagrecionista’”, brinca. “Minha função é ajudar pacientes a criarem conexões com os alimentos e honrarem seus sinais internos.”

Regras radicais

Ela explica que o quadro mais comum de pessoas que aderem a dietas restritivas é entrar em um ciclo de permissões e proibições. Normalmente, as pessoas buscam seguir sem erro os direcionamentos sobre o que seria o “certo” durante os dias úteis, por exemplo, mas, quando saem dessa rotina, se culpam e acabam consumindo mais ainda aquela comida.

“Eu vivia em dieta restritiva”, relata a psicóloga Renata Magalhães. “Comia seguindo um cardápio planejado, disciplinado, com muitas regras e pouca escuta do meu corpo. O resultado era a compulsão por chocolate e o peso na consciência cada vez que inevitavelmente saía da regra. Era um processo bem autoritário.”

Ao contrário do que o nome pode sugerir, porém, ter uma dieta intuitiva não é sinônimo de comer o que quiser e quando quiser, sem se atentar aos valores nutricionais de cada alimento. Trata-se de adaptar as necessidades biológicas às emocionais e à rotina de cada pessoa.

A advogada e gastrônoma Fernanda Meister se alimenta de maneira intuitiva hoje, mas teve experiências frustrantes com as tentativas de se adequar à dietas restritivas desde que atingiu a maioridade. Ainda na infância, ela conta que já percebia os sinais de que não gostava de beber leite, mas ignorava por pressão social.

“Muitos elementos da alimentação intuitiva estavam presentes na minha vida e eu já aplicava na minha rotina: comer colorido, devagar, sempre que possível com companhia, cozinhar e entender que em alguns momentos uma emoção vai te fazer comer ou até mesmo rejeitar o alimento. O diagnóstico da intolerância à lactose e a lembrança de que meu corpo me alertava naquela época de que algo não funcionava naquela equação, é um alerta que eu mantenho como referência”.

As crianças, segundo as pesquisadoras e escritoras norte-americanas Evelyn Tribole e Elyse Resch, que cunharam a abordagem do comer intuitivo, têm uma intuição inata em relação à alimentação, o que é perdido ao longo da vida e das pressões sociais.

Ana Soares remete essa perda do “olhar interno” para as necessidades do corpo à vida acelerada das cidades e à cobrança por um padrão idealizado e irreal.

Diante da variedade de rotinas de cada pessoa, os nutricionistas com foco intuitivo dispensam a seus pacientes um tempo de autoconhecimento antes de passarem a uma dieta, justamente para ensiná-los a entender o que seu corpo sinaliza.

Durante alguns dias, é necessário que analisem em que momentos da rotina sentem vontade de comer e o que atenderia a essa vontade de maneira saudável. Pela noite, o cansaço pode ser confundido com fome e, em caso de vontade de doces pela manhã, os industrializados podem dar lugar a opções mais nutritivas, por exemplo.

A nutricionista Ana Soares ajuda o paciente a honrar seus sinais internos (Crédito:Hilreli Alves)

“A dieta prescrita por um profissional é essencial para que o paciente entenda o caminho que deve seguir, e o autoconhecimento é essencial nesse processo de lidar com as diferentes ‘fomes’ , que são fisiológica, emocional e social. A alimentação intuitiva deve estar presente independentemente do objetivo”, explica a nutricionista Juliana Catapano.

Os resultados do Atlas Mundial da Obesidade 2023 mostraram que 35% dos adultos brasileiros devem conviver com essa condição até 2035. Assim, Ana e Juliana concordam que é necessário aproveitar a variedade nutricional dos alimentos presentes na rotina do brasileiro, e que entender o ciclo dos vegetais, tendo uma horta em casa, conhecendo produtores ou cozinhando, por exemplo, pode ajudar no processo de valorizá-los.

Para Ana, os pratos são fins, e não meios para atingir determinados formatos de corpos: “Entre restrições e exageros não há espaço para consciência. Precisamos adaptar a comida à vida, não o contrário”.

 

Os três pilares para mudar a maneira de comer

Apoiar-se nos sinais internos de fome e saciedade

1 Respeitar os sinais enviados pelo corpo através dos hormônios que indicam fome e saciedade é mais fácil quando o ato de se alimentar acontece em condições de tranquilidade. Comer com distrações, como filmes e redes sociais, pode atrapalhar esse processo.

Alimentar-se para atender as necessidades fisiológicas e não as emocionais

2 Os alimentos funcionam como soluções falhas e passageiras para os problemas emocionais. É preciso entender os fatores que levam a determinado sentimento e o que poderia auxiliar de maneira efetiva.

Permissão incondicional de escolher o menu

3 É o fim da lista de alimentos “bons” e “ruins”: as pessoas devem estar abertas para descobrir o que realmente gostam de comer sem preconceitos relacionados ao número de calorias ingeridas. Embora diferentes nutricionalmente e, por isso, ingeridas em diferentes proporções, as comidas devem trazer o mesmo prazer emocional.

* Estagiária sob supervisão de Thales de Menezes