Comportamento

Tatuados arrependidos

Brasil é o segundo país no mundo em número de buscas para apagar ou corrigir as impressões na pele. Nomes, letras e citações são os mais indesejados

Crédito: Marco Ankosqui

Quero ficar no teu corpo feito tatuagem”, cantou Chico Buarque, em 1973. Se a ideia de participar para sempre da vida de alguém já soa ilusória, a permanência das pinturas na pele também pode ser contestada. Uma pesquisa realizada pela plataforma Preply atestou que o Brasil é o segundo país do mundo em número de pessoas que buscam alterar ou apagar suas “tattoos”. Os arrependidos chegam a 270 mil por ano, atrás apenas dos EUA, que somam quase um milhão. Se os donos de desenhos grandes são os mais adeptos da retirada a laser, quem conta com impressões menores opta pela cobertura. Em 2021, a jornalista e consultora de comunicação corporativa Camila Nascimento decidiu dar novo rumo ao “infinito” que possuía nas costas desde os 18 anos: “Emocionalmente senti certa melancolia, pelo fato de ter feito a cobertura de algo familiar. Ao mesmo tempo, foi um alívio”. O símbolo e a palavra havaiana “ohana”, que quer dizer família, deram lugar a um novo desenho artístico criado pela tatuadora, que acompanha o amadurecimento da jornalista. “Olho a tatuagem que tenho agora e vejo como o trabalho de alguém que admiro, não mais como um símbolo ou algo que tenha um significado para mim.”

É um processo que exige tempo e conversa, para que a chance de conserto não seja desperdiçada. ”É importante entender o sentimento que aquela tatuagem traz para a pessoa e quais as expectativas que ela tem sobre o novo projeto. Além das reais opções, de acordo com cada caso”, afirma a tatuadora Alaíne Costa, que já chegou a receber, em uma semana, seis contatos de clientes ávidos para corrigir os riscos indesejados. Para a tatuadora Paula Lembo, especialista em arte abstrata, é preciso ser realista e transparente: “Muitas vezes as pessoas querem cobrir uma tatuagem com um FineLine, estilo com traços muito finos, e então somos obrigados a explicar as dificuldades”. A relação de confiança vem sempre em primeiro lugar: “Já perdi as contas de quantas vezes eu aconselhei a pessoa a não fazer a tatuagem, voltar para casa e pensar melhor. Nada funciona na ansiedade”. Como ninguém está livre de querer voltar atrás e nem as tatuagens mais profundas se provaram eternas, poder ajudar a ressignificar um pedaço de uma trajetória pode ser compensador. “Ver alguém sorrir novamente por se sentir livre, podendo exibir sua nova tatuagem, é para lá de importante. É lindo”, diz Alaíne.

“Se a pessoa faz uma tatuagem e não gosta, isso afeta o psicológico e atrapalha suas atividades” Juliana Toma, dermatologista

Nada é para sempre

“Nunca gostei muito de tatuagem, meu olho nunca brilhou para isso”, admite a recepcionista Fernanda Monteiro, que está retirando a tatuagem que fez com uma tia, há quatro anos. “Quando fui morar com ela, a gente criou um vínculo muito forte. Isso foi um carinho a mais.” Ela ainda não tem ideia de quanto vai demorar para tudo sumir e, por enquanto, prefere desviar os olhos do pulso em nome da tranquilidade. A caminho da quarta sessão com a dermatologista Juliana Toma, a sensação do laser não passa de leve agonia: “Não dói, porque tem anestesia. Mas você sente como se fosse um monte de formiguinhas caminhando sobre sua pele.”

Marco Ankosqui

“Eu olho a tatuagem que tenho agora e vejo como o trabalho de alguém que admiro, não mais algo que tenha um significado para mim” Camila Nascimento, jornalista e consultora corporativa

Divulgação

Ainda que, segundo a dermatologista, a maior parte da procura venha de quem tem muitas tatuagens e desenhos grandes, a relação que se estabelece com o “corpo estranho” parece ser unânime: “Afeta a autoestima. A tatuagem é uma coisa que a pessoa decidiu fazer. Do nada, ela tem algo novo no corpo dela. Precisa se acostumar e aceitar.” Se alguns levam anos para se incomodar com figuras que saíram de moda ou não combinam mais com o momento da vida, outros, sobretudo os jovens, pulam do estúdio direto para a clínica: “As pessoas fazem algo no impulso, mas ficam atordoados e querem uma solução imediata. Outro dia, atendi uma que só chorava. Mas prefiro demorar para remover, do que ir a jato e causar complicações.” A palavra é paciência, e o número de sessões vai depender do tamanho, da profundidade de aplicação da tinta e das cores. “O laser apenas fragmenta o pigmento, quem remove são as células de defesa. É preciso dar tempo para o corpo agir. A tatuagem é como se fosse uma laranja, e o sistema imunológico, uma formiguinha. Se eu pegar uma faca e picotá-la em muitos pedaços, facilito o processo de remoção desses micropigmentos.”