Brasil

Os perigos da CPMI

Governistas vão ocupar cerca de dois terços dos 32 assentos da comissão que investigará os atos criminosos do 8 de Janeiro. Isso pode frustrar os planos da oposição de transformar o espaço em um circo midiático bolsonarista. Mas, ainda assim, o Planalto tem a obrigação de esclarecer os alertas da Abin e o “apagão da inteligência”

Crédito: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil

DIREÇÃO Senador Eduardo Braga (MDB-AM): cotado para a relatoria da CPI mista (Crédito: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil)

Por Gabriela Rölke

As últimas movimentações do Palácio do Planalto conseguiram garantir uma folgada maioria governista na CPMI do 8 de Janeiro, criada por iniciativa da oposição com o claro objetivo de tentar constranger o governo de Luiz Inácio Lula da Silva. Embora ainda não haja uma definição dos nomes dos parlamentares que vão integrar a comissão, cerca de dois terços dos lugares devem ser ocupados por deputados mais alinhados ao presidente Lula, que ficarão com ao menos 20 das 32 vagas. Quem ocupa mais assentos consegue manter o controle sobre convocações, quebras de sigilo e principalmente do relatório final com os resultados das investigações. Reduz-se, portanto, pelo menos em tese, a possibilidade de que aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro monopolizem o espaço de debate e o transformem em um circo midiático ao gosto dos seguidores do capitão, na tentativa de emplacar junto à opinião pública a falsa tese de que o Palácio do Planalto seria o verdadeiro responsável pela depredação das sedes dos Três Poderes. Mas nem por isso o governo deve ter vida fácil: a informação de que a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) sabia dos riscos de invasão dos prédios coloca o governo na defensiva. É preciso esclarecer se o Planalto agiu a contento no episódio e se tomou as medidas adequadas com base nas informações de que dispunha.

COMANDO Deputado Arthur Maia (União-BA): provável presidente do colegiado (Crédito:Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil)

Documentos da Abin mostram que a agência teria enviado alertas, por celular, aos principais órgãos de inteligência do País sobre os riscos de invasão das sedes dos Três Poderes. O Ministério da Justiça, por meio da Polícia Federal, da Polícia Rodoviária Federal e também da Secretaria de Inteligência da pasta, teria sido alertado na noite da sexta-feira 6, antevéspera dos ataques, sobre a convocação de manifestantes para Brasília e sobre o risco de que a situação poderia sair do controle. O informe teria sido distribuído aos órgãos de segurança e inteligência pelo WhatsApp. O Gabinete de Segurança Institucional (GSI), então sob o comando do general Gonçalves Dias, homem de confiança de Lula, também teria sido avisado. Todos negam. Mas, se de fato não foram acionados, a falha foi da Abin no momento do envio das informações? Ou ainda: se a Abin de fato mandou os informes, e se eles foram devidamente entregues aos sistemas de inteligência, o que se fez para tentar evitar a tragédia anunciada? No momento parece haver muito mais perguntas do que respostas – e quem precisa responder é o Palácio do Planalto, que permanece em silêncio. Interinamente no comando do GSI à época, Ricardo Capelli (o seu titular, desde a quarta-feira, 3, é o general da reserva Marcos Antônio Amaro), foi o único a se pronunciar: criticou a utlização do WhatsApp para a difusão da informação. Capelli recorreu ao conceito de “soberania nacional” para defender, nas redes sociais, que as informações de inteligência de um país não devem ser repassadas por meio de um aplicativo de mensagens de uma empresa privada sediada em uma nação estrangeira.

O próprio presidente Lula sempre negou que o Palácio do Planalto soubesse dos riscos da invasão. Ele chegou a utilizar a expressão “apagão de inteligência” para garantir que o Governo não estava ciente da possibilidade de atos violentos na Praça dos Três Poderes. “Aqui nós temos inteligência do Exército, nós temos inteligência do GSI, nós temos inteligência da Marinha, nós temos inteligência da Aeronáutica, ou seja, a verdade é que nenhuma dessas inteligências serviu para avisar ao presidente da República que poderia acontecer isso”, afirmou. Fato é que a “limpa” que Cappelli promoveu assim que assumiu o posto confirma que o órgão não estava funcionando adequadamente. Para piorar, foi completamente equivocada a decisão do governo Lula de colocar em sigilo as gravações das câmeras de segurança do Planalto – vazamento seletivo mostrou o general Gonçalves Dias caminhando pela sede do Executivo aparentemente sem reação em meio aos golpistas. Se a ideia do governo, com a decretação do sigilo, era acobertar cenas que pudessem sugerir eventual omissão, o tiro saiu pela culatra: a estratégia ajudou a alimentar a narrativa delirante da horda bolsonarista.

EMBATE (da esq. à dir.) Os governistas Omar Aziz (PSD-AM) e Randolfe Rodrigues (Rede-AP) vão enfrentar os bolsonaristas Magno Malta (PL-ES) e Eduardo Girão (Novo-CE) (Crédito:Edilson Rodrigues;Claudio Reis;Pedro Ladeira;Marcos Oliveira)

Enquanto isso, no Congresso seguem as articulações para a escolha dos nomes dos parlamentares que vão integrar a CPI mista, que deve ser efetivamente instalada na segunda quinzena do mês. A presidência provavelmente ficará com o deputado Arthur Maia (União-BA), aliado do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). Já a relatoria deve ir para as mãos do senador Eduardo Braga (MDB-AL), ligado a Rodrigo Pacheco (PSD-MG), presidente do Senado. O próprio PT ainda não tem uma definição sobre quem da legenda vai compor a comissão. O partido do presidente decidiu esperar mais um pouco para ver como as demais siglas, inclusive as de oposição, vão definir as próprias indicações. Pela oposição, é dada como certa a indicação de dois aguerridos integrantes da tropa de choque bolsonarista, os senadores Eduardo Girão (Novo-CE) e Magno Malta (PL-ES). Devem antagonizar nas reuniões da comissão com os senadores governistas Randolfe Rodrigues (Rede-AP) e Omar Aziz (PSD-AM), que brilharam na CPI da Covid, em 2021.