Comportamento

Muito fofo, mas problemático

O buldogue francês se tornou a raça favorita no Brasil, mas problemas de saúde causados por cruzamentos feitos de forma indiscriminada têm levado a situações de abandono

Crédito: Constantinis

FRÁGIL Buldogue francês: aumento da popularidade fez crescer o risco de animais com doenças (Crédito: Constantinis)

Por Ana Mosquera

Apesar de não ser um produto típico do universo da moda, o buldogue francês, chamado de “frenchie” por seus admiradores, caiu no gosto dos consumidores e virou um verdadeiro objeto de desejo. Como um filhote com pedigree pode chegar a custar R$ 7 mil, no entanto, canis clandestinos têm realizado cruzamentos de forma indiscriminada para alimentar um mercado que só cresce e que se intensificou bastante na última década. Nos EUA, os registros da raça aumentaram mais de 1.000 %, de acordo com a American Kennel Club (AKC). No Brasil, o ranking realizado pela Confederação Brasileira de Cinofilia (CBKC) também aponta que o cachorro é o mais procurado do País. “Os buldogues são animais simpáticos e perfeitos para fazer companhia”, afirma a médica veterinária Walkiria Celia Hungueria.

Apesar de fofos e divertidos, há uma série de questões de saúde que afetam até mesmo os espécimes puros da raça. Entre elas estão problemas respiratórios e de superaquecimento, devido à curta extensão de sua cavidade nasal. Das 18 raças analisadas pelo Royal Veterinary College de Hatfield, do Reino Unido, o buldogue francês é o que vive menos: 4,5 anos, em média.

A busca ensandecida pelos animais também acaba fomentando práticas cruéis por parte de alguns criadores. O resultado é a geração de seres com patologias multiplicadas, sobretudo por conta dos cruzamentos consanguíneos. “Aproveitando esse filão de mercado, muita gente acha que é uma grande fonte de renda. Só que criar não é apenas botar uma cadelinha e um cachorrinho para cruzar. Há uma série de cuidados que os canis clandestinos não têm”, alerta Walkiria.

“A gente só queria uma nova integrante na família, não tinha ideia sobre a raça. Espero que outras pessoas acreditem nisso também. A experiência que você vai ter com o animal, e ele com você, é que vai ser única” Eduardo Domingos, assessor de imprensa (esq.), com Thales, a filha Melissa e a buldogue Gretha

Divulgação

Exposição na mídia

Muitas crianças pediram aos pais filhotes branco com manchas pretas após assistirem a 101 Dálmatas, clássico da Disney. Poucas delas, porém, sabiam que os cães possuem dificuldades de socialização, pois muitas vezes escolhem uma única pessoa da casa para ter laços afetivos, chegando a hostilizar os outros membros da família. Com os buldogues franceses, assim como no caso de outras raças que ganham fama, a lógica é a mesma: a compra por impulso culmina em animais abandonados quando se tornam adultos, por falta de dinheiro ou paciência com o bicho – ou até mesmo porque outra raça entrou na moda. “A existência de canis clandestinos provoca o abandono, uma vez que a fêmea utilizada como matriz não tem mais utilidade comercial, e passa a ser tratada como objeto”, afirma Fernanda Alcântara, advogada especialista em animais. Foi em um cenário desses que Gretha chegou à casa do assessor de imprensa Eduardo Domingos, há seis anos. Dos tempos de reprodutora em um espaço irregular, restou o jeito assustado, que logo deu lugar ao caráter amoroso e divertido do animalzinho. “A oportunidade de ter encontrado a Gretha, e de ela ter nos encontrado, foi sensacional”, diz Eduardo, entusiasta da adoção. “É importante não alimentar a parcela do mercado que reproduz sem atenção aos padrões da raça”, afirma Fábio Amorim, presidente da CBKC. Além dos maus-tratos sofridos no confinamento ilegal, o cruzamento entre parentes faz crescer o surgimento de doenças digestivas, ortopédicas, dermatológicas e oftalmológicas.

PRODUÇÃO EM SÉRIE Canis clandestinos focam na quantidade de filhotes, mas esquecem o bem-estar e os problemas genéticos que suas práticas causam: raças que ficam famosas na mídia provocam corrida pelo lucro com as vendas (Crédito:Istockphoto)

A adoção é a solução mais incentivada pelos ativistas. Aos que não abrem mão de ter um buldogue francês, ou outro cachorro de raça definida, deve-se pesquisar instituições idôneas. No Brasil, a CBKC é a única entidade que emite certificados de pedigree. Amorim recomenda checar a documentação do canil e pedir para ver os pais da ninhada, nem que seja de forma virtual: “Bons criadores preservam as raças, protegem os animais e diminuem riscos dessa criação nociva que, em alguns casos, abusa do bem-estar dos cães”, conclui.