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O homem bomba

Tentativas de tirar Anderson Torres da prisão falham e aliados afirmam que ex-ministro está “no limite”. Defesa volta a alegar instabilidade no seu quadro de saúde, mas cresce o temor entre bolsonaristas de que ele opte por uma delação premiada

Crédito: Mateus Bonomi

GOLPISTA Torres fala em suicídio e enfrenta grave crise psicológica: pode revelar detalhes do esquema do golpe de 8 de janeiro (Crédito: Mateus Bonomi)

Por Victor Fuzeira

O suposto agravamento do estado de saúde do ex-ministro Anderson Torres, preso há mais de 110 dias, tem colocado em alerta o entorno de Jair Bolsonaro. À ISTOÉ, aliados do ex-presidente externaram o temor cada vez maior de que o ex-secretário de Segurança Pública do Distrito Federal acabe trazendo problemas para o ex-capitão nas investigações sobre os atos antidemocráticos de 8 de janeiro e nas tentativas de alterar o curso das eleições presidenciais no ano passado. Com o andamento das apurações, emergem indícios de que ele fez vista grossa aos planos golpistas de apoiadores do ex-titular do Palácio do Planalto e que colocou suas digitais nas operações orquestradas para dificultar o deslocamento de eleitores de Lula no segundo turno das eleições. Flagrado pela Polícia Federal (PF) com uma minuta para avalizar o golpe de Estado, Torres não tem reagido bem ao período em que se encontra recolhido em uma cela improvisada no batalhão da Polícia Militar, em Brasília. A delicada situação emocional em que se encontra corrobora os rumores de uma eventual delação premiada – hipótese que tem ganhado força no mundo político à medida que as investidas da defesa para tirá-lo da prisão não surtem efeito.

Na terça-feira, 2, a defesa de Torres entrou com novo recurso para a soltura do cliente. Os advogados sobem o tom contra o Supremo Tribunal Federal (STF) e afirmam que “não se pode admitir como natural o cumprimento antecipado de pena, tampouco a utilização de prisão cautelar como instrumento de tortura física ou psicológica”. “O que se busca no momento é assegurar o direito de Anderson Torres de responder por supostos crimes em liberdade, e demonstrar que nenhum dos requisitos da prisão cautelar, medida excepcional de acordo com a legislação brasileira, faz-se presente no caso concreto”, destacam os defensores. Em outro trecho, eles tornam a citar que o “estado de saúde psíquica” do ex-ministro “inspira cuidados”. “Mas não há pedido de clemência ou compaixão, ainda que o momento assim oportunize. Clama-se apenas por uma avaliação minuciosa e imparcial das circunstâncias que envolvem sua prisão”, completam.

O cenário está complicado para Torres. Além de ser flagrado com documento para dar legalidade ao golpe de Estado, forneceu senhas inválidas do seu celular

O alarmismo dos advogados quanto ao estado de saúde de Torres esbarra no laudo da Gerência de Serviços de Atenção Primária Prisional da Secretaria de Saúde do Distrito Federal. Na última semana, o órgão informou à Corte que o ex-ministro está em “bom estado geral, consciente, atento e colaborativo”. “Refere crises de ansiedade diárias, mas nega desejo de morte e ideação suicida. As medicações foram ajustadas com a intenção de melhor controle do humor e das crises de ansiedade”, sustenta o psiquiatra que avaliou o quadro do ex-ministro.

Lapsos de memória

Entre aqueles que o visitam, não são isolados os relatos de que o ex-ministro está “no limite”. Pessoas próximas têm dito, porém, que Torres tenta não se abalar pelas notícias que circulam sobre o andamento das apurações. No entanto, os aliados não disfarçam que o cenário está cada vez mais complicado para o ex-secretário. Não bastasse ser flagrado pela PF com um documento para dar legalidade ao golpe de Estado, ele forneceu aos investigadores senhas inválidas para acesso ao seu celular e a e-mail pessoal que estão em posse da corporação. O aparelho é o mesmo que ele alegou ter perdido nos Estados Unidos. A defesa atribuiu o erro a “lapsos de memória” e ao “grau de comprometimento cognitivo” do cliente. Os advogados também se apoiaram em seu delicado quadro para conseguir adiar o depoimento à PF sobre os atos antidemocráticos.

Em investigação da corporação, são fortes os indícios de que Torres teve atuação decisiva para orquestrar bloqueios da Polícia Rodoviária Federal (PRF) em redutos de votação lulistas no Nordeste, no dia das eleições do segundo turno, em 30 de outubro. Com o avançar das diligências, tem se consolidado a tese de que o ex-ministro de Bolsonaro agiu como mentor da realização das blitzes e, para isso, contou com a ajuda do então diretor da corporação Silvinei Vasques. Recentemente, a PRF indicou “desvios de padrão” na atuação de agentes durante as fiscalizações nas rodovias na oportunidade. Os documentos apontam que só no Nordeste, onde Lula levava vantagem, 2.185 ônibus foram parados, enquanto outras regiões registraram números bem inferiores.

OBSTRUÇÃO Subordinado a Torres, Silvinei Vasques dificultou acesso de eleitores de Lula aos locais de votação (Crédito:Alan Santos/PR)

Nos últimos dias, os bolsonaristas têm orquestrado uma verdadeira força-tarefa para tentar colocar no ex-ministro a imagem de inocente e vítima de uma perseguição do Judiciário. Parlamentares e interlocutores políticos de Bolsonaro foram escalados para demonstrar fidelidade do antigo mandatário ao ex-companheiro de governo. Eduardo Bolsonaro, por exemplo, criticou a relutância do STF em rever a prisão preventiva do aliado. Na ocasião, chegou a dizer que “se algo de pior acontecer com Torres, essa conta certamente vai estar junto à Justiça”. Três dias depois da declaração do filho “zero três” do ex-titular do Planalto, o deputado bolsonarista Sanderson (PL-RS) o visitou na cadeira. Na saída, ele descreveu como “assustadora” a situação do ex-ministro. “Muito triste o que vi. Ele está absolutamente abalado psicologicamente. Deu para ver no seu semblante que está no limite. Durante o tempo em que lá estive chorou e falou várias vezes em suicídio”, disse.

Drama familiar

Como é delegado da PF, Torres tem direito a ficar detido na sala improvisada até a condenação definitiva. O local onde está recolhido tem 20m2 e conta com um frigobar, um beliche, um banheiro, dois armários e uma televisão, onde assiste ao noticiário. Desde que foi preso, em 14 de janeiro, tem recebido visitas dos advogados além de alguns poucos amigos e familiares. Pessoas próximas, e que estiveram com ele recentemente, relatam, inclusive, que grande parte de sua fragilidade emocional decorre do efeito que a prisão teve na família – ele é pai de três filhas com idades entre 9 e 13, que pararam de frequentar a escola desde o dia em que foi detido. Ele também não reagiu bem à notícia de que a mãe voltou a fazer quimioterapia para tratar um câncer. Outra frustração externada por ele a aliados diz respeito à dificuldade para deixar a prisão. Torres chegou a mudar de advogado para tentar reverter a prisão preventiva, mas não tem tido muito sucesso. Na oportunidade, se desfez de Rodrigo Roca e colocou em seu lugar o advogado Eumar Novacki, ex-Casa Civil do Governo do Distrito Federal e descrito pelos aliados como alguém com bom trânsito entre os ministros do STF. A mudança também foi vista como tentativa de desvinculação do clã Bolsonaro, uma vez que Roca tem estreita relação com Flávio Bolsonaro (PL-RJ).