Comportamento

Separação cresce na maturidade

Pesquisadores norte-americanos criam a expressão “divórcio grisalho” para classificar o grupo de pessoas com mais de 50 anos de vida e duas décadas de casamento que escolhem seguir sozinhas, fenômeno que aumenta no Brasil

Crédito: GABRIEL REIS

“É possível ser muito mais feliz quando você se descobre importante e único” Valéria Sbano, 61, supervisora (Crédito: GABRIEL REIS)

H á um ano e dois meses, a supervisora Waldenize Schultz, 51 anos, decidiu dar um fim ao casamento de mais de duas décadas porque percebeu que o outrora amor de marido e mulher, coroado com o nascimento das duas filhas do casal, hoje adolescentes, havia se transformado em amizade. “Não fazia sentido continuar; nós dois estávamos vivendo uma relação de amigos”, diz. Não houve briga, nem antes nem depois do divórcio, e eles seguem se falando. Os dois ficaram juntos por 25 anos e eram considerados um casal modelo, lembra Waldenize. “Teve gente, inclusive da família, que demorou para aceitar”, diz. “Mas eu não conseguia mais me ver naquela relação”. Como “argumento” contra a separação, ouviu de pessoas próximas que não fazia sentido se separar depois de um casamento de tanto tempo.

“Antigamente era assim, as pessoas se perguntavam por que mudar depois de anos juntos”, atesta a psicóloga Sonia Maria de Oliveira, doutora em terapia familiar pela PUC-SP. “Havia até uma expressão do senso comum sobre isso: ‘comeu a carne, agora vai roer o osso’”, lembra, entre risos. Mas a realidade agora é outra: as pessoas que passaram por um casamento longo estão se separando mais. O dado oficial mais recente, compilado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), é referente a 2021: naquele ano, houve 387 mil divórcios. E de acordo com um levantamento da BBC, 25,9% das pessoas que se divorciaram tinham mais de 50 anos. O dentista Marcio Paiva, 58, foi outro que ouviu questionamentos sobre a separação depois de 30 anos de casamento. “As pessoas falam esse tipo de coisa, mas não vejo a vida dessa forma”, conta. “Foram mais de três décadas juntos; vivi mais tempo da minha vida com ela do que sem ela, temos uma história e passamos por muito mais coisas positivas do que negativas”. Mas relação se desgastou – e a busca por novos espaços foi natural. “Grande parte das pessoas se acomoda e por vários motivos não consegue tomar decisões, mas não tem que ser assim”, diz.

“As pessoas nos viam como casal modelo, mas estávamos vivendo uma relação de amizade” Waldenize Schultz, 51, publicitária e terapeuta holística (Crédito:GABRIEL REIS)

Com mais de 15 anos de atuação na área do direito de família, a advogada Cris Watanabe confirma a tendência. “Tem sido crescente a procura pelo divórcio entre pessoas mais velhas”, diz a advogada. “Hoje há muito mais mulheres independentes financeiramente, que não precisam estar em um casamento infeliz”. Mas, se à primeira vista a palavra divórcio pode parecer um sinônimo de fracasso, para muita gente significa um recomeço. “Vejo isso todos os dias. A vida segue”, diz Watanabe. Nos Estados Unidos, pesquisadores cunharam o termo “divórcio grisalho” para designar o fenômeno. Um estudo da Universidade Estadual de Bowling Green, em Ohio, mostrou que, num intervalo de 20 anos, entre 1990 e 2010, o número desse tipo de separação mais do que dobrou naquele país. Se no primeiro levantamento menos de 10% dos divorciados tinham mais de 50 anos, em 2010 esse índice pulou para 25%.

A publicitária e terapeuta holística Valéria Sbano, 61 anos, também optou pelo divórcio depois de um casamento de 24 anos com o pai dos seus filhos. Não estava feliz na relação e avalia que foi a decisão correta. Depois disso, teve um novo relacionamento, que durou dez anos, e há cinco está sozinha. “Não faço apologia contra o casamento, sou a favor do amor”, destaca. “Mas a vida das pessoas tem que valer, elas são responsáveis por sua própria felicidade. Fatores como dependência emocional, culpa ou preocupação com os filhos não podem ser determinantes para que uma pessoa se mantenha numa relação que já não vale a pena”, ensina.

A psicóloga Sonia de Oliveira destaca que, embora não tenha em mãos dados estatísticos sobre quem mais procura ajuda em casamentos infelizes, a iniciativa na maioria das vezes é das mulheres. “Os questionamentos e a insatisfação com o casamento costumam ser delas, embora muitas vezes não pudessem bancar isso por causa da dependência financeira em relação aos maridos”, observa. “Já os homens parecem um pouco mais conformados; até porque, por tradição, tinham para si que ‘se estou insatisfeito, procuro fora de casa’, sem que fosse preciso desfazer o casamento”, diz. “Mas isso também vem mudando”.

“Grande parte das pessoas se acomoda, mas não tem que ser assim” Marcio Paiva, 58, dentista (Crédito:Divulgação)

O fato é que as pessoas estão vivendo mais, com mais saúde – “e com mais possibilidades de buscar um convívio mais interessante”, avalia Sonia. Ela aponta ainda que os valores vão mudando com o passar do tempo: “Até um tempo atrás, o casamento e a família eram algo central na sociedade, quem não entrasse nisso estava fora – era a solteirona, o solteirão”, diz. Atualmente, o casamento passou a ser visto como uma entre várias outras possibilidades. “Isso facilita para que as pessoas não se mantenham em relacionamentos que não são satisfatórios”, explica a terapeuta. Viver em outros moldes, portanto, deixou de ser visto como um desvio, um problema, para ser uma opção. “Hoje o importante é viver relacionamentos que façam sentido. Para além dos números e das estatísticas, o dado da realidade é que as pessoas, inclusive as com mais idade, se sentem mais livres para buscar a felicidade. E tudo bem.”