Salve-se quem puder

Não faço parte dessa geração que vai salvar o planeta.

Como estou beirando os sessenta, pertenço ao time dos que destruíram.

Não eu, especificamente, mas meus contemporâneos.

Eu mesmo nunca derrubei uma árvore. Pelo contrário, sou até responsável por um plátano, que cuidei com amor, vi crescer e hoje vive imponente no Morumbi.

Você vai dizer que uma árvore não é nada, que não faz diferença.

Tem razão. Meu plátano é uma colaboração medíocre para o bem do planeta, mas ao menos estou com saldo positivo
no que se refere ao desflorestamento.

No resto das atitudes para minimizar os efeitos do aquecimento global, sou uma decepção para a humanidade.
De verdade.

Por isso, quando o fim do mundo chegar e o Ártico derreter de vez, deixando os ursos polares à deriva; quando o nível dos oceanos subir engolfando cidades litorâneas inteiras, mudando o desenho dos continentes, serei responsável por uma parcela da tragédia.

Não iria tão longe quanto me responsabilizar por um Rio de Janeiro submerso, mas uma cidade menor, do tamanho
de uma Mongaguá ou Cananéia, por exemplo, podem colocar na minha conta.

Minha geração tem esse problema, fazer o que?

Tivemos que aprender muita coisa em pouco tempo. Fomos obrigados, dadas as circunstâncias do planeta e a evolução da sociedade, a lidar com questões que no passado não eram tão importantes.

O consumo de água, por exemplo.

Minhas filhas ficam desesperadas.

Recuso-me a fechar a torneira enquanto escovo os dentes, toma essa planeta.

Banho? No mínimo 20 minutos.

Fico lá, parado, me refrescando, depois de ensaboado. Deixo a água escorrer para me livrar de todos os pecados do dia e da véspera.

Sim, porque são dois banhos por dia, no inverno ou no verão.

Se bobear, no verão tem dias que são três.

Quando sou confrontado com meu desperdício hídrico, sem vergonha, respondo com minha teoria, cientificamente duvidosa: a de que a água, nos grandes centros urbanos, é um sistema fechado. E que por isso não estou desperdiçando nada, na prática. Ao escorrer pelo ralo, a água volta para as centrais de tratamento e, mais dia menos dia, vai estar na minha ou na sua torneira novamente.

Não convenço ninguém com isso, a não ser a mim mesmo, mas é uma boa estratégia para escapar enquanto os jovens pensam num bom contra-argumento.

Outra falha minha. Mea culpa, mea máxima culpa: o lixo.

Essa é outra ampla discussão, que já causou separação em muitas famílias.

Não separação das famílias, claro, mas separação do lixo.

Casas que tem recipientes diferentes para cada tipo de dejeto me dão profunda inveja, porque sou um sujeito organizado.

Categorizar o lixo, portanto, me parece uma enorme sofisticação.

Mas me recuso a parar para pensar em qual lixeira vou ter que jogar esse copo de plástico. Digo “pensar” porque
as novas gerações já nascem com a cadeia produtiva impressa em seu DNA.

Cuidar do planeta é uma tarefa que passa por cada um de nós. Infelizmente

Eu não.

Preciso calcular se o lixo da vez é reciclável ou não. De onde veio, para aonde vai e quantos séculos levarão para desaparecer.

Por via das dúvidas, acabo jogando tudo no não reciclável e pronto. Vou lá lavar as mãos com a torneira aberta enquanto ensabôo.

O pior de tudo é que sei o quanto estou errado.

Da mesma maneira que erro quando a comissária pede para desligar o celular e eu só apago a tela.

Sei que estou errado.

Se servir de consolo, aderi ao consumo consciente.

Compro apenas aquilo que é necessário. Nada de bugigangas.

Também decidi deixar meu carro na garagem e aderir ao transporte público.

Verdade seja dita, duas atitudes pelo bem do planeta, mas que tomei porque estou precisando economizar um dinheiro, sabe como é.

Mas, afinal, é um começo, não?