Comportamento

Resgate da leitura

Após retrocesso e negligência da era Bolsonaro, governo Lula tem plano de ação para incentivar o brasileiro a consumir livros, aumentar o número de bibliotecas e conscientizar o estudante de que cultura e conhecimento são para além dos muros das escolas

Crédito: Marco Ankosqui

ESTÍMULO Em Guarulhos, alunos da Escola Estadual República da Venezuela II escreveram um livro após imersão literária (Crédito: Marco Ankosqui)

Fazer com que o brasileiro retome o hábito de ler é um dos objetivos do governo Lula, que reestruturará o Plano Nacional do Livro e Leitura (PNLL). Instituído em 2006 por iniciativa do Ministério da Cultura e do Ministério da Educação, o propósito do PNLL é estabelecer diretrizes de uma política pública voltada à leitura e ao livro no Brasil. Na era de Jair Bolsonaro, no entanto, sofreu retrocesso com a extinção do Conselho Consultivo do setor, elo entre a direção do Plano e a sociedade civil. Assim, a intenção de formar uma pátria leitora foi deixada à deriva e desestimulada. O País ouviu de Bolsonaro atrocidades como “os livros hoje em dia são um amontoado. Muita coisa escrita, tem que suavizar”. Existiu ainda uma crítica chula ao patrono da educação nacional: “tenho de consertar esse sistema educacional lixo baseado em Paulo Freire”. Não bastasse, o último governo bloqueou R$ 796 milhões do Programa Nacional do Livro Didático.

Hoje, a realidade é diferente. Educação e Cultura miram um novo horizonte. O secretário de Formação, Livro e Leitura do MinC, Fabiano Piúba, destacou que a atual gestão terá ação interministerial para a retomada de políticas do setor. “O próprio presidente Lula, no processo de campanha, trouxe muito essa pauta quando falava ‘menos armas e mais livros, menos clubes de tiro e mais bibliotecas’”, declarou ele. Jéferson Assumção, diretor de Livro, Leitura, Literatura e Bibliotecas, por sua vez, destacou os passos da pasta: “Vamos implementar o PNLL, no sentido de fazer com que o Brasil se torne uma sociedade leitora.”

764 bibliotecas públicas foram fechadas entre 2015 e 2020

Foco nos alunos

Para os próximos dez anos, as propostas iniciais são facilitar o acesso aos títulos, reduzir o preço dos mesmos, criar centros com atividades educativas e lúdicas e promover a literatura brasileira. Trabalhar a formação de leitores nas escolas é determinação, bem como investir em bibliotecas. Entre 2015 e 2020, o Brasil perdeu ao menos 764 bibliotecas públicas, segundo dados do Sistema Nacional de Bibliotecas Públicas. Soma-se a isso o fato de que em 2018, de acordo com o Instituto Pró-Livro, o Brasil caiu de 104,7 milhões de leitores para 100,1 milhões.

O planejamento de fomentar a prática da leitura tem a aprovação de educadores e, principalmente, dos estudantes. A reportagem da ISTOÉ visitou instituições de São Paulo que deram a devida importância ao tema. Em Guarulhos, a Escola Estadual República da Venezuela II tem uma biblioteca acolhedora com mais de quatro mil obras, frutos de doações. “Não existia uma quando vim para cá há quatro anos”, conta a diretora Cristiana Pereira, que foi atrás de parceiros para erguer o local. Entre saraus e ações multidisciplinares, ela viu mudanças no interesse dos estudantes pelo saber. “Ler ajuda a escrever melhor”, aponta Erika Ferreira, 15. “Um livro faz você rever seus pensamentos e refletir”, diz Camyla Batalha, 17. “Cada obra tem cultura e originalidade por trás dela. Isso forma sua personalidade, o que ajuda na vida social”, analisa Thiago Kauan, 15.

TÉCNICA No Colégio Dante Alighieri, estudantes são incentivados a se tornarem leitores fluentes, críticos e coautores (Crédito:Gabriel Reis)

Na rede particular, os adolescentes mostram o mesmo entusiasmo. O tradicional Colégio Dante Alighieri, no Jardim Paulista, tem biblioteca com mais de 51 mil títulos, dispostos em salas também receptivas como a “hora do conto”. “Temos um trabalho de estímulo à leitura desde os mais pequenos”, descreve Sandra Tonidandel, diretora pedagógica de Ensino Fundamental 2 e Ensino Médio. “Não adianta ter uma biblioteca maravilhosa e dizer que os ‘alunos vão até lá’.” Os estudantes são a prova de que estratégias funcionam. “Livros me fazem ter outra visão, que eu posso concordar ou não. A partir disso, crio meu senso crítico”, observa Ana Luiza de Freitas, 17. “Eles expandem o nosso ponto de vista”, acrescenta Gabriela Di Mattei, 16. “A literatura une as pessoas”, resume Arthur Vianna, 16. Ler ensina, educa e fortalece. Os jovens de Guarulhos, por exemplo, viraram autores. Nesse mês, lançam o Memórias, Crônicas e Cartas, obra com textos feitos por eles após a imersão literária.