O picadeiro da CPMI

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LUZ, CÂMERA, AÇÃO O deputado federal do PL Eduardo Bolsonaro (à dir.) quis agredir fisicamente o também deputado Dionilso Marcon, do PT (à esq.): circo mambembe (Crédito: Divulgação)

Por Carlos José Marques, diretor editorial

Preparem a pipoca, aguardem os malabarismos circenses no meio da tenda congressual. O espetáculo de uma comissão parlamentar de inquérito para investigar os deploráveis atos golpistas do 8 de Janeiro está para começar. E terá de tudo um pouco. Até palhaçadas, claro, porque muitos ali querem mais entreter, fazer algazarra e confundir a plateia, do que realmente dar sentido ao show. Nesse pormenor, a trupe de bufões bolsonaristas vai com certeza extrapolar, fantasiar as evidências e tentar convencer, ao fim e ao cabo, que o governo atual conspirou em favor da própria queda. Algo assim como um haraquiri voluntário. Eles, os histriônicos saltimbancos do capitão, não têm nada com isso. Acreditavam apenas em discos voadores prontos a salvar a pátria ou entoavam o Hino Nacional para um pneu. Até aí tudo bem. Mas acusá-los de atos antidemocráticos seria ir longe demais, por deveras injusto. Não, por favor esqueçam o que viram. Descartem os impulsos delirantes dos chamados bolsominions nas portas dos quartéis, por meses, a pedir a deposição do STF e a anulação das eleições. Estavam brincando. Como em um picadeiro, encenando. Mesmo quando planejaram jogar uma bomba no aeroporto de Brasília, atentado frustrado por pouco. Mesmo flagrados quebrando tudo por ali, no infame 8 de Janeiro, enquanto envergavam, indevidamente, as cores verde-amarela, sequestradas nos últimos tempos para servir de adorno à patriotada patética que adotavam como meio de justificar pendores violentos. Deletem da memória os movimentos do então ministro da Justiça Anderson Torres, tomando à frente e deliberando ações para barrar o voto de eleitores do opositor Lula ou para desmontar qualquer aparato de resistência oficial que porventura frustrasse as invasões dos palácios na Praça dos Três Poderes naquele 8 de Janeiro. Eram jogo de cena. Não, definitivamente não! Os lambe-botas extremistas do “mito” Messias não possuem qualquer elo, nada a ver com o que aconteceu naquele dia. Nem mesmo, por óbvio, ele, o venerado, maior beneficiário da fuzarca toda e incentivador-mor de uma tomada do poder pela força. O cenário da prosopopéia está montado. As luzes dos refletores dirigidas. As marcações dos atores e falas ensaiadas. Fortes emoções estão por vir. E muito lero-lero também. A performance da oposição tem no script o objetivo de provocar dúvidas e levantar desconfianças sobre as responsabilidades notórias daquela afronta constitucional que deixou no rastro violações ao patrimônio público e à honra do brasileiro, arranhada mundo afora pelas cenas deprimentes que saíram daqui. Aboletado confortavelmente na Disney, Bolsonaro assistiu com regozijo ao furdunço que ele mesmo armou e dirigiu – de maneira velada, é bem verdade – enquanto sonhava com a volta à Esplanada nos braços do povo. O fiasco da intentona selou também o seu destino. Ele deve ficar inelegível, bem como corre o risco de mofar uns tempos na cadeia. Nada disso sairá, contudo, diretamente da CPMI. Ali, as apurações e revelações seguem rito e desfecho distintos das investigações da polícia. Como bem definiu a ministra do Planejamento, Simone Tebet, as atividades da comissão vão gerar mais memes do que qualquer outra coisa. O problema é que a vitrine aberta com esse fim acaba por ofuscar ou mesmo paralisar os trabalhos congressuais em áreas mais prementes. Banalizaram a República brasileira, tentando fazer dela, novamente, uma ditadura bananeira de quinta. Os delinquentes pilhados em flagrante foram presos, viraram réus e vão ter processos corridos na Justiça, enquanto deputados e senadores buscam tirar uma casquinha no tema para mero deleite e projeção nos holofotes. O resto que fique para depois. Deixarão, não tenham dúvidas, outros afazeres de lado. Com o circo armado, a maioria dos figurantes e protagonistas mostra lado claro e majoritariamente pró-capitão. Simpatizam com a sua vertente ideológica e lhe prestam vassalagem por benesses pretéritas — muitos, aliás, foram eleitos na esteira da popularidade do Messias. Esse corre o risco de ter de aparecer por lá, convocado, mas como de costume exibirá a desfaçatez habitual e fará galhofa das acusações. Tendo espaço, partirá até para a lacração dos opositores mais inflamados. De concreto, passados alguns meses de balbúrdia, as cortinas irão fechar e o público espectador sairá com a sensação de “déjà vu” de outras comissões de inquérito igualmente inúteis para a apuração da verdade. É muito barulho por nada.