Brasil

O novo articulador político

Derrotas no Congresso obrigam Lula a comandar a articulação política para garantir a aprovação de projetos essenciais ao governo, como o arcabouço fiscal, mas o presidente já foi alertado que precisará ceder às pressões de Lira por mais cargos e verbas

Crédito: Cristiano Mariz

VIRADA Lula pega as rédeas da articulação política para inverter o jogo de derrotas no Congresso (Crédito: Cristiano Mariz)

A última semana impôs duras derrotas ao governo na Câmara. Os resultados negativos só confirmaram que o Palácio do Planalto está longe de ter os votos necessários para aprovar matérias de seu interesse no Congresso. O alerta sobre a fragilidade da base é anterior às discussões preliminares sobre a PEC da Transição e, mesmo assim, os governistas tentaram medir força na votação do PL das Fake News, mas não tiveram votos suficientes para colocar o assunto em votação. O ímpeto da cúpula petista esbarrou na barulhenta oposição ancorada pela verdadeira ofensiva das big techs contra a proposta.

A combinação foi suficiente para minar o apoio ao projeto e, para evitar um vexame ainda maior, restou ao relator, deputado Orlando Silva (PCdoB-SP), pedir que a votação fosse adiada. Como se não bastasse, um dia após o revés sobre a regulação das redes, veio outro duro golpe com a aprovação de projeto que derruba decretos do Executivo sobre o Marco do Saneamento. O balanço da semana desastrosa deixou claro a Lula que não há margem para que o presidente siga terceirizando sua articulação política – uma postura inédita nos seus três mandatos. O petista, descrito por aliados como um “animal político”, foi forçado a entrar de cabeça no circuito das negociações caso quisesse ver aprovados projetos de seu interesse, como o do arcabouço fiscal e da Reforma Tributária, entre outros.

LENTIDÃO Os congressistas alegam que Rui Costa não dá celeridade aos pedidos na Casa Civil (Crédito:José Cruz/Agência Brasil)

Interlocutores políticos do presidente não escondem, nos bastidores, que a articulação tem sido deficitária até aqui.
Os aliados fazem um mea-culpa pelos fracassos recentes no diálogo com o Parlamento e defendem que as derrotas tornarão Lula um ator mais participativo nas conversas com o Congresso. Desde a campanha eleitoral, no ano passado, o petista já dava sinais de isolamento do núcleo político. Ele também passou a escutar menos seus auxiliares – postura que gerou algumas declarações polêmicas e desnecessárias nestes primeiros meses de mandato. Os articuladores do titular do Planalto avaliam que ele ainda tenta se adaptar à nova dinâmica das negociações com parlamentares, muito pautada pela liberação de emendas. Para isso, o entendimento é de que ele terá que ceder mais aos desejos do presidente da Câmara, Arthur Lira, apelidado por governistas como “Imperador do Centrão”. Nesta semana, determinou ao ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, principal responsável pela articulação política do governo, que organize rodadas de conversas com partidos que integram a Esplanada dos Ministérios.

O objetivo é cobrar dos aliados a entrega de votos ao Executivo, algo que não tem ocorrido nas votações. Os primeiros contatos serão com as bancadas do PSD e PSB e, em seguida, haverá conversas com as lideranças do MDB e União Brasil, legenda que está cada vez mais dividida e enfraquecida. “O presidente Lula me delegou a responsabilidade. E a tarefa, como coordenador político do governo, nesta semana, é de fazer reuniões dos ministros que foram indicados pelos partidos junto com líderes para discutirmos a ação na Câmara. O objetivo é elaborar um calendário de votações até o final do primeiro semestre”, disse Padilha.

DESARTICULAÇÃO O próprio Lula entende que Padilha não tem sido eficiente na articulação do governo na Câmara (Crédito:Ton Molina)

“Pelé da articulação”

É sintomática a insatisfação de Lula com seu entorno, especialmente com Padilha. Na primeira reunião do Conselhão, grupo composto por 246 membros da sociedade civil, o presidente alfinetou o ministro das Relações Institucionais. Na ocasião, o chefe do Executivo defendeu, ainda que em tom de brincadeira, que o aliado deveria ter, no Congresso, “a mesma capacidade de organizar e articular que ele teve no Conselhão”. “Aí vai facilitar muito a vida”, acrescentou. Dias depois, já em Londres, o presidente tentou colocar panos quentes na relação ao dizer que “Padilha é o Pelé da articulação política”. “A coisa mais barata e mais eficaz é a gente cumprir aquilo que a gente promete. Tudo que você trata e não cumpre fica muito mais caro depois. É preciso que a gente seja eficaz e cumpra tudo o que promete”, disse Lula no sábado, 6, após a coroação do Rei Charles III. O recuo não surtiu o efeito desejado internamente, segundo interlocutores políticos do Planalto. A avaliação é a de que Padilha foi “fritado” publicamente pelo presidente e que a declaração expôs a crise na articulação política governista. O timing escolhido para o “puxão de orelhas” também não foi dos melhores, conforme aliados ouvidos pela reportagem. Há um histórico de reclamações dos líderes das principais bancadas contra o ministro.

Um dos maiores críticos à condução do diálogo com Padilha é o próprio Arthur Lira, com quem dividiu os corredores da Câmara nos últimos anos. O presidente da Câmara chegou a se reunir com Lula às vésperas da votação do PL das Fake News para cobrar maior empenho do petista nas negociações por cargos e emendas. O alagoano também alertou que o governo tem patinado para liberar verbas públicas que foram prometidas ainda na aprovação da PEC da Transição, no final do ano passado. Ao todo, hoje, R$ 9 bilhões em emendas aguardam para serem empenhadas pelo Executivo. Outro ponto sensível tratado no encontro foi a demora do presidente para liberar os cargos de segundo e terceiros escalões a aliados. Os postos estratégicos são altamente cobiçados pelo Centrão, mas estão, até aqui, blindados pela gestão petista. Essa relutância se deve, em grande parte, ao temor dos desdobramentos da debandada do União Brasil, que deve respingar no cálculo da base governista no Congresso.

Padilha, por sua vez, rechaça que haja demora na liberação de emendas. O petista assegura que os pagamentos seguem o calendário do Orçamento da União. Sobre as críticas à sua atuação nas negociações, ele garante “estar acostumado ao cargo”. “Não sou marinheiro de primeira viagem”, enfatizou em entrevista na segunda-feira, 8. Mesmo assim, a expectativa é de que o Planalto acelere os pagamentos das verbas para tentar acalmar as retaliações do Congresso, especialmente da Câmara. As quantias serão liberadas nos próximos dias pelos ministérios das Cidades e da Integração Nacional e Desenvolvimento Regional.

As recentes declarações de Lira mostram o interesse do presidente da Câmara em retomar o controle das negociações políticas do Planalto com o Parlamento, como fez durante a gestão Bolsonaro. O deputado sofreu duro golpe com a extinção do orçamento secreto, o que lhe tirou o poder de barganha com parlamentares. Internamente, nos corredores do Planalto, há quem defenda que o grande culpado pela demora na liberação dos cargos cobiçados pelo presidente da Câmara seja o ministro da Casa Civil, Rui Costa. Ele é o titular da pasta e quem dá a palavra final sobre as indicações. O histórico dele com os próprios aliados não é dos mais favoráveis. É conhecido por deixar ministros esperando e ignorar pedidos dos parlamentares.

FRAGILIDADE Alckmin comanda reunião do PSB para dar um freio de arrumação na base aliada do governo (Crédito:Divulgação)

A postura do ministro foi apontada por líderes partidários como determinante para sacramentar a derrota governista na votação do projeto que altera o Marco do Saneamento. Costa participou ativamente da edição do decreto e chegou a se reunir com os deputados Fernando Marangoni (União-SP) e Fernando Monteiro (PP-PE), coautores do projeto que derruba as mudanças feitas pelo governo, uma semana antes da proposta ir à votação. A expectativa era de que o petista sinalizasse um recuo do governo sobre as mudanças. O titular da Casa Civil, porém, não deu qualquer retorno da reunião aos parlamentares. O gesto irritou os congressistas, em especial o presidente da Câmara, que acelerou a votação da matéria. O Planalto foi derrotado com votos das bancadas do MDB, PSD, PSB e União Brasil, que comandam ministérios do governo. Em tentativa de reverter a crise, ele agora articula com senadores para impedir que a oposição consiga levar o texto ao plenário do Senado. Para isso, acenou com a liberação das emendas e as nomeações.

O desgaste das CPIs

Não bastasse as derrotas recentes nas votações na Câmara, Lula terá que lidar com potenciais desgastes nas comissões parlamentares de inquéritos (CPIs), a começar pela CPMI dos Atos Antidemocráticos, que promete tirar o sossego do presidente. Inicialmente, a cúpula petista trabalhava contra a instalação do colegiado destinado a apurar os atos de 8 de janeiro por entender que a comissão articulada pela oposição não iria, de fato, se debruçar sobre as investigações. Os opositores queriam, na verdade, era ter mais uma oportunidade para convocar ministros e alimentar a narrativas de que o governo teve envolvimento nos ataques golpistas. O tom, contudo, mudou após o vazamento de imagens do circuito interno da sede do Executivo. As gravações tornaram sua instalação inevitável. Agora, o Planalto corre contra o tempo para assegurar a maioria das cadeiras e garantir o controle da relatoria e da presidência, responsáveis por ditar o ritmo dos trabalhos.

DUALIDADE Enquanto a base aliada é dispersa na Câmara de Lira (à dir.), no Senado de Pacheco o quadro é mais favorável (Crédito:Wilton Junior)

Outra casca de banana atirada pela oposição ao governo é a CPI do MST, que resultou da inércia do Planalto para conter o crescimento vertiginoso de invasões de terras promovidas por grupos ligados ao movimento sem-terra. O colegiado, diferentemente da CPI dos Atos Antidemocráticos, terá maioria opositora. O desenho da mesa prevê que a presidência fique com o deputado Tenente Coronel Zucco (Republicanos-RS). A relatoria, por sua vez, segue em aberto e é pleiteada por deputados igualmente alinhados ao antigo governo, como Ricardo Salles, ex-ministro do Meio Ambiente. À ISTOÉ, o deputado Kim Kataguiri (União-SP), um dos articuladores da criação da comissão, entende que a desorganização governista poderá custar caro. “Acho que o governo está desarticulado, tanto é que não tem maioria em comissões e no próprio plenário. Basta ver o número de convocações de ministros que a gente tem feito e o descontrole do governo na Comissão de Fiscalização e Controle, que é a principal comissão para se colocar defensores, o que o governo não fez. Não acho que seja falta de interesse dos governistas em integrarem a CPI do MST, acho que é fruto da desorganização da base”, conclui.