Lula cai na real

A os poucos, o presidente se rende à lógica da economia e enquadra os setores do petismo que desejavam recolocar o País na beira do abismo. O projeto de arcabouço fiscal entra na reta final e deve passar no Congresso, e sua configuração final responde muito mais a uma visão racional e responsável dos gastos públicos do que desejavam setores radicais da esquerda. O diretor indicado por Lula para o Banco Central (BC), Gabriel Galípolo, também tem um perfil muito mais afinado com a Faria Lima do que os aventureiros que quebraram o País no governo Dilma, apesar do sotaque heterodoxo.

Isso não quer dizer que Lula se converteu ao bom senso econômico. A Petrobras está voltando à política populista
de controlar o preço dos combustíveis para fins eleitorais. O BNDES, bunker do intervencionismo petista, quer voltar a subsidiar empresas companheiras. A Transpreto já planeja reerguer a indústria naval com dinheiro do contribuinte, apesar da chance zero de sucesso. E a obsessão dos desenvolvimentistas de reindustrializar o País na base de planilhas fantasiosas, manipulação do mercado e dinheiro do Tesouro ainda persiste. Há vários rombos contratados que vão retardar o crescimento.

Essa agenda do retrocesso, já testada e reprovada com efeitos desastrosos, não foi escolhida pelos eleitores na última eleição, ao contrário do que pensam alguns setores do petismo. A maioria do Congresso e os governadores eleitos dos principais estados têm uma visão diferente, e dizem isso em alto e bom som. A estabilidade conquistada com o plano Real não será rifada. E os investimentos só virão com recursos privados, segurança jurídica e arcabouço regulatório sólido, contrariando os esforços da legenda do presidente. Aliás, é esse o desejo dos aliados do mandatário que ajudaram a eleger o governo contra o golpismo bolsonarista.

Presidente cede ao Congresso e ao mercado, pois sabe que esse pode se tornar o caminho para o seu terceiro mandato ser bem-sucedido

Lula mostra pragmatismo ao ceder ao Legislativo e ao setor produtivo. Demoniza o presidente do BC e denuncia os juros “mais altos do mundo”, mas nos bastidores se rende à razoabilidade da política monetária. Afinal, no Brasil, a Selic está em 13,75% Na Argentina, a taxa oficial é de 97%. Aqui, a inflação ronda os 4%. Lá, atingiu 108%. O chefe do Executivo diz que a nação é vizinha é “vítima do FMI”, mas não insiste nesse desvario no plano doméstico, seguindo as regras do jogo, ainda que solte o verbo contra o “mercado”. Chama o agronegócio de “fascista”, mas manda o Banco do Brasil financiar o setor. Anima a torcida com bordões anticapitalistas, mas realiza na prática um governo reformista, apostando até na mudança tributária. Faz isso porque sabe que esse é o único caminho para o seu terceiro mandato ser bem-sucedido.