Cultura

Eternos chorões

Apesar de ter sido criado no século 19, o chorinho conquista as novas gerações e volta a ganhar as ruas e os palcos das grandes cidades brasileiras

Crédito: Rodrigo Simas

TALENTO Hamilton de Holanda e seu trio: tradição e virtuose são traços marcantes (Crédito: Rodrigo Simas)

Não há consenso sobre a origem do chorinho, ritmo criado no século 19 e considerado o primeiro estilo musical tipicamente urbano do Brasil. Para os pesquisadores Lúcio Rangel e José Ramos Tinhorão, a expressão nasceu da melancolia com que se tocava o repertório estrangeiro da época, versões que eram “feitas para fazer chorar”. Ari Vasconcelos dizia que a palavra era um diminutivo de “choromeleiros”, grupos do período colonial. Câmara Cascudo, por sua vez, afirmava que o termo vinha de “xolo”, baile dos escravos que, por confusão, passou a ser chamado de “xoro” ­­­— e, mais tarde, passaria a ser escrito com “ch”. Apesar da origem distante, o chorinho conquistou popularidade entre as novas gerações e está mais presente do que nunca nas ruas e palcos das grandes cidades brasileiras. Seu sucesso entre os jovens comprova o caráter atemporal. Meio século após a morte de Pixinguinha, o nosso mais famoso ícone, o gênero segue vivo nas rodas de rua, gravações e palcos de todo o País.

Uma de suas características marcantes é a qualidade dos músicos. Ainda que sendo popular, está longe de ser um estilo fácil. Guarda, nesse sentido, semelhanças com o jazz, até porque os improvisos são constantes e as sequências harmônicas, complexas. Entre os eternos virtuosos estão Jacob do Bandolim, os pianistas Chiquinha Gonzaga, Radamés Gnattali e Ernesto Nazareth, além do flautista e saxofonista Alfredo da Rocha Vianna Filho, o Pixinguinha. Essa tradição segue inabalada em nomes como o bandolinista Hamilton de Holanda, entre outros. Para ele, o gênero renasceu graças ao destaque que passou a ter pelo lado acadêmico, com a inauguração de escolas dedicadas ao choro em Brasília, Rio de janeiro e São Paulo. “Universidades como a UFRJ passaram a incluir instrumentos típicos, como o cavaquinho. O ritmo está presente em toda a MPB, porque é praticamente a nossa primeira música popular”, afirma ele. “Os jovens podem não conhecer a história, mas reconhecem que ali está o nosso DNA. Posso combiná-lo com outras linguagens, mas estarei sempre comprometido com a essência do choro porque ele é a minha língua materna.” O músico Wellington Silva, 30 anos, apaixonado pela sonoridade do violão de sete cordas, é um dos fundadores do trio Pano de Prato, ao lado do saxofonista Lucas Figueiredo, 31 anos, e o percussionista Gustavo Godoy, de 28. Fã dos ícones do passado, ele acredita que o surgimento de compositores contemporâneos ajudou a trazer o chorinho para os dias de hoje. Cita como exemplos Toninho Ferragutti, Mestrinho, Rogério Caetano e Eduardo Neves: “A internet facilitou o acesso a discografias, fichas técnicas de gravações e partituras de clássicos”. Em São Paulo há uma programação nas ruas e nos palcos bastante diversa, tem rodas de choro diariamente e em todas as regiões da cidade. Fica fácil encontrar lugares para curtir esse som ao vivo”.

MESTRE Pixinguinha, maestro falecido há 50 anos: uma das lendas do choro, ele ainda é referência para os músicos mais jovens (Crédito:Divulgação)

O pandeirista Allan Gaia Pio, 31 anos, é um bom representante da ponte imaginária que une artistas do passado e do futuro. Além de tocar com o quarteto Fios de Choro, cujos colegas estão na faixa dos trinta anos, ele também acompanha o tradicional Izaías e Seus Chorões, liderado pelo bandolinista Izaías Bueno, de 86 anos — o grupo mais antigo em atividade no País. “É uma experiência que me enriquece como artista, porque enquanto toco com a turma mais nova, que absorve elementos de outras partes do País e até internacionais, não perco o contato com a fonte onde tudo nasceu”, afirma. “As muitas rodas de choro mostram que o estilo recuperou o espaço popular. Depois de ficar muito tempo restrito aos teatros, está voltando para a rua, onde ele nasceu.”

Wanderléa, Cantora
“O estilo me encanta desde a infância”

Depois de uma carreira dedicada à Jovem Guarda e ao rock, como surgiu a ideia de gravar o álbum Wanderléa Canta Choros?
Comecei como intérprete em programas de rádio. Era acompanhada pelo Regional do Canhoto, importante grupo de chorinho da época. O estilo me encanta desde a infância.

Seria então uma volta às suas origens?
Acredito que sim. Costumava ouvir Ademilde Fonseca para tentar repetir suas melodias rápidas e complexas. Precisa de habilidade para tocar e cantar, e muito fôlego também.

ORIGENS Wanderléa: álbum novo traz clássicos do gênero e canção inédita em sua homenagem (Crédito:Divulgação)

Não é a primeira vez que entra em estúdio para se aventurar por outros estilos.
Não, já trilhei caminhos distantes do rock. Gravei composições de Gonzaguinha, Walter Franco, Luis Melodia, Egberto Gismonti. A Jovem Guarda me pegou porque era um estilo novo e forte, tinha toda aquela performance no palco. Tomou conta da minha vida, me deu fãs fiéis. Mas nunca perdi a vontade de inovar.

Como foi a escolha do repertório?
Não podia deixar de fora clássicos como Carinhoso e Pedacinhos do Céu. Gravei ainda Delicado, com Hamilton de Holanda, e ganhei de presente a inédita Um Chorinho para Wandeca, de Douglas Germano e João Poleto. Foi uma homenagem ao meu amor pelo gênero.